terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Deixa estar que eu faço!

             Ainda hoje me soam amiúde. «Deixa estar que eu faço!», «Deixa estar que eu ponho!» – repetia-as meu pai, no seu jeito meridional, bem irónico, quando minha avó (que Deus haja!) impedia que o seu filhote mais novo fosse fazer alguma coisa que se lhe estava a pedir. Compreendo hoje muito mais claramente a ironia de meu pai, que, apenas com a terceira classe mal amanhada, aprendera muito na escola da vida e de «pedagogia infantil» nunca soube o que isso era em teoria.
            Meu tio acabou por nunca singrar grandemente na vida, deixando habitualmente que outros decidissem por ele, sem um espírito de iniciativa que, ao contrário do que poderia pensar-se, não nasce connosco, aprende-se!
            E lembro-me muito dessas frases de meu pai, hoje, noutro contexto, porque no familiar, felizmente, a regra tem sido sempre a de deitar o cãozinho à água que ele aprende a nadar ou aqueloutra máxima, que dizem atribuir-se à sabedoria chinesa, «Ao pedinte não dês um peixe, dá-lhe a cana para ele o ir pescar!». E essoutro contexto é o da escola, porque os nossos ‘meninos’ têm a cana, mas… não os ensinamos a pescar!
            Exemplifico.
            A mestranda entregou-me uma página do trabalho de casa onde havia palavras a azul e sublinhadas. Interroguei-a acerca do significado do azul e do sublinhado. Não sabia, entaramelava-se-lhe a língua nas respostas que me dava, até que confessou: «Professor, era assim que lá estava!». Expliquei-lhe o que era um «link» e o incidente permitiu larga conversa sobre a necessidade urgente de usar com inteligência os dados fornecidos pela Internet. Temos, aí, um manancial enorme, ia a dizer «infinito», cardumes e cardumes de peixes… Mas esse ‘peixe’, para ir à mesa como apetitoso acepipe, carece de ser… amanhado. E, para o amanhar, há que pensar primeiro que prato vamos preparar. O peixe, hoje, pode ser, na verdade, a Internet; mas o mais importante é que a cana funcione a rigor e o espírito de crítica e de reflexão estejam totalmente despertos!
            Note-se: eu escrevi «despertos» e não «espertos» – que ele há muito quem queira pescar em águas alheias estranhos peixes que não lhe pertencem e depois sai daí uma caldeirada sem jeito nenhum! Que também para uma boa caldeirada é preciso saber dosear condimentos e bem apaladar os temperos! Oh! se é!...

Publicado no quinzenário Renascimento (Mangualde), nº 605, 01-12-2012, p. 3.

 

 

Sem comentários:

Enviar um comentário