segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Ernesto Cruz - Um visionário da indústria

 
          Quem tiver a curiosidade de se interrogar por que razão tem um dos pólos da Universidade da Beira Interior o nome de Ernesto Cruz poderá, com proveito, ler o livro Ernesto Cruz – Um Visionário da Indústria, Um Industrial do Seu Tempo, que a Câmara Municipal da Covilhã editou em 2010, a evocar este notável industrial de lanifícios, de largos horizontes, que, pela exportação, fez a Covilhã alcandorar-se nos mercados internacionais da indústria têxtil, que soube sempre tratar os seus colaboradores como pessoas e nunca receou inovar na adopção de maquinaria e métodos de produção.
            Foi o também conhecido covilhanense João de Jesus Nunes que pôs mãos à obra, para que se não olvidasse a memória de quem tão precocemente viria a falecer (11.11.1906 – 6.10.1969). Depois das palavras do presidente da autarquia (que recorda, entre outras facetas, o apoio recebido de Ernesto Cruz, como filatelista); do prólogo, em que o autor explicita as dificuldades havidas em traçar esta biografia; e da evocação feita por uma das suas filhas, Maria Leonor Cruz, entra-se no retrato do Homem, do Desportista e Dirigente, do Industrial, do «Homem de Negócios sem Medo», do Humorista (sempre de resposta pronta e bem-humorada). Dá-se conta do que foi a empresa que criou, das vicissitudes por que passou, do empreendedorismo de que deu provas até à morte, desaparecimento que – apesar das boas vontades emergentes – acabaria por arrastar, também por mercê das circunstâncias conjunturais adversas, o encerramento da unidade fabril em 1990, «com o corte de energia eléctrica pela EDP» (p. 29). Esta frase lacónica esconde, naturalmente, todo um mundo de adversidades ocorridas e que não se lograram vencer. Ficou, pois, o nome do empreendedor, «multifacetado», «gerador de amizades», exemplo a seguir e a honrar.
            O livro, bem ilustrado, não termina, porém, na p. 33, com a fotografia do biografado. É que João de Jesus Nunes dedica as páginas seguintes (p. 36-51), sob o título «A Covilhã e a indústria têxtil, uma realidade», a compilar uma interessante série de depoimentos e de documentação de variada cronologia, que constitui, certamente (e estamos em crer que sim, mormente se se cuidar de melhor explicitação da bibliografia, aqui incompleta), um esboço do que poderá vir a ser uma história mais organizada e completa do relevante papel desempenhado pela actividade têxtil na «Manchester portuguesa».
Há, pois, que não esmorecer e meter ombros à tarefa. Cita-se, por exemplo, quase ao correr da pena, o testemunho de João António de Carvalho Rodrigues da Silva intitulado Memoria sobre o estado actual das fabricas de lanificios da villa da Covilhã, e das causas, que retardão a sua ultima perfeição, offerecida a Sua Alteza Real o Principe Regente Nosso Senhor (Lisboa: Impressão Régia, 1803). Sei que é obra não esquecida e amiúde citada; seria, porém, de bom augúrio que esta feliz iniciativa da autarquia local, ao realçar o dinamismo de um dos seus mais vigorosos empresários, a outros incitasse não apenas ao circunstanciado estudo da história local mas também a fazer frutificar tão reconfortantes exemplos!

Publicado no jornal Gazeta do Interior [Covilhã] nº 1249, 21-11-2012, p. 14.

Artistas, o tema de Natal da Egoísta

            «Maravilha!» é, decerto, a exclamação que de imediato nos ocorre, ao folhear o nº 50 (Dezembro 2012) de Egoísta, a revista da Sociedade Estoril-Sol, dirigida por Mário Assis Ferreira.
            Maravilha porque – sob a mui singela aparência de um livro de mercearia, atado por um cordel (ai, as difíceis contas do dia-a-dia!...) – esconde uma série de mui notáveis reproduções de quadros, onde nos é difícil discernir o que mais nos pode encantar. Se são admiráveis os premiados na galeria do Casino da Póvoa desde 2006 a 2012 (onde figuram nomes como Nikias Skapinakis, Júlio Pomar, Graça Morais…), não menos nos seduzem o fulgurante realismo das personagens do italiano Michele del Campo, colhidas na fugacidade do tempo (em StreetView); a enorme e espantosa expressividade dos desenhos a lápis do estónio Heikki Leis, em vigorosos retratos de um momento da higiene matinal; a beleza sensual dos rostos femininos da americana Alyssa Monks…
São também retratos («portraits») o que se apresenta da suíça Chrissy Angliker e é o calafrio que nos transmite essa tinta a escorrer de pensativas cabeças que nos leva a reler o magnífico texto introdutório de Assis Ferreira, verdadeiro anátema contra o estado a que a Humanidade chegou, apontando, porém, soluções: este Natal escasso «em dádivas materiais» pode ter – deve ter! – uma compensação nos afectos; será «mais rico em entregas pessoais, em comunhão de sentimentos, em partilha de esperanças», pretexto óptimo para que, finalmente, haja uma «celebração do Ser, em detrimento do Ter»!...
Daí, a escolha do tema, porque «a Arte nos humaniza». Arte que «não é, necessariamente, um espelho para reflectir as agruras deste nosso mundo; bem ao contrário, é um cinzel que nos ensina a esculpi-lo, é um escopro que nos ensina a moldá-lo».
Para rever, pois, pausadamente, as imagens e o que elas nos transmitem. Para reler, uma e mais vezes, essa reflexão inicial – que nos conforta!

Publicado em Cyberjornal, 30-12-2012:

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Incursões (9)

            Terminava a minha anterior colaboração para o Ecos do Costa, redigida – imagine-se!... – a 16 de Janeiro de 2009, o que não deixa de ser sintomático e motivo de reflexão no que concerne à vida e actividade do Clube (que se me perdoe a observação), com a seguinte frase:
            «Na verdade, tal como em tempo de Romanos, também as placas epigrafadas de hoje têm um significado explícito; mas, se calhar, o que nelas está implícito é ainda mais eloquente!».
            E não foi inocente a referência à data de 2009, porque – relacionando-a com a frase – me surgiu de imediato a imagem que ilustra esta breve reflexão. É que já lá vão bastantes anos que chamei a atenção para o que se diz nesta placa azulejada que alguém mandou colocar à entrada dos Paços do Concelho.
Repare-se, para já, que eu escrevi «Paços do Concelho» e apenas «Paços do Concelho». Na realidade, o que a placa pretende identificar é o edifício onde foi colocada e esse edifício é a sede física do poder político concelhio, não é ‘o município de Cascais’, que, esse, é um território a abarcar as cinco freguesias em que ora se divide (e que lutaremos para que assim se mantenha organizado). E não escrevi ‘Cascais’, porque… donde é que haveria de ser? De… Alguidares de Baixo, ali? Está mal, portanto. Já incitei a que se corrigisse e, até ao momento, outras têm sido as prioridades na azulejaria pública cascalense.
Mas eu também escrevi, em Janeiro de 2009, sobre a importância do que «está implícito». E, na verdade, vêm de seguida, nessa placa, as supostas traduções do que está na primeira linha. E digo «supostas» porque não são traduções; estão mais ou menos correctas em relação à ideia e não à escrita (excepto a do francês: diz-se «hôtel de ville» e não «mairie»). O que me interessa ora ressaltar é a ordem pela qual as línguas foram escritas, aqui há uns largos anos atrás: português, castelhano, francês, inglês e alemão. E perguntar: seria, em 2012, essa a ordem que se proporia? Seria outra? Porquê?

Publicado em Ecos do Costa (Boletim Informativo do Clube Desportivo da Costa do Estoril), nº 30, Dezembro 2012, p. 5.

 

sábado, 22 de dezembro de 2012

Um concelho que se mexe... ou não?

             Para um são-brasense que observa de longe o concelho em que nasceu e procura estar a par das iniciativas que nele se concretizam a impressão que, diariamente, lhe fica é a de que estamos perante um concelho que ‘mexe’! Ou seja: todos os dias – e habitualmente por bons motivos, o que ainda é mais de louvar! – há uma novidade, uma informação, uma iniciativa que se projecta ou está a ser levada a efeito.
            As diversas associações não querem deixar os seus créditos por mãos alheias e, sempre que possível, também o Município lhes dá o seu apoio. Gostava que se resolvesse a questão da sede, em ruínas, da Sociedade Recreativa Corotelense; mas isso, decerto, é meada difícil de desembaraçar… Na Internet, mercê do inquérito da In Loco, datado de 27 de Abril de 1999, sabe-se que era então presidente Ilídio da Conceição Viegas.
            Algo, porém, que nos parece sentir quando aí estamos é, em sentido oposto, o concelho que… não se mexe! Será, porventura, uma sensação errada; mas… como estamos de transportes públicos? A mobilidade das pessoas, nomeadamente a dos idosos, está mesmo a ser encarada? Como se vai, por exemplo, do Corotelo para S. Brás ou para Faro ou para a missa em S. Romão?
            Recordo, de pequenino, que era por S. Brás (não havia outro caminho…) que passava a carreira para a capital; e havia bastantes carreiras entre S. Brás e Loulé. E, é curioso, das vezes que, nos últimos tempos, tenho ido a S. Brás, nunca me cruzei com uma camioneta de carreira!...
Habituados, como estamos, a ver o nosso concelho estar na dianteira em muitos campos, afigura-se-me (posso estar errado e oxalá esteja!) que, neste dos transportes colectivos, gostava… de estar mais informado!

Publicado no Noticias de S. Braz [S. Brás de Alportel], nº 193, 15-12-2012, p. 14.

Andarilhanças 61

Um mau exemplo – a rotunda do Rancho Coral
O Bairro da Pampilheira, em Cascais, tem os seus ‘serviços’ na zona oriental: restaurantes, casas comerciais, Clínica CUF, inspecção de veículos, Centro de Distribuição Postal, Cozinha com Alma, creches, jardim infantil, centro de dia, oficinas de mecânica e outras, uma pequena fábrica...
Ora quem, utilizando esses serviços, queira regressar, de automóvel, à zona ocidental ou à Torre, à Marinha ou Quinta da Bicuda, tem de descer a Av. Raul Solnado ou ir à chamada rotunda de Birre (sempre congestionada, como se sabe), porque alguém se lembrou de outorgar sentido único aos últimos cem metros da Rua Afonso Lopes Vieira. O bairro foi sangrentamente dividido em dois!
Que se saiba, nenhum dos vizinhos (que também são prejudicados, como é óbvio) tal solicitou; o Colégio existente na esquina não o solicitou também e é de ver o engarrafamento que tal diariamente provoca em hora de entrada e saída de crianças.
Dir-se-á que, assim, há espaço para estacionamento. Certo. Mas as moradias daí têm garagem e os utentes do Colégio dispõem agora do terreiro onde foi demolido o primeiro renque de casas do Bairro José Luís. Espaço de estacionamento aí não falta, que serve também os utentes da clínica.
O que se pede aos serviços camarários? Que reponham o trânsito nos dois sentidos na Rua Afonso Lopes Vieira e, consequentemente, os oito sentidos na Rotunda do Rancho Coral e Coreográfico da Sociedade Musical de Cascais. Não gostaríamos de voltar ao assunto quando – como pensamos que está planeado – se fizer a inauguração oficial da designação da rotunda. Custava-nos inaugurar oficialmente o baptismo de uma rotunda de… sete sentidos!... A não ser que se deseje que ela venha a figurar no rol das ‘extravagâncias’ do concelho!
Serão precisas obras, é claro! A asneira foi feita com requinte, mas nada que a boa vontade e alguns euros não possam suprir!

Um bom exemplo – a rotunda da Luta
            Na informação à imprensa de 13 de Dezembro, emanada do respectivo gabinete camarário, que tinha como tema principal anunciar as novas obras de requalificação da via principal de Bicesse, acrescentou-se a explicação do significado da decoração implantada na ampla rotunda da Luta (tem 48 metros de diâmetro!): esse «conjunto de tubos laranja presta homenagem às características industriais da zona. A solução da tubagem decorativa surge como analogia aos trabalhos industriais e às tubagens do subsolo que habitualmente escapam à visão superficial de uma obra acabada».
            Sim, senhor, muito bem visto! Faltou indicar o nome de quem arquitectou o arranjo, mas fez-se o que há muito preconizamos para as rotundas do concelho que têm ‘esculturas’ no meio: explicou-se! Das outras ninguém percebe o que essas ‘esculturas’ são; não se sabe quem as fez ou as pensou nem o que querem dizer!
            Tem Cascais destas iniquidades!

Iniquidade em Manique
            E já que falamos em «iniquidade» e em estrada para Manique, não podemos deixar de verberar a aprovação feita pelo correspondente gabinete camarário de um edifício tipo caixote implantado por detrás da Casa da Varanda, em Manique de Baixo.
            Mereceu a Casa da Varanda um prémio por ter sido reconstituída, em 1986, segundo a original traça saloia e teve a solução aplausos de todos e honra de ampla reportagem televisiva. Aliás, todo esse conjunto do chamado «centro histórico» de Manique detém características saloias singulares que deveriam preservar-se e que, de resto, quando na Câmara houve essa preocupação de salvaguardar os ‘centros históricos’, foi posta claramente em cima da mesa para uma aprovação que encalhou na Assembleia Municipal, vá-se lá saber porquê!...
            Pois ali plantaram um caixote, obra de mui ilustre arquitecto da nossa época, não o nego nem lhe retiro o valor; contudo… não poderia ter olhado melhor para o enquadramento?... Mas… que digo eu? Insano eu sou! Se se aceitou que Gonçalo Byrne ali pespegasse as três enormes «parcas» sobre a marginal, que mal vem ao mundo de um caixote a mais ou a menos mesmo em plena zona tipicamente saloia? Até dá um ar de modernidade, não dá?

Publicado em Jornal de Cascais, nº 328, 19.12.2012, p. 6.

Burro, albarda e garrocho…

           Nem sempre conseguimos resistir, na actual conjuntura, a usar de expressões que dantes tinham um significado específico, mas cedo o transcenderam para, com base na realidade quotidiana de antanho, adquirirem uma nova conotação. Quanta vez, ao ouvirmos medidas que os teóricos dizem querer introduzir nas nossas vidas e na vida do País real, nos vêm à boca frases como «Bolas, que é torto que nem um garrocho!» ou «Está bem, albarda-se o burro à vontade do dono». E «albardar» lembra-nos também aqueloutro petisco em que nossas avós eram peritas: tiravam a sardinha da salmoira, onde a haviam guardado para os tempos de penúria, passavam-na por farinha e ovo e… lá vinha para a mesa a sardinhita albardada. A farinha ainda era a do trigo que se moera na mó manual que havia em casa ou se trouxera do moleiro; o ovinho ia-se buscar à cesta, onde pontualmente, todos os dias, se punham dois ou três tirados da capoeira. Cenas que estão muito longe, sem dúvida, da vida dos que gizam leis a regra e esquadro, hauridas em eruditos manuais...
Por isso, dizemos que são tortos como o garrocho, o tronquito em jeito de U bem largo com que se apertava a cilha na albarda; tortos por não verem direito. E, se peremptoriamente mandam fazer algo que a experiência multissecular ditou estar errado, encolhemos os ombros e… que se albarde o burro à vontade deles, que vão ver como depressa dão com os costados no chão!... Burros, porém, lhes não chamamos – que é o burrinho um animal bem inteligente e por isso há cada vez mais campanhas para o proteger. O burro animal, entenda-se!...

Publicado no mensário VilAdentro [S. Brás de Alportel], nº 167 (Dezembro 2012) p. 10.

Post-scriptum: Não resisti a não ilustrar aqui esta nota com o magnífico instantâneo captado pela objectiva de Marlene Guerreiro, vereadora da Câmara Municipal de S. Brás, em plena Serra do Caldeirão. Bem haja, Amiga!

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

O embondeiro, tema de postal natalício

            O Doutor Jorge Paiva, botânico, investigador e docente do Instituto Botânico da Universidade de Coimbra, iniciou, há largos anos, mui louvável iniciativa: defensor acérrimo da biodiversidade, porque estudou, porque pensa, porque sabe, envia todos os anos, pela época natalícia, um postal a largo punhado de amigos, a abordar tema da sua especialidade. Trata-se, no fundo, de mais um grito de alerta, bem documentado, acerca daquilo que fazemos e não deveríamos fazer e, sobretudo, daquilo que, no decorrer do próximo ano, poderia – e deveria! – ser campo de batalha de todos nós.
Agradeço-lhe sempre. Todos os anos fico na expectativa: «Sobre que nos irá escrever desta vez?». E aprendo muito!
Este ano, o assunto é o da sua preferência: a biodiversidade. Todos dependemos uns dos outros. E, neste aspecto (começo pelo fim da sua mensagem), confesso que nunca tinha pensado nisso: «Dos 70 kg que peso, cerca de 2 kg são seres microscópicos (milhões, portanto), a maioria deles importantíssimos na defesa e manutenção do meu organismo». Quem diria?!...
Contudo, o exemplo deste ano é deveras elucidativo: o do embondeiro, cuja existência e proliferação dependem (imagine-se!) «de morcegos polinizadores, de aves e pequenos mamíferos dispersores»! E o Professor Jorge Paiva demonstra por a+b que se trata de uma árvore da maior utilidade, em que tudo se aproveita: «A goma da casca é utilizada como antisséptico e antipalúdico; as fibras da casca servem para cordoaria, arreios, fios e redes de pesca, cestaria, cordas musicais, etc.; […] as concavidades do tronco servem para armazenar águas pluviais, utilizadas pelas populações; o tronco oco serve de habitação e até de sepultura; […] as folhas jovens são utilizadas na alimentação humana e do gado doméstico e para tratamento de diarreias, febres, inflamações, picadas de insectos, asma e dificuldades respiratórias, etc.; […] a polpa das sementes é utilizada na alimentação e fabrico de refrescos, gelados e doçaria».
Matou o Homem cerca de 80% da cobertura vegetal que tínhamos quando se iniciou o actual período de vida da Terra, o Holoceno; por isso, é cada vez maior o aquecimento global, com todas as graves consequências que tal acarreta.
Daí, a mensagem natalícia de Jorge Paiva, a que mui gostosamente me associo: consciencializemo-nos cada vez mais de que sem floresta e sem os outros seres vivos não seremos capazes de sobreviver!

Publicado no quinzenário Renascimento (Mangualde), nº 606, 15-12-2012, p. 3.