quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Marcar o território

             O canito vai com o dono a passear. E nem sempre alça a perna por necessidade, mas sim porque cheira e acha que deve marcar o território. Os cães do meu vizinho ladram sempre que passa um cão, que é a forma de dizerem «não te atrevas a tentar entrar, este território é nosso!».
            Na juventude, li muitos livros sobre os costumes dos animais, quando ainda não havia os documentários que há hoje nem existia a National Geographic com esses espantosos programas. E uma das informações que me deliciou foi saber que, antes de se instalar num recanto da floresta, a família de castores, marca o território com um líquido de cheiro bem activo (seria almíscar?).
            Diariamente os noticiários nos informam dos bombardeamentos e correspondentes mortandades por questões de domínio territorial. «Nunca mais se entendem!» – desabafamos nós. Os outros castores respeitam o território daquela família que ali se instalou; os homens não lhes seguem o exemplo. E até se matam parentes por meras questões de partilhas!...
            Ao longo dos tempos, sempre o Povo se ergueu em Cortes contra a prepotência das classes dominantes – os nobres e o clero – por causa do território. Quiçá também precisasse de se erguer, agora, contra outra classe dominante, os gestores municipais, quando ocupam baldios ou quando, por obscuros (ou evidentes…) interesses imobiliários, deliberam transformar em aedificandi uma área que secularmente o não era… E quando, por toda a parte, se apropriam, sem tir-te nem guar-te, do espaço público para – através das taxas de parqueamento automóvel – usurparem dinheiro aos contribuintes! O esquema é o mesmo do da Idade Média, com a diferença de que já não há Cortes onde o Povo possa reclamar os seus direitos, nem os detentores do poder (ao contrário dos reis d’outrora) se preocupam em mandar instaurar inquirições ou exigir confirmações, porque, aliás, dessa exemplar governação medieval terão certamente uma vaga ou mesmo nenhuma ideia…
            Antecipando o Lisbon Web Summit, previsto para este mês de Novembro, o número de Outubro da UP, revista de bordo da TAP Portugal, escolheu para seu tema genérico Portugal Connected, a fim de se demonstrar, no fundo, que, mediante as novas tecnologias, acabamos por verificar que… não há limites!
            E não há mesmo! E o Povo que se submeta!

                                                                                 José d’Encarnação

Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 695, 01-11-2016, p. 11.

 

13 comentários:

  1. Muito bem analisado meu amigo. Os tempos modernos só nos trazem enxofradelas bjs

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  2. Bem tecido este texto, aliás, já nos habituou a esse «almíscar» com que as suas palavras vão despertando a nossa atenção e alimentando o nosso gosto. Para quando outro livro? Abraço grande.

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  3. «Anónimo» acima quer dizer Julieta mas continuo na Idade Média da informática.
    Julieta Lima

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  4. Maria David
    3/11 às 12:42
    Bem hajam os animais irracionais… Têm mais tino que alguns que se julgam racionais.

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  5. Helena Santos 3/11 às 13:10
    Sem dúvida! Parabéns. Excelente, professor.

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  6. Margarida Lino 3/11 às 17:14
    Meu querido amigo, temos tanto que aprender com os animais. E, a propósito de território, devo dizer que no teu território cultural, poucos são aqueles que conseguem entrar. Beijinho!

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  7. Ana Teresa 3/11 às 20:46
    Faço minhas as palavras da antecessora, Professor. Bjs.

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  8. Vitor Cantinho 4/11 às 9:41
    Fez-me lembrar também o jovem arqueólogo, quando chega e instala a sua demarcação rigorosa no terreno, como território seu... Esquadrinha o terreno, define o lote à medida, coloca a cobertura para se abrigar do sol e da chuva, qual "estufa" para gerar "frutos" silvestres...

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  9. Manuel Ai Quintas 6/11 às 17:56
    Meu Caro José, o território agora é o mundo, e até pode ser virtual. Quer dizer, não temos território nosso, muito menos podemos marcá-lo. Grande abraço.
    José d'Encarnação 6/11 às 20:14
    Bem hajas pelo comentário, Manuel. Mas quanto a não termos território nosso, lembra-me a frase do Orwell: «Todos os animais são iguais, mas há uns que são mais iguais que outros». Nós, o cidadão comum, o civil, não tem território; mas há umas máquinas que o têm e muito, comandadas por cidadãos não comuns...
    Manuel Ai Quintas 7/11 às 9:01
    Sim, é verdade! Resta-nos o território dentro de nós, marcado por nós, para ser só nosso.

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  10. Fernanda Gonçalves partilhou a tua publicação:

    Uma verdade diariamente comprovada...

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  11. Fernanda Gonçalves
    9/11 às 2:43
    Excelente texto. Até me faz lembrar qualquer coisa que se vai passando por este concelho fora... fico sempre deliciada com os seus textos. Obrigado. Abraço!

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