Não
sou conhecedor de Música para poder esboçar aqui uma apreciação do espectáculo em termos técnicos. Também não
fui estudar os contextos específicos em que o pianista austríaco Carl Czerny
(1791-1857) escreveu a sua obra nº 153, «Concerto para piano a 4 mãos e
orquestra», ou as fontes de inspiração
do compositor, natural da Boémia, Antonin Dvorák (1841-1904), para a sua Sinfonia
nº 9, «Do Novo Mundo». Limitar-me-ei, pois, a dizer o que, como leigo, me
impressionou e me encheu as medidas.
Aplauda-se a iniciativa!
Claro,
importará sublinhar, desde logo, que a criação
de uma Orquestra Sinfónica constitui iniciativa de muito louvar, pelo que
significa de apreço pela Cultura e, de modo especial, de apreço pela vertente musical
da Cultura, nem sempre devidamente valorizada a nível de uma acção governativa autárquica inteligente.
Se
considerarmos, por outro lado, que boa parte dos mais de 70 elementos da Orquestra
serão de origem estrangeira (como o é o seu maestro, ainda que nós o consideremos
já mais cascalense que búlgaro) e que Cascais se guindou, nos últimos tempos, a
local de residência preferido por muitos cidadãos dos quatro cantos do mundo,
então se compreenderá melhor a importância da criação
invulgar de uma orquestra sinfónica – para que, naturalmente, se almejam longos
anos de reconhecidos êxitos, a prolongar-se muito para além da vigência do
actual executivo camarário.
O espectáculo
O
ritual é sempre… um ritual. O primeiro violino levanta-se, dá o tom. Para a
esquerda. Para a direita. Aqui, é possível dar o mesmo tom para ambos os
lados!... Toca um pouco. Ouve as afinações. Senta-se – e é o desaforo total,
que todos querem dizer ao instrumento «faz favor, porta-te bem!». Depois aguardam-se
os dois pianistas e o maestro. Aplausos. Expectativa. É que, senhores, é a
primeira vez (diz o programa) que vai ouvir-se em Portugal esta obra do
colaborador de Beethoven! Ainda por cima, por dois mui conceituados e
aplaudidos pianistas: o português Artur Pizarro (que, pasme-se, se apresentou
na televisão quando tinha apenas 4 anos, agora tem 47!) e o triestino Rinaldo
Zhok, um duo formado há menos de um ano. Adianto, desde já, que nos
maravilharam. E até a palavra «maravilhar» é capaz de ser mínima para
transmitir o calor extasiante com que nos brindaram.
Sente-se
que Lalov carrega uma respons abilidade
única, embora este palco lhe seja mui familiar.
Começa-se
por um «allegro con brio». Toda uma exuberância alegre, viva, quase heróica, a
que o virtuosismo dos dois pianistas empresta colorido singular. E há a dança
dos arcos dos violinistas, quando estes deles prescindem para um pizicato.
Todos os músicos, é bem de ver, estão compenetrados e felizes: têm a consciência
plena de que participam num momento histórico, a assinalar em letras gordas nos
respectivos curricula vitae. E
sorriem de quando em vez. E ouvem atenta e deliciadamente os outros,
sobretudo os pianistas, quando o maestro
lhes dá tréguas.
O
2º andamento – «adagio espressivo» – abre com os fagotes a anunciarem
serenidade, a que, tranquilamente, os pianos respondem. Meneiam-se, agora, de
novo, os arcos alevantados.
Foi
curto este adágio – que Carl Czerny apenas quis fazer breve pausa, parece, a
ganhar forças para o «vivace» do «rondó alla polacca» do 3º andamento. E os pianistas
parecem que saltitam, agora, como passarinhos contentes ao sol da manhã!...
O
intervalo – após os longos aplausos de pé, com «bravos!» – serviu para que quem
se não via há um tempo pudesse trocar impressões e mutuamente rejubilar-se com o
facto de estar vivo e poder saborear esta beleza. Vimos o casal Pinto Balsemão,
Georges Dargent, o contentamento do senhor presidente da Câmara e dos membros
do Executivo e seus colaboradores …
Começou
a Sinfonia nº 9, vibrante no adágio, ainda que o «allegro molto» haja perlado
de novo o rosto do maestro irrequieto, a querer estar em todos os naipes. Bem tranquilo,
ao invés, com silêncios pelo meio o 2º andamento, largo… Foi, porém, sol de
pouca dura, que «molto vivace» era o 3º e não havia tempo a perder. Atacou-se
com força, na apreciação do rigor do
movimento, do gesto, do toque, ao centésimo de segundo, mesmo com novos
bailados dos arcos dos violinos a encaminharem-se para o inesperado «grito» no
final, um espanto! E, a terminar, o bem conhecido «allegro com fuoco» do 4º
andamento, lá vinha o mote de quando em vez, como eco para não esquecer e a
trautear e a desafiar a fúria dos violinos…
Aplaudimos
longamente, de pé. Foi um privilégio estarmos vivos, ali, e vermos como também
eles, os músicos, ficaram deliciados com o impecável desempenho que haviam
logrado ter. Aplaudimos naipe a naipe, entre sorrisos, entre os brados de
«bravo!». Aplaudimos todos. Nikolay Lalov não podia deixar de se sentir
realizado, até porque, depois do Departamento de Dança do Conservatório de
Cascais, oficialmente iniciado a 27 de Fevereiro, via agora realizado mais um
sonho que poderia ter-se pensado inatingível: a criação
de uma Orquestra Sinfónica que vai deliciar-nos no começo de cada estação : fará, a 13 de Junho, o concerto de Verão; a 24
de Outubro, o de Outono; e a 12 de Dezembro, o de Inverno. Já agendei!
José d’Encarnação
Publicado em Cyberjornal , edição
de 28-03-2015:
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