Duas razões me levaram a empreender esta
conversa. A primeira, o facto
de, nestes dias de Primavera a findar, eu ter diariamente logo ao despontar da
aurora, a presença de uma rola que, pomposamente empoleirada no
tronco daquele pinheiro, passa bem meia-hora num trrrurru… que, confesso,
eu não sei bem explicar: Se saúda a manhã, se mostra o seus contentamento, se
está numa de chamar companheiro…
A segunda, o êxito
cada vez maior que está a ter a moda alentejana que diz:
«Dá-me uma gotinha
d’água / dessa que eu oiço correr, / entre pedras e pedrinhas, / entre pedras e
pedrinhas, /alguma gota há-de haver. / Alguma gota há-de haver. /Quero molhar a
garganta. / Quero cantar como a rola. / Quero cantar como a rola / Como a rola
ninguém canta».
E dei comigo a perguntar-me:
se as crianças de hoje, a passar o dia entre as músicas e os ecrãs dos
telemóveis, já viram uma rola ou se já a ouviram cantar.
Se compreendem o que é
isso de a água «correr entre pedras e pedrinhas».
Se é possível ir aí a
uma nascente, «entre pedras e pedrinhas» buscar uma pouca de água capaz de se
beber, elas que habitualmente ou vão à torneira da cozinha ou bebem duma das
garrafinhas de plástico.
Se percebem a
importância de «molhar a garganta». «Molhar a garganta? Como? Para quê?».
Que interesse poderá
haver em «cantar como a rola»? E porque não como o melro ou o canário?
Já nada sei de
programas escolares nem de objectivos de visitas de estudo. Sei, porém, que, há
anos, numa visita com colegas licenciados pelos campos de Sintra, lhes dei a
cheirar a flor da madressilva, lhes mostrei a diferença entre a espiga de trigo
e a de cevada… Não sabiam. Tivera eu a dita de passar no campo meninice e
juventude. Sabia a diferença entre um melro e um pardal…
Perdoar-me-á o leitor
se o levei por estes agora escusos caminhos. É que, de manhã, aquela rola – não
sei se é sempre a mesma, estou em crer que sim – me estava sempre a dizer que
eu devia falar dela. Se calhar, é mesmo por isso que ela teima em acordar-me
todas as manhãs. Pronto: já lhe fiz a vontade!
José d’Encarnação
Publicado no jornal Renascimento (Mangualde), nº 879, 21-06-2025, p. 10.
LINDO, LINDO E MUITO PEDAGÓGICO. ABRAÇO, MUITA SAÚDE E PAZ.
ResponderEliminarGostei do cantar como a rola. Trago, da infância, o seu canto nos meus ouvidos.
ResponderEliminarA. Correia
ResponderEliminarDe: Ana Clare
11 de julho de 2025 17:39
Aqui em casa a minha neta conhece as rolas e toda a passarada que por aqui vem dormir, tenho um casal e respetivos filhotes no loureiro. Fazem uma chinfrineira pela madrugada e à noitinha. Quanto ao meu neto, duvido que ele não seja como todos os outros, que nem sabem o que é o trigo, quanto mais conhecer a passarada. Já ninguém por aqui ensina os miúdos sobre essas coisas. Todos estão em casa nos telemóveis e nem para a rua vão.