quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Dá-me um abraço!

              Beijara-a, com a grande Amizade de há longos anos. Partilháramos projectos em prol da juventude para que vivesse melhor e em comunidade. Revivêramos, numa viagem, percursos antigos… Agora, encontrava-a ali, no corredor de saída do hipermercado, em época natalícia.
            Como estás?
             Estou. Fui operada, estou de baixa. Não tem sido fácil!
             E já arranjaste casa?
             Uma amiga deixa-me viver num dos quartos lá de casa. Não consegui encontrar nada. Tudo muito caro para as minhas posses.
            Que fazes?
            Olhou-me fixamente. Espreitaram-lhe nos olhos duas lágrimas furtivas. Senti que iria chorar. Peguei-lhe na mão, que apertou a minha – e pediu-me, voz trémula:
            Dá-me um abraço!
            Apertei-a contra o peito, numa ternura, indiferentes ambos a quem passava opor nos, gente atafulhada de compras natalícias na expectativa de confortável ceia em família. Beijámo-nos. A lágrima rolara-lhe mesmo face abaixo. Baixou o olhar, desejou-me bom ano, abalou.
            Fiquei pregado no chão, a tomar consciência do que efectivamente se passara. Não conseguira perguntar-lhe pelo marido, pela enteada a quem eu, aliás, enviara os parabéns há poucos dias, porque faz anos perto da minha data e eu não esqueço.
            Não tenho o número do seu telemóvel, só o endereço electrónico; mas, egoísta, não ouso agora perguntar-lhe como vai, como foi o Natal, que perspectivas 2015 lhe vai trazer.
            Dá-me um abraço!
            Por tudo e por nada, enviamos beijinhos. Somos capazes de dizer «Beijinhos!» para a pessoa a quem acabámos de beijar à despedida. Estereotipado beijinhos!... Nada que se compare à ternura do abraço amigo, num calor partilhado, numa presença que nos dois corpos se sente. Preciso urgentemente de voltar a dar-lhe um abraço! Precisamos mesmo!

            Publicado em Renascimento (Mangualde) nº 654, 15-01-2015, p. 12.

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