sexta-feira, 3 de maio de 2013

A tua pasta dentífrica?

            Ele há coisas que a gente dificilmente esquece. Alguma injustiça de que fomos alvo, por exemplo.
Um dia, no recreio da Escola Salesiana do Estoril, no já bem longínquo ano lectivo de 1955-1956, um colega meu estava aflito porque não conseguia sair da retrete: a porta emperrara. Eu estava por perto, tentei empurrar com os ombros, mas a porta resistia. Teve de ser com forte golpe de pé. Passava nesse instante lá fora o Padre Caetano e não esteve com meias medidas: pregou-me valente carolo da cabeça! Ainda hoje o sinto! De nada me valeram as explicações; aliás, o meu colega já saíra e eu já apanhara o carolo!... Bastantes anos mais tarde, contei-lhe, sem rancor. Que Deus lhe tenha a alma em descanso!
            À recordação deste episódio junta-se sempre – é curioso! – um outro hábito da minha juventude: deliciava-me com as histórias das Selecções do Reader’s Digest. Eram histórias reais e ali se condensava, mesmo em singela narrativa, sabedoria de vida vivida – e eu gostava de aprender.
            Uma dessas histórias falava da pasta dentífrica Não sei se era texto a dar conselhos sobre a melhor forma de viver o dia-a-dia, escrito quiçá por conceituado psicólogo. Não sei. Recordo-me, porém, claramente – e disso acabei por fazer norma de vida – que, a determinado passo, o articulista propunha um desafio:
             Quer saber se é uma pessoa organizada? Vá à sua casa-de-banho e observe a sua pasta dentífrica!
             A minha pasta dentífrica?
             Sim, a pasta dentífrica.
            – Como assim?
            – Olhe para ela e veja como a usa. Se a vai esvaziando metodicamente, de baixo para cima ou se a esvazia como calha e a deixa toda aos altos e baixos…
            E não é que é verdade? Sem disso nos apercebermos, nestas minúsculas acções quotidianas fica a nossa maneira de ser bem retratada! Ao tomarmos consciência disso, estamos a tempo de, significativamente, também a alterarmos para melhor!

       Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 615, 01-05-2013, p. 12.

Em torno da identidade saloia

            Três cerimónias se concretizaram nos últimos dias a merecer atenção.
            Em primeiro lugar, no dia 8 à noite, reflectiu-se, no Centro Cultural de Cascais, acerca de perspectivas para as comemorações dos 650 anos de elevação de Cascais a vila, a realizarem-se no decorrer de 2014. No dia 18, Dia Internacional dos Monumentos e Sítios, na Sociedade de Instrução de Janes e Malveira (fundada a 4 de Janeiro de 1938), apresentou-se o livro, de Maria Micaela Soares, Saloios de Cascais – Etnografia e Linguagem. No sábado, 20, na sede do Grupo de Instrução Musical e Desportivo de Abóboda, fundado em 1 de Abril de 1930, outro livro se deu a conhecer: Nomes ou Alcunhas das Pessoas dos Meus Livros, da autoria de Celestino Costa.
 
As comemorações dos 650 anos
            Uma sessão que teve objectivo semelhante à que ocorreu há 50 anos atrás, quando o presidente da Câmara, Eng.º António de Azevedo Coutinho, convidou entidades e personalidades para uma primeira reflexão acera do que poderiam vir a ser as comemorações do VI Centenário.
            Depois de Carlos Carreiras ter enunciado o que se ora se pretendi, João Miguel Henriques, Margarida Ramalho, e eu próprio acentuámos, em linhas gerais, aqueles aspectos que, em nosso entender, poderiam ser agora tidos em consideração: como responsável pelo Arquivo Municipal, João Miguel Henriques mostrou que se dispõe, na actualidade, de um enorme acervo documental, dia a dia cuidadosamente acrescentado, tratado e valorizado; Margarida Ramalho chamou a atenção para a singularidade do património arquitectónico civil e militar; coube-me referir como Cascais tivera, desde tempos pré-históricos uma identidade própria, consciência sentida ao longo da história e que, aliás, levara a população a solicitar, em 1364, a el-rei D. Pedro I, lhe concedesse alforria em relação a Sintra, «cuja aldeia era».
            As intervenções dos assistentes e as palavras finais do Presidente da Câmara mostraram como, em parceria, num salutar diálogo inter-institucional, também esta efeméride dos 650 anos poderá vir a deixar rasto como o deixou o VI Centenário, mormente através de uma colecção de publicações que, embora modesta de aspecto e sem luxos de apresentação, é ainda hoje de consulta obrigatória.

Os Saloios de Cascais
           Não poderia ter sido mais bem escolhido o local para se falar desta enorme obra de investigação, mui minuciosamente levada a cabo pela Dra. Maria Micaela Soares, etnógrafa cuja laboriosa actividade se desenrolou no quadro da Assembleia Distrital de Lisboa.
            Dezenas e dezenas de entrevistas a informantes, todos com mais de 70 anos, que permitiram à autora traçar uma panorâmica do que foi a vida das gentes cascalenses, nomeadamente na primeira metade do século passado. Lendas, tradições, cantares, festividades, músicas, trajos, falas, mezinhas, a actividade agrícola, a exploração da cal, o trabalho do azulino de Cascais… tudo por ali perpassa argutamente, a mostrar que – para além do litoral, da afamada «Costa do Sol» a privilegiar sol e mar – há um interior ancestral, houve criadas de servir, lavadeiras, «fabricavam-se» terras de cultivo onde hoje se levantam habitações de traçado incaracterístico.
            O Professor Virgolino Jorge frisou bem todo esse manancial informativo e deu azo, inclusive, a que músicos da banda da colectividade, também acompanhados por excelente voz feminina, interpretassem três das modas mais típicas desses recuados tempos: «Bico e Tacão», «Saloia» e «Fado de Cascais».
            O salão de actos da colectividade foi pequeno para receber tanta gente – da aldeia, da vila, do concelho e de Lisboa até… – que não quis deixar de aplaudir o aparecimento desta volumosa obra, «490 páginas de redacção exigente», «impressiva expressão de arqueologia documental», como Virgolino Jorge a classificou.

Pessoas de S. Domingos de Rana
            E se Carlos Carreiras pôde considerar o referido lançamento como o primeiro acto das comemorações atrás citadas, em meu entender não menos importante terá sido, pelo seu significado humano e comunitário, a publicação, em singelo livrinho de cordel de somente 40 páginas, do que Celestino Costa decidiu partilhar connosco acerca de quem foram – ou são – as pessoas que perpassam pelos livros que, ao longo dos últimos anos, foi publicando.
            Micaela Soares teve o olhar de antropóloga, quis minuciosamente descrever tudo, para que nada viesse a perder-se na noite dos tempos; Celestino Costa, por seu turno, depois de nos haver brindado com os seus versos, muitos deles de enorme perspicácia social, fez agora uma espécie de recapitulação. Querem saber quem foi o Manel da Frada, o esquecido João da Mata, o Lavaredas, o Cara de Lata?... Pois aí têm tudo explicadinho a preceito, em linhas poucas, mas eloquentes. E o dia em que vi dois apetecíveis figos bem rachadinhos, me dispunha a apanhá-los e veio de lá a «Galinha» de vassoura na mão e eu… ah! pernas para que vos quero! E daquela vez em que o maluco do «Roi», em férias de Páscoa, pregou dois murros no «Pai Avô», que era o que toda a gente dizia que ele merecia e ninguém se atrevia a dar-lhos?!...
            Reviveu-se, pois, uma Cascais desconhecida – e muito me congratulo por isso!

Publicado em Jornal de Cascais, nº 336, 24.04.2013, p. 7.

sábado, 27 de abril de 2013

«Velhos? Nem os trapos!», um hino à juventude num Centro de Convívio

             Escrito e encenado por António Chapirrau, foi levado à cena na noite do passado dia 24, no salão (repleto) do Centro de Convívio do Bairro do Rosário, da Junta de Freguesia de Cascais, o espectáculo Velhos? Nem os trapos!
            Trata-se, sem dúvida, de um hino à juventude bem patente nos actores, utentes todos eles daquele Centro de Convívio. Nasceu este Grupo de Teatro da Freguesia de Cascais no Natal de 2011 e esta foi a sua auspiciosa noite de estreia.
            Trata-se da sequência de dezasseis brevíssimos quadros em que, de um modo geral, se parodiam situações do dia-a-dia, anedotas, chistes, não desprovidos aqui e além do saboroso trocadilho, sem falarmos já da habitual crítica de costumes, sempre motivo para uma boa galhofa...
            A senhora (Angelina Duarte) manda o arrumador (Joaquim Duarte) trabalhar e ele riposta de imediato, com a maior naturalidade: «Mas eu estou no meu local de trabalho!» O alentejano chumbou na carta de condução, porque viu a placa com o número 30 e deu 30 voltas à rotunda; e diz-lhe o outro: «Ó compadre, se calhar vossemecê chumbou porque se enganou nas contas!...». À senhora mui queixosa («Por estas bandas, doutor, há muito que não sinto nada!...») o médico (António Costa) receita sexo pelo menos três vezes por semana; o marido, chamado para saber da receita, informa o clínico de que, sim senhor, à segunda e à quarta pode trazer a mulher ao consultório; à sexta, porém, ela terá de vir de autocarro! Depois, os problemas conjugais das senhoras (Margarida Garcias e São Madeira) que casam com homens de Pau Gordo ou de Ponta Delgada e, se calhar, o melhor é irem para Miranda, onde os pauliteiros são capazes de ter pau rijo… «Uma mulher», bom momento de poesia, dita por Ana Maria. «Minha amora negra», bonito trecho musical, cantado por São Madeira (agradável voz), acompanhada por um ‘corpo de baile’ (Teresa Pereira, José Lourenço, Maria Campanudo, Carlos Carneiro, Maria dos Anjos e António Santos). Presta-se a riso o posto de venda das hortaliças frescas, apanhadinhas na horta: os belos tomates do marido, os grelos da vendedeira e também os da vizinha que o marido não desdenha…
            Enfim, quase hora e meia de boa disposição, em que o palco serviu para mostrar que, na verdade, nem os trapos merecem o adjectivo de ‘velhos’ quanto mais os que frequentam este Centro de Convívio e desta forma se mostram activos, se divertem e divertem os demais.
            Justo é, pois, que se refiram os nomes de todos os intervenientes (para além dos já citados, todos se desdobrando, aliás, em vários papéis): Norvinda Santos, Maria José, Laurinda Freire, Antónia Morais, Carlos Ventura, Teresa de Jesus. O som esteve a cargo de José Carlos; António Morais foi o contra-regra; Carlos Carneiro, o director de cena; parte do guarda-roupa ficou a dever-se ao superior talento de Joaquim Carvalho (do Grupo Cénico da AHBVC); as Carlas (Magalhães e Chaves) encarregaram-se da caracterização: A colectividade de Murches emprestou cenários e microfones de lapela. Por intervenção da presidência da Junta de Freguesia de Alcabideche, pôde ser feita em estúdio a gravação do som.
            No final, agradecimentos dos actores ao encenador, do encenador a todos e o aplauso do Executivo da freguesia simbolizado também na entrega de lembranças.

Publicado em Cyberjornal, 2013-04-26:

C. Carreiras ficou... «verdadeiro homem»

                « – É curioso… Nunca plantei uma árvore!
                – Pois é um dos três grandes actos sem os quais, segundo diz não sei que filósofo, nunca se foi um verdadeiro homem… Fazer um filho, plantar uma árvore, escrever um livro. Tens de te apressar, para ser um homem».
                É excerto do diálogo entre Jacinto e o amigo Zé Fernandes, n’A Cidade e as Serras, de Eça de Queirós, «enquanto o Manuel Hortelão apanhava laranjas no alto de uma escada arrimada a uma alta laranjeira».
                No caso vertente, Carlos Carreiras apressou-se: faltava-lhe escrever um livro! E aí está Com vista para o Atlântico, colectânea de 88 das 101 crónicas que, de 15-3-2011 a 19-2-2013, publicou no jornal I. Crónicas ‘datadas’, como salientou, de intervenção perante os problemas nacionais e do mundo.
                Abriu a sessão de apresentação, que decorreu no dia 23, no Clube Naval de Cascais, perante cerca de 200 amigos e simpatizantes, o director do jornal, Eduardo Oliveira e Silva: essas crónicas semanais, que primaram pela assiduidade, ajudaram a reflectir sobre a realidade política, económica e social que nos rodeia, sublinhou.
                Ana Sá Lopes, directora-adjunta, que mais directamente esteve ligada à edição, referiu-se a Carlos Carreiras como «um psd com pensamento autónomo», que soube sempre explicar que estamos numa guerra entre o Norte e o Sul e que se inclui entre os poucos sociais-democratas que sabem estarmos a caminhar a passos largos para o abismo.

                Às 18 horas e 38 minutos, Marcelo Rebelo de Sousa disse que iria dividir a sua apresentação em três pontos: o livro, o autor e o autor em Cascais. Do livro, afirmou que aí se veiculava uma opinião não-alinhada, preocupada, bem escrita, de contínua preocupação pela realidade mundial. Do autor, «de cabelo escasso na careca vasta», disse que tem desaparecido o cabelo mas tem ficado a rebeldia de quem pensa pela sua própria cabeça, de um homem que se fez a pulso, na escola da vida. Quanto a Cascais, confirmou ser a política local a mais difícil de fazer e, confessando-se ‘ingénuo’, afirmou: «O lançamento deste livro nada tem a ver com as próximas eleições autárquicas». Sugeriu, pois, que o autor, pragmático e sonhador como é, «pode continuar a escrever crónicas para o I; mas, no dia-a-dia, que se consagre a Cascais».
                Em resposta, às 18 horas e 57 minutos, o autor agradeceu ao apresentador, aos editores, a Gonçalo Venâncio a preciosa ajuda que lhe foi dando; confessou que a ‘sua’ crónica mais «partilhada» nas redes sociais transcrevera a resposta que Pedro Passos Coelho lhe dera a propósito da TSU (sem que o próprio PPC o soubesse). Referiu-se a um termo de seu especial agrado, «glocal», cuja origem historiou: é a preconizada sintonia entre o global e o local. A economia deve subordinar-se à política; e se as duas grandes certezas da actualidade, a imprevisibilidade e mudança, configuram, de certo modo, esta 3ª grande guerra que a Europa está a viver, reiterou a ideia de que «se algum país tem de sair do euro é a Alemanha».
                Referiu, a terminar, pouco antes das 19.30 horas, que, apesar de tudo, há lugar para a esperança e que o Movimento Viva Cascais aí está para a alimentar.

Publicado no Cyberjornal, 2013-04-26:

Trapos & Tralhinhas – uma loja social na Pampilheira

            Rendibilizando o espaço do Centro de Convívio do Bairro da Pampilheira, a Junta de Freguesia de Cascais abriu, no passado dia 22 (segunda-feira), a loja social Trapos & Tralhinhas, na divisão que fora ocupada, até ao Verão passado, pela loja da Cozinha com Alma, na Rua Eça de Queirós.
            No fundo, a intenção é a mesma: servir a população carenciada. Ou seja, quem dispuser de roupas ainda em bom estado, mas que já não usa ou até nunca usou ou nem tenciona usar; quem possuir «tralhas» que lá em casa já não têm préstimo mas que o poderão vir a ter em casa de outrem – basta dirigir-se à sede da Junta de Freguesia ou contactar os serviços ou a própria loja, de forma a combinar o modo de poder ser útil.
            A abertura da pequena loja – pequena no espaço mas de grande significado social – juntou muitas pessoas, teve a presença do Senhor Presidente da Câmara e foi apadrinhada pelos actores Sofia Cerveira e Ricardo Carriço. O Presidente da Junta, Pedro Morais Soares, em brevíssima intervenção, fez questão de salientar que a iniciativa se enquadrava na política da Junta de apoiar cada vez mais as famílias em dificuldade – e mesmo na sua freguesia o seu número aumenta de dia para dia – de modo que confia plenamente que este objectivo vai ser, também deste modo, plenamente conseguido.
            O espaço é, na verdade, diminuto, dispondo das prateleiras habituais numa loja de pronto-a-vestir, assim como varões para exposição vertical de vestuário. Crê-se, porém, que a renovação se fará dia após dia, atendendo ao êxito que, sem dúvida, vai ter. Espaço diminuto, sim, mas donde pode sair um contributo social nada despiciendo!

Publicado no Cyberjornal, 25-04-2013:



quarta-feira, 24 de abril de 2013

Pessoas têm nomes e alcunhas… em S. Domingos de Rana!

             Foi apresentado no sábado, dia 20, a partir das 18 horas, na sede do Grupo de Instrução Musical e Desportivo de Abóboda (S. Domingos de Rana), o livro Os nomes e as alcunhas das pessoas dos meus livros, da autoria de Celestino Costa.
            Trata-se de um livro de cordel, de 40 páginas, editado por Apenas Livros, de Lisboa, e pela Associação Cultural de Cascais, com o patrocínio da Junta de Freguesia de S. Domingos de Rana.
            Aberta a sessão, perante mais de três dezenas de pessoas, a Dra. Fernanda Frazão manifestou o seu contentamento por, mais uma vez, a Apenas ter podido dar voz a um autor cascalense, pois já são vários os que tem publicado. Jorge Castro disse alguns poemas dos anteriores livros do autor, tendo seleccionado aqueles em que são mencionadas pessoas cujos nomes constam no livro ora editado, terminando com um em que o autor estabelece um diálogo entre o alfacinha e o saloio, aquele tentando menosprezar a pouca sabedoria deste, respondendo-lhe o saloio dando conta do bom vinho de Colares e de Carcavelos de que o alfacinha bem gosta e, de modo especial, dizendo-lhe das obras escultóricas que alindam a capital e em que o canteiro saloio interveio eficazmente e com saber.
            Tive ocasião de salientar, depois, que não estávamos simplesmente perante o mero rol de 175 pessoas de que Celestino Costa foi falando ao longo dos três livros que escreveu ou em que colaborou: A Minha Terra e Eu (livro que já teve duas edições), Filosofia Saloia, Cinzelar as Palavras como as Pedras em S. Domingos de Rana.
            É que, se da maior parte apenas diz quem foram e quais as suas relações familiares, explicitando, aqui e além, a razão da alcunha atribuída, certo é que, de vez em quando, ao correr da pena, lá vem a história inesperada que fez rir e ainda hoje nos obriga a boas gargalhadas, como aquela em que a mulher se esqueceu de pôr sal na açorda de alho e, ao ser interpelada pelo marido, lhe deu a entender que isso era porque ele não pusera a blusa pelas costas, como era habitual. Ele levantou-se e foi buscá-la; e ela, entrementes, pôs o sal que faltara. «Parece mentira! Tinhas razão… Tem outro gosto!» – reconheceu o Adragão, já de blusa pelas costas…
            «Era assim a vida!» – exclama amiúde o autor. Ou: «Era assim a minha avó!», ao explicar que, costureira de calças de homem, a «Malveiroa» lia até de madrugada o jornal O Século, que pedia emprestado ao irmão Luís, que o assinava.
            E há a homenagem ao Armando «Caracol», na evocação do seu ‘museu’, criado «para lembrar aos vindouros com foi a vida dos nossos avós»: «O curso do Armando é o curso tirado na universidade da vida. O Armando faz parte daquele grupo de portugueses que muitos anos depois de partirem é que são valorizados. Já visitei várias vezes o museu do Armando, e, quando acabo a visita, eu, que gosto muito do passado, sinto aquilo que sentimos quando nos dói a cabeça e tomamos uma aspirina… Sinto-me melhor! Obrigado, Armando!».
            Homenageou-se também João da Mata, natural de Polima, por quem Celestino Costa nutre particular afeição. Foi João da Mata fadista notável, de que ouvimos, em gravação, o fado «Por morrer uma andorinha», famosa quadra de sua autoria, pela voz do saudoso Francisco Stoffel. E no livro se reproduzem páginas de jornais do fado de então.
            Manuel Mendes, presidente da Junta de Freguesia de S. Domingos de Rana evocou os livros que, nomeadamente em colaboração com a Associação Cultural de Cascais a Junta tem editado, dando a conhecer as gentes da freguesia, designadamente os seus poetas.
            A encerrar a sessão, a Dra. Ana Clara Justino, vereadora da Cultura, salientou também a importância de iniciativas deste género, na medida em que elas em muito contribuem para criar a comunidade viva que se deseja.

 Publicado em Cyberjornal, 2013-04-22:

A dar-lhes… forte e feio!

            Já se não acredita que haja por este jardim à beira-mar plantado o regime (se calhar, utópico!) designado «democracia», mormente no que ele implica de liberdade de expressão, sem medos. Contudo, uma máxima acabou por lograr ser posta em prática, fugindo às malhas, mesmo quando elas se confeccionavam bem apertadas: a de que é rindo que se castigam os costumes!
            Acredita-se, aliás, que também há certa conveniência em fazer de conta, dar alguma linha, como faz o pescador quando o peixe pica: deixa-o sossegado três segundos e… puxa rápido, para o apanhar desprevenido!
            Estreada a 17 de Janeiro de 1879, a sátira em forma de peça teatral chamada Viagem à roda da Parvónia, rezam as crónicas que logo aquando da representação houve pateada monumental, espectadores que se envolveram em cenas de pancadaria e tudo isso foi também um bom pretexto para o senhor comissário geral da Polícia Civil de Lisboa, Cristóvão Pedro de Morais Sarmento, mandar executar de imediato as ordens de Sua Excelência o Senhor Governador Civil: que se intime a Empresa do Teatro do Ginásio e retirar a peça de cena, já!
            E porquê?
            Porque – então como hoje – são bem nossas conhecidas as personagens que vão perpassando diante de nós, ainda que usando guarda-roupa excêntrico a condizer com a sua função (grande abraço de parabéns, Fernando Alvarez!): ele é o cauteleiro, o judeu errante, este político, aquele político, este eleitor, aquele eleitor (se bêbado ainda melhor, porque de fala mais desbragada e feroz…), o accionista, o banqueiro, o candidato, o cego, o maneta, o que anda de gatas, o que tem muletas… Alto aí! Isso é um palco ou corredor de serviço de urgência hospitalar? É. Uma coisa e outra. O pior é que não há médicos por perto. Uma fada, um D. Quixote, o ministro da reinação, o lírico, o satânico, a princesa Ratazana… servirão? Não servem.
            E, de retrato em retrato, vamos rindo, vamos sentindo na pele o que ali em tom jocoso (só aparentemente jocoso, diga-se) vigorosamente se retrata, sem pudor. Porque não havia pudor. Sim, escrevi «havia», porque a peça foi escrita por um tal de Gil Vaz, pseudónimo (veio a saber-se) de Guerra Junqueiro e Guilherme de Azevedo, uns trastes, uns desbocados, uns tipos malcriados que não respeitavam a ordem estabelecida, que eram capazes de pôr o destemido candidato a um lugar político a envergar traje cheio de bolsos donde podia ir tirando tudo o que eram prebendas (promessas!...) para quem se dispusesse a apoiá-lo!...
            Escreve Miguel Graça, no programa, o texto «Portugal hoje, o mesmo de amanhã», que também merece aplauso e, sobretudo, leitura mui atenta. A Miguel Graça se devem a versão e a dramaturgia da peça que Carlos Avilez superiormente encenou e os actores magníficos (António Marques, Diogo Martins, Fernanda Neves, Guido Rodrigues, Luiz Rizo, Paula Sá, Pedro Caeiro, Raquel Oliveira, Renato Pino, Sérgio Silva, Teresa Côrte-Real), que versatilmente se desdobram nos papéis, tão bem sabem interpretar. Observa Miguel Graça (note-se: é a propósito da peça, não é texto literário ou guião para um qualquer comentador político…):
            «A nossa aversão à mudança será sempre inversamente proporcional à competência de quem nos governa, governou e há-de governar».
            E constata, com amargura:
            «Simplesmente já não temos a verve do final do século XIX para nos expressarmos com o mesmo humor e ironia ou, se calhar, estamos demasiado cansados para o fazer».
            E continua:
            «Mandam-nos emigrar, mas talvez seja mais correcto assumir que devíamos todos optar pelo exílio». […] Temos de nos perguntar se conseguimos abandonar a Parvónia antes que ela se apodere de nós».
            Rimo-nos. Rimo-nos muito. Sátira é, quase opereta, a que a divertida música original de Luís Pedro Fonseca e a ajustada coreografia de Paulo Jesus emprestam maior sabor!
            É, porém, um riso bem amargo, oh! se é!...
            E surgem-me de novo, inexoráveis, as palavras de Gustave Le Bon, no seu A Psicologia das Multidões, publicado em 1895, por conseguinte não muito tempo depois desta Viagem à roda da Parvónia:
            «O programa escrito do candidato não deve ser muito categórico, pois os seus adversários poderiam mais tarde atacá-lo com base nesse facto; mas o programa verbal nunca é exagerado. Podem prometer-se sem receio as mais amplas reformas, No momento, os exageros produzem bastante efeito e não comprometem o futuro. O eleitor não se preocupa nada em saber se o eleito obedeceu a profissão de fé aplaudida e à qual deve a vitória. […] O candidato que consegue descobrir uma fórmula nova, bastante destituída de significado preciso, e, por consequência, adaptável às mais diversas aspirações, obtém um sucesso infalível».

            Estreada no sábado, 13 de Abril deste ano da graça de 2013, no Teatro Municipal Mirita Casimiro, ao Monte Estoril, pela companhia do Teatro Experimental de Cascais, Viagem à roda da Parvónia estará em cena – até 26 de Maio – de quarta a sábado às 21h30, ao domingo às 16h00 (tel. 214 670 320).
            A não perder! Para ver se acordamos de vez!

Publicado em Cyberjornal, 2013-04-22: