sábado, 1 de setembro de 2012

A caça à multa e a manifesta má formação dos técnicos de trânsito

           – Parte-se do princípio de que as leis existem para ajudar o cidadão a melhor viver em comunidade;
– Parte-se do princípio de que os autores dessas leis são pessoas normais, pensantes e também são técnicos que estudaram nos livros e na realidade;
– Parte-se do princípio de que os agentes da autoridade existem para ajudar o cidadão a cumprir a lei e não para assumir como seu objectivo principal dar caça aos possíveis infractores.
É melhor escrever: partia-se desses princípios, porque, no actual momento da nossa dita «democracia», as excepções a esses princípios são tantas e tão flagrantes que mais vale pensar que tais princípios caducaram e foi o contrário que se arvorou em norma quotidiana.

A caça à multa
            Exemplo paradigmático foi o que ocorreu no dia 26 de Julho, p. p.: gigantesca acção de «caça à multa» foi montada por todo o país, previamente orquestrada para, no dia seguinte, as entidades embandeirarem em arco e informarem a Comunicação Social dos milhões de euros que haviam arrecadado.
Bem andou o nosso prezado colega Correio da Manhã, quando chamou o tema a manchete de primeira página, dando-lhe o nome adequado: «Caça à multa rende…».
Bem andou também o nosso prezado colega nestas colunas, Rui Rama da Silva, ao referir, que, em teoria, ou seja, de acordo com a lei, parte significativa do montante dessas multas deveria ser aplicada na beneficiação da rede viária nacional, aspecto que foi filosoficamente omitido no comunicado oficial, porque… não há, da parte do Estado, a menor intenção de cumprir a lei.
            E, perante o que se viu, mais uma vez ficou demonstrado que o que se pretende não é ajudar o cidadão mas sim puni-lo. A polícia assume-se como agente repressivo e não como agente persuasor, amigo, colaborante… E, por mais que, depois, lhe venham cantar outras loas, o Povo sai-se com esta: «Cantas bem, mas não me alegras!». E, infelizmente, detém inteira razão

As incompetências dos técnicos
            Raro terá sido o condutor que, ido de Cascais para o Estoril, tendo passado diante do Hotel Miragem, não tenha sido autuado, na manhã desse fatídico 26 de Julho de 2012, por ir em excesso de velocidade.
            Vejamos, então, o que determina a sinalização preconizada pelos técnicos.
            De Cascais para o Estoril, duas placas assinalam «velocidade controlada»; como as palavras têm a acompanhá-las a representação de semáforos, o condutor vulgar pensa: «Se eu for a mais do que o permitido – e, na marginal, o habitual é 70 – o semáforo cai; está bem». Eis senão quando aparece a placa dos 50, a escassos metros dos semáforos. Foi aí, claro, que, escondido na simpática vegetação fronteira ao hotel, estrategicamente se prantou o carrinho com o radar. Portanto, desde que o semáforo esteja verde, o condutor é levado a acelerar, porque é uma subida e a visibilidade excelente. Aceleras? És multado! Trigo limpo! Vais a 76 km/h? Paciência, Senhor Condutor, passe para cá 120 € (cento e vinte euros)! E é o mínimo que hoje lhe aplico, que podia aplicar-se mais!...
            Coitado do agente, não tem culpa! Se calhar, até tem mulher e filhos, um ordenado miserável e a certeza de que os condutores que, nesse dia, cumprindo ordens, multou lhe terão rogado pragas imensas e o terão enviado para as profundezas dos infernos!...
            É maldade cruel!
            E quase apetece sugerir: «Façam, amigos, façam isso todos os dias! Não é uma forma limpa e fácil de engordarem os esburacados cofres do Estado! Façam!».
            Mas, claro, aquilo está assim porque houve técnicos assaz competentes que assim acharam que devia ser. Até porque essa bendita placa, assim colocada ali, parece que terá validade até para lá de S. João. Há outras, também de 50, na Poça; mas essas fazem disparar o semáforo, o que ali se compreende: é zona de entrada e saída da praia. Mas há muito sítio para pôr radares de multa, para não ser sempre no mesmo, que a malta depois habitua-se e já não pode fazer apostas: «Onde é que os gajos vão pôr o radar hoje?».
            Aliás, já que estamos em maré de sugestões – a exemplificar também a competência dos técnicos de trânsito (no caso seguinte, creio que camarários) – outro local onde podem caçar condutores é na descida da 25 de Abril, em Cascais. Porquê? Porque a velocidade máxima aí permitida é 30 Km/h. 30 Km/h?! Isso mesmo!... Você já lá passou a 30 km/h? Eu, noutro dia, tentei e levei cada buzinadela!...
            Mas a placa lá está, desde o tempo do senhor Judas, porque por ali circulava, a 30 km/h, o trenzinho tranquilo da tranquila voltinha à vila. O trenzinho sumiu; a placa ficou!
            Vasculhando bem, situações destas multiplicam-se, porque (ao que parece) os técnicos de trânsito lêem muitos livros, mas… esquecem-se mesmo de ler a realidade!

[Publicado no Jornal de Cascais, nº 320, 29.08.2012, p. 6].

Sem comentários:

Enviar um comentário