sábado, 28 de dezembro de 2013

A Arqueologia em Aljezur

            Órgão da Associação de Defesa do Património Histórico e Arqueológico de Aljezur [ www.adpha.pt ; adpha@sapo.pt ], O Mirense vai no seu nº 25 (ano XVI, Novº 2013).
            Em destaque nesse número as iniciativas de 2013: o que se fez no ‘ribat’ da Arrifana; o projecto do Circuito Histórico-Cultural e Ambiental de Aljezur e o Legado Andaluzino; a 3ª edição do livro A Batalha de Aljezur; a campanha de 2013 no sítio da Barrada, em que se identificaram dois níveis distintos de ocupação: uma, pré-histórica, de hipogeus; outra, muçulmana, dos séculos IX/XI. Aí trabalhou também uma equipa especializada no âmbito da arqueobotânica.
            No editorial, Vasco Marreiros, presidente da ADPHA, traça um panorama do que têm sido as associações de defesa do património, anotando que a ADPHA se pretende «espaço aberto de debate e de ideias, mantendo uma relação elevada com os seus parceiros institucionais e com a população do concelho».
            Há ainda sugestiva nota sobre uma estela datável de um período entre o Calcolítico a Idade do Ferro, achada em Corte Cabreira, que apresenta a gravura de um peixe.
                                                                                
Publicado em Cyberjornal, 27-12-2013:

José d’Encarnação

 

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Na Egoísta vive a poesia!

            Compreende-se o desabafo – se assim se pode chamar – de Mário Assis Ferreira, o Director da revista da Estoril-Sol, a Egoísta, neste seu nº 51 (Dezembro de 2013): não lhe sabe a Natal, mas a Páscoa, por corresponder como que a uma ressurreição, quando a sombra da morte por longos meses por ali pairou…
            Na verdade, a publicação desta tão prestigiada e singular revista, que já recebeu, desde 2000, mais de quatro dezenas de prémios, esteve suspensa durante meses e reaparece agora, com a excelência a que já nos habituara: amarela de ouro, a celebrar os poetas e a poesia!
            Chamar-lhe «magnífico» é pouco, se nos demorarmos a folheá-lo, a saborear palavras e ilustrações, como quem abre um daqueles blocos de apontamentos, onde vamos exarando as nossas impressões quotidianas ou os esboços gráficos de momentos a não esquecer.
            Nomes sonantes das artes e das letras se reuniram para a celebração, na esperança de esta ser, nas palavras de Patrícia Reis (a responsável pela edição), «uma forma auspiciosa de sair de 2013 e abraçar novos desafios».
            Do admirável conjunto que nos é oferecido, destaca Patrícia Reis as «imagens de Annie Leibovitz, a fotógrafa americana que nos traz uma interpretação de Romeu e Julieta»; são bem eloquentes, de facto, e abrem auspiciosamente este volume; contudo, não posso deixar de referir, por exemplo, o poema de Maria Teresa Horta, a proclamar que, ao escrever, se correm riscos, se criam riscos e «vamos cinzelando o sonho em detalhe, na minúcia, na romã e no enxofre, na rosa e alquimia». Claro que, nas suas páginas, não vem de carreirinha, mas com a cesura dos versos. Preferi, porém, transcrevê-los assim, para que melhor se lhes capte o sentido. E leio «Morrer de ingratidão», quatro quadras de Vasco Graça Moura: «Vou sempre a jogo quando me convidas / e apenas sei que perco sempre a mão»…
            Textos, pinturas, desenhos, fotografias… um mundo de cor, de formas, de… sedução!

Publicado em Cyberjornal, edição de 25-12-2013:

Na prateleira - 14

A selecção do usado
            Na casa do Manel (e os netos já se habituaram a isso) é assim:
            – os jornais vão para casa da Dulce, que tem um cão necessitado de letras para ‘casa-de-banho’ (!);
            – o papel liso (salvo o cartão canelado e afins, destinados ao papelão) entrega-se na Fundação S. Francisco de Assis, que tem protocolo com uma empresa; o dinheiro auferido com a venda ajuda as despesas da benemérita instituição;
            – as rolhas vão para o rolhão (hábito que se iniciara na terra da cortiça, S. Brás de Alportel, pioneira nesse tipo de aproveitamento);
            – as tampas de plástico destina-as a vizinha, D. Carmo, a uma outra instituição que as ajunta para a cadeira de rodas;
            – o outro plástico segue para o respectivo contentor no ecoponto, para onde também se encaminham, naturalmente, todos os vidros;
            – as migalhas acareiam-se e põem-se no murete do jardim, para a passarada;
            – os ossos são petisco apreciado pelo canito do vizinho;
            – o lixo de jardim, claro, recolhe-o a Cascais Ambiente, sempre que solicitada, assim como os ‘monstros’ que já não servem para nada, porque os que servem entregam-se a uma instituição que os trata e distribui por famílias necessitadas; aliás, idêntico destino aguarda as roupas usadas ainda em bom estado;
            – há bidões para recolha da água da chuva, bem apreciada pelas plantas dos vasos sob o telheiro;
            – pilhas para o pilhão, óleos para o oleão da estação de serviço ao pé; cápsulas de café para o recipiente que as aguarda na ‘grande superfície’ aonde vão fazer as compras e onde também há depósito para electrodomésticos sem reparação que valha a pena;
            – Radiografias antigas seguem para a delegação da AMI ou para a farmácia do costume, que também acolhe os medicamentos fora de prazo (e agora as escolas de Sintra até têm um concurso de ‘corrida de sacos’, a ver qual a escola que arranja um saco mais pesado!).
            Compostagem de lixo orgânico não faz, mas guarda o que é possível quer para a vizinha do lado, que tem, ou para o irmão que ora se dedica à pequena horta que recuperou. No entanto, as cascas das laranjas, além de poderem servir para doce, estão agora, à experiência, a arder na salamandra, para espalhar um cheiro bom pela casa.

«Vou mandar o trailer»
            Ouvi a informação e fiquei a pensar comigo mesmo: «O que é que a senhora me vai mandar? O trailer? Trólei sei o que é, havia muitos em Coimbra (e ainda há alguns) quando fui para lá dar aulas. Agora, trailer!... «Googlei» (pronto, esta eu tenho de usar, porque não há outra possível!) e… li: «Um "trailer" de filme costuma apresentar as cenas escolhidas com frases de efeito superpostas às cenas ou com um narrador motivando o espectador a assisti-lo». Desculpa-se a tradução automática do «assisti-lo» e fica-se a saber o que é, em linguagem cinematográfica. No entanto, no caso em apreço, o que a senhora se comprometera a enviar era assim como que a modos de um esboço, um projecto (esta, sim, palavra de moda!), um apanhado aliciante do que pretendia realizar.
            Creio, porém, que o envio ficou pela intenção. E a proposta ainda não chegou! Não é assim do pé prá mão que se faz um trailer, não acham?

Como identificar?
            Confesso que não sei como hei-de explicar-me para anunciar as actividades a realizar na galeria do que foi a sede da antiga Junta de Freguesia do Estoril. Soa-me mal o «antiga», porque o edifício continua a ter as mesmas funções de outrora, ainda que – por uma obediência (por muitos considerada ‘cega’) aos ditames do ‘Governo Central’ de Lisboa, que do resto do País pouco parece perceber – agora a freguesia seja Cascais-Estoril, a mais populosa e maior em extensão de todo o Portugal. Se calhar, aí está a razão: tínhamos que ser os maiores!
            E cá fico à espera que me esclareçam como deve agora identificar-se o sítio.

Publicado em Costa do Sol – Jornal Regional dos Concelhos de Oeiras e Cascais, nº 27, 18-12-2013, p. 12.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Saltimbancos ou críticos ferozes?

             Cada vez mais válida a máxima do poeta parisiense Jean de Sauteul (1630-1697) que aponta como mote para a comédia: Castigat ridendo mores, é a rir que se vergastam os costumes!
            Um hábito bem português este, que já vem de Gil Vicente e que diariamente vemos consubstanciado nas anedotas que, por tudo e por nada, se inventam, a ridicularizarem, neste momento, os alvos preferenciais: os ditos «governantes» europeus, esses tais que, bem iludidos, pensam estar a governar – ou a governar-se.
            Justifica-se, pois, em pleno, a pergunta «Saltimbancos ou críticos ferozes?», quando, de pé, aplaudimos a peça Os Saltimbancos, que o Teatro Experimental tem em cena, desde 13 de Novembro, de quinta a domingo, no Mirita Casimiro, até ao próximo domingo, 29, inclusive.
            Uma ‘opereta cómica’ seria, porventura, a expressão adequado para qualificar esta aparente brincadeira que o brasileiro Chico Buarque adaptou, em 1977, a partir de um disco de músicas infantis do compositor argentino Luis Enríquez Bacalov. As músicas ficam no ouvido (Hugo Neves Reis e Pedro F. Sousa encarregaram-se da orquestração e da direcção musical). É contagiante a alegria da pequenada do ATL da Galiza, a contracenar com actores consagrados do TEC (parabéns, Natasha Tchitcherova, pela exímia coreografia; parabéns, Carlos Avilez, pela encenação e tão adequado ‘enquadramento’!). Pasmamos (mais uma vez!) com a geométrica e minimalista eloquência da cenografia e dos figurinos (um abraço, Fernando Alvarez!). Saímos contentes, mui agradados daqueles cerca de 45 minutos em que o espectáculo no envolve e delicia! Aliás, apetece voltar!
            Mas…
            … Miguel Graça, o responsável por esta versão e pela dramaturgia, põe bem o dedo na ferida, na apresentação que, no programa, faz do espectáculo, ao mostrar como logo Chico Buarque, então em pleno período de ditadura militar, emprestara aos personagens um cunho bem específico:
            «O Jumento é um intelectual capaz de juntar os outros em seu redor, o Cachorro um militar obediente, a Galinha uma operária e a Gata uma artista».
            E acrescenta:
            «Hoje não vivemos numa ditadura […]. Mas vivemos num país e numa Europa em que os cidadãos são vistos como meio imediato para resolver uma crise financeira e económica causada pela banca e pela especulação com o consentimento ou inépcia dos governantes».
            E, mais adiante:
            «A sociedade é democrática mas os deputados estão obrigados a uma disciplina de voto; acreditamos no direito de escolha mas impomos limite de mandatos porque o poder corrompe e o povo não tem capacidade de o perceber».
            Cá está! Naquela tradição espantosa do Feiticeiro de Oz (aliás, este musical constitui uma adaptação do conto «Os músicos de Bremen» dos Irmãos Grimm), do Principezinho (de Saint-Exupéry) e, até, do D. Quixote de Cervantes (porque não?), os saltimbancos decidem sair da aldeia e rumar à cidade, na esperança de ali encontrarem oportunidades melhores. Coitados!...
            Verificam – tarde de mais? – que seu sonho de vida não tem realidade possível, que na cidade são bem outros os interesses e que não são minimamente o deles, que é o de se dedicarem àquilo que sabem fazer – e não os deixam! Não hesitam, porém, em proclamar bem alto: «Todos juntos somos fortes!». A proclamação que se impõe! E, por isso, até gostaríamos que, finda esta primeira série de apresentações (termina no domingo!), a peça fosse reposta – porque é urgente!
            António Marques é o jumento intelectual; Pedro Caeiro, o obediente cachorro: Teresa Côrte-Real, a estapafúrdia galinha; Paula Sá, a gatinha sensual. Lá em cima, num mundo superior (tinha que ser!), os patrões: Elsa Gama, Fernanda Neves, Jorge Vasconcelos, Paulo B., Renato Pino, Salomé Duarte e Sérgio Silva. David Esteves, Filipe Abreu, Gonçalo Romão e Raquel Oliveira brincam aos palhaços. E mencionem-se também os nomes dos meninos do ATL que dão vida ao coro (e não só!): Adelina Costa, Andreza Silva, Beatriz Esteves, Érica Silva, Iara Delgado, João Có, Márcia Santos, Miriam Fura, Nalbertino Tigna, Selma Filipe, Suely Gonçalves e Tânia Cardoso.
            Aplausos!

Publicado em Cyberjornal, edição de 2013-12-23:

sábado, 21 de dezembro de 2013

A imprensa regional e a história

            Amiúde se tem referido aqui o imprescindível papel que a imprensa local e regional detém no sentido de criar e cimentar comunidade. E Noticias de S. Braz tem sabido cumprir exemplarmente essa função.
            Não posso, por isso, deixar de me fazer eco e de vivamente me congratular – quer como são-brasense quer como historiador – com dois textos publicados no último número (Novembro 2013) do nosso jornal.
            Na série «Cem textos de solidão» (p. 16), Vítor Barros, com aquele seu estilo fluente e deveras aliciante de contar histórias, descreve a conversa com a mãe acerca de como se faziam as papas de milho: «Foi com a minha avó, tua bisavó Francisca, que me habituei a ver e aprendi a fazer as papas de milho que vocês agora por brincadeira querem». Por sinal, elevada que foi, no passado dia 4, a Património Cultural Imaterial a dieta mediterrânica, em que as referidas papas de milho ocupam lugar especial, não é «por brincadeira» que as queremos, é porque assim deve ser! E narra o Vítor tintim por tintim como sua mãe lhe contou – e assim se deve fazer!
            Manuel Brito Guerreiro, por seu turno, sob o título «A vida rural em terras do Alportel», evoca, na página 23, como se vivia, quais os hábitos e os costumes ali, em meados do século XX. É um texto pormenorizado, que guardei, pelas inúmeras informações que dá, de uma experiência vivida, que, se não fosse passada a escrito, corria sério risco de se perder.
            Os meus parabéns, portanto, aos autores (continuem!) e ao nosso director, que tão sagazmente aceita para publicação estes textos portadores da nossa identidade, veículos da nossa memória!

Publicado em Noticias de S. Braz [S. Brás de Alportel], nº 205, 20-12-2013, p. 14.

 

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

A cadeira

      Uma cadeira de plástico, branca, perdida no meio do campo por cultivar, moita aqui moita acolá, como que receosa da energia latente nos grossos e barrigudos fios de alta tensão que, do alto, a parecem vigiar.
      Será que espera alguém: pastor, poeta, monge?...
      Estou a chegar a Pinhal Novo. Arenoso é o solo, pelo que consigo ver da janela do comboio; a vegetação, rasteira: carrascos, troviscos, zimbros sonham – ou temem? – azinheiras, sobros ou mesmo singelo pinhal?… Que, se essas árvores vierem – ou, ainda pior, os eucaliptos! –, deixarão de ser acarinhadas por felosas, piscos, fuinhos, toutinegras, melros…
Será difícil voltarem a ver ninhos, no chilrear nervoso das crias sempre à espera do cibato guloso. Fugirão dali as lagartixas, as cobras e os lagartos…
Uma ameaça a cadeira? Sim, claro, se for antecipação doutros entulhos. Mas se, ao invés, ali deixada em final de tarde sereno, for convite à meditação fecunda, à comunhão fraterna em franciscano jeito… abençoada será, mesmo sendo de plástico, mesmo estando solitária naquela matizada vastidão de verdes!... Acolherá pensador, poeta, um eremita quiçá, com sede de reflexão!...
Não se poderá, todavia, ficar indiferente à imagem de uma cadeira assim, pespegada em solidão. Ali, pese embora o que atrás se imaginou, o que resulta evidente é o desaforo do abandono, quando os municípios se esforçaram por criar competente e eficaz serviço de recolha de «monstros». Atirar uma cadeira para o meio do mato!... Depressa outros «monstros» lhe virão, decerto, fazer companhia  E mais outros. E o mato, sufocado, não tardará a morrer; os verdes lagartos fugirão de vez e os pássaros terão de procurar novo abrigo para nidificar em segurança.
Fez-me pena.
Como, de resto, me cortou a alma ver pela linha adiante os edifícios de estações e apeadeiros votados ao mais completo abandono. E o comboio que é – continua a ser! – meio de transporte rápido, eficaz, seguro e… barato!
Duas faces de uma mesma e errada estratégia económica: a cadeira e as estações perdidas!...

Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 628, 15-12-2013, p. 19.

sábado, 14 de dezembro de 2013

Lugo: cidade romana, cidade para o turismo

            Situa-se a cidade de Lugo no coração da Galiza, aparentemente fora das rotas turísticas, ainda que, pela sua proximidade com Santiago de Compostela, seja natural ponto de passagem do Caminho de Santiago.
            É, porém, estratégica a sua localização e, por isso, os Romanos, logo nos primórdios do século I da nossa era, para além de ali terem assentado uma das suas legiões, a VI Félix, pensaram em criar aí um centro político-administrativo. Assim nasceu Lucus Augusti, capital de vasta circunscrição administrativa (o chamado conventus Lucensis). Lucus Augusti significa, à letra, «o bosque de Augusto», como se o primeiro imperador romano tivesse querido, com essa designação, convocar as divindades indígenas para abençoar a sua nova conquista.
Fig. 1
            Estão suas actuais muralhas, datáveis do século III, classificadas como património mundial pela UNESCO e, como é óbvio, dado que a área urbana (vide fig. 1) continuou a ser habitada ao longo dos séculos, sob o casario hodierno jazem as mansões dos romanos de outrora. Por conseguinte, sempre que é levada a cabo uma nova obra, de remodelação ou de construção de raiz, há necessidade de prévia intervenção arqueológica; e a preocupação tem sido de preservar o que é de preservar ou simplesmente registar os achados se não representarem vestígio de vulto, digno de ser musealizado.
            Isto significa que, na actualidade, Lugo se apresenta como cidade de visita obrigatória para quem se interessa pelo passado e pela Arqueologia peninsular. As entidades locais souberam investir na recuperação de edifícios romanos significativos, mantendo-os no subsolo das construções, abertos à visita dos interessados.
Fig. 2 - Reconstituição virtual do peristilo (pátio interior)
da Casa do Mitreu
 
            Aí se encontrarão, pois, não apenas os restos desta civilização milenar, mas as explicações do que se vê, disponibilizadas quer através de folhetos e de monografias, quer, de modo especial, de reconstituições virtuais, em vídeos que são passados aquando das visitas. Por exemplo, a «Casa do Oceano» (tem esplêndido mosaico colorido com representação central do deus Oceano) e a «Casa do Mitreu» (integra um local de culto ao deus Mitra) constituem, assim, bem singulares pólos de atracção desta progressiva cidade galega.                 
 
Publicado in Observatório de Turismo (Newsletter do Departamento de Turismo – Faculdade de Ciências Sociais, Educação e Administração – ULHT) nº 2, 05.12.2013.

 

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Nadir Afonso, um flaviense em Cascais

            Faleceu na quarta-feira, dia 11, no Hospital de Cascais, o arquitecto e pintor Nadir Afonso, que por aqui nos habituáramos a ver, nomeadamente nas inaugurações do Casino Estoril. Aí estiveram, aliás, expostas recentemente algumas das suas obras, no salão dos artistas da Lusofonia.
            De trato muito afável, jovial, sempre pronto a ouvir-nos e a dar a sua opinião, era capaz de nos guiar pelas estreitas vias do pensamento abstracto, dissertando sobre o valor da matemática na pintura e na arquitectura. Ainda recordo que foi por aí o seu discurso na exposição inaugurada no Casino, quando completou 90 anos, a 4 de Dezembro de 2010.
            Natural de Chaves, residia em Cascais e deixa na vila uma marca inconfundível nos azulejos – bem característicos da sua arte! – que ornam o túnel de acesso ao paredão junto à entrada do Parque Palmela.
            Uma pintura bem urbana, dir-se-ia, não só porque privilegiou cidades mas também porque, na verdade, esse emaranhado de linhas geométricas nos faz lembrar os mestres com quem teve a honra de trabalhar e de aprender: o francês Le Corbusier, sem dúvida um dos pioneiros da arquitectura contemporânea, e Óscar Niemeyer, que planeou Brasília. Eram, por outro lado, emocionantes chapadas de cor, donde se desprendia imensa alegria de viver!
            Tive ensejo de ver – ainda que incompleto – o Centro de Artes que, em Boticas, terra natal de sua mãe, tem o seu nome e resulta de protocolo entre Câmara Municipal local e a Fundação Nadir Afonso, cuja sede em Chaves, terra de sua naturalidade, é obra de Siza Vieira e tem inauguração prevista para o próximo ano.
            Ficamos, sem dúvida, mais pobres. Contudo, Nadir Afonso deixou obra, deixou livros, deixou mensagem: a Arte é uma atitude positiva perante a Vida. Não sei se, algum dia, terá proferido esta frase; no entanto, das várias vezes que tive o privilégio de com ele conviver, essa ideia pareceu-me a primeira que ele nos queria transmitir.
            Que descanse em paz!

Publicado em Cyberjornal, edição de 12.12.2013:

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

12ª Grande Gala do Fado

             Fez dois anos, a 27 de Novembro, que o fado foi integrado pela UNESCO no rol das manifestações artísticas património imaterial da Humanidade.
            O fado – da palavra latina «fatum», ‘destino’ – formou-se a partir do contacto entre as tradições culturais e musicais africanas e brasileiras. Fruto dessa aculturação secular, constitui, pois, um património. E é atendendo a esse processo de formação – no mundo que o Português criou – que se assume também, na sua temática (a saudade, o amor, a melancolia da ausência e da partida…), como uma das tónicas dominantes do que poderíamos designar a «alma portuguesa» na sua singularidade.
            Para assinalar a efeméride e em homenagem ao cascalense Carlos Zel, prematuramente falecido, com 51 anos, a 14 de Fevereiro de 2002, fadista que mantinha, na altura, um programa de fado, às quartas-feiras, no Casino Estoril, realizou-se, nesse dia 27, a 12ª edição da “Grande Gala do Fado – Carlos Zel”.
            Registou enchente o Salão Preto e Prata, como nas grandes noites de há uns anos atrás! Jantar mui saboroso, de um discreto requinte, em que, por exemplo, o porco preto salpicado de ervas aromáticas fez ressaltar apetitoso regresso a uma ementa de cariz mediterrânico muito nosso.
            Apresentado por Branca Frazão, a viúva de Carlos Zel, o espectáculo abriu, às 23.10 h., com um magnífico ‘instrumental’, de certo modo para nos ambientar e familiarizar com o enorme virtuosismo dos músicos: Paulo Parreira, na guitarra portuguesa, prestigioso; Carlos Garcia, na viola (muito balançado, em ritmo, a noite toda); mais discreto, Marino de Freitas, na viola baixo.
            Às 23.15 h., elegante no seu vestido negro comprido, perlado de corolas vermelhas, cordão com coração de filigrana ao peito, longos cabelos negros a ondular-lhe sobre as costas: a jovem (n. 30-09-1982) Joana Amendoeira, escalabitana. Encantou nos quatro fados cantados – não anunciados, porém, a não ser o último, «Fado d’Outrora», um dos que Zel amiúde incluía nas suas actuações.
            23.30 h.: meio tímido, António Zambujo, da nova geração (Beja, 1975), vai cantar sentado. Convida a dar «uma voltinha na minha lambreta». «Pedaço de mau caminho / Onde é que eu tinha a cabeça / Quando te disse que sim?» – foi o «Flagrante», interpretado com voz macia pelo ‘melhor intérprete masculino de fado’ (Prémio Amália Rodrigues 2006). Fados? Talvez. Num sotaque que ressuma Brasil: regresso, afinal, das modas que, séculos atrás, de África e deste cantinho, ousámos levar para lá?
               23.45 h.: a esguia e alfacinha Aldina Duarte (22-07-1967), vestido negro até aos pés, de lantejoulas aqui e além, mangas largas caídas em jeito de estilizado xaile. A sua voz quente e cheia levou-nos pelo fado tradicional. Largo sorriso no fim de cada fado, grande concentração antes de os iniciar. «E os rios perdem o mar / e as pedras rolam de espanto» (Fado com Dono); «Espelho meu, diz a verdade da idade da saudade à mulher envelhecida!».
            Meia-noite: Rodrigo, embora alfacinha também (29-6-1941), é o fado de Cascais, vadio e fora de portas, ali para as bandas de Birre, a «praia» do Zel!... Veste casaco sobre camisola de gola; no peito, como é seu timbre, um cordão de ouro com pendente. Não hesita em falar antes e depois, dizendo de autores das letras e das músicas, em voz meio enrouquecida. Começa pelo «recado» de João Dias: «Que ninguém chore por mim / Na festa da minha morte». Prossegue, depois da «morena dos olhos verdes», com um dos seus preferidos: «É tão bom ser pequenino!». Conclui – não sem sublinhar «É hora de solidariedade, olhem para o vosso vizinho» – com o tradicional «Fado do fado».
            Meia-noite e um quarto: Ana Moura, outra escalabitana, da nova geração também (1979), alta e esguia deveras no seu vestido negro comprido, num rendilhado que pelos braços se prolonga, qual xaile numa saudade. Delicio-me com um dos seus fados meus preferidos: «Vestido negro cingido / Cabelo negro comprido / E negro xaile bordado. / Subindo à noite a avenida / Quem passa julga-a perdida / Mulher de vício e pecado» – a fadista. Trina a guitarra imponente. E… «Sou do fado»: tinha que ser!...
            Meia-noite e meia: João Ferreira Rosa (Lisboa, 16-02-1937). O veterano. De camisa negra, fralda de fora, calça preta, mãos nos bolsos. A tradição. «Ser fadista é triste sorte»… Ouvimo-lo, sentimo-lo, o tempo pára. Só o rosto tem expressão, quase imperturbável, porém. E, inevitavelmente, "O Embuçado" – que mui calorosamente aplaudimos!
            00.45 h.: Maria da Fé (Porto, 25-05-1942). De negro vestida; negra, a echarpe. «Valeu a pena». «Cantarei até que a voz me doa!». Em plena forma. O Fado castiço na sua melhor expressão.
            Saímos todos regalados pelo percurso intergeracional com que a produção do espectáculo nos brindou. A fazer-nos reviver galas de outrora e – porque não? – a magicar na secreta esperança de vermos, um dia destes, regressar a Cascais uma das suas mais lídimas tradições, deveras apreciada por residentes e forasteiros. Faz bem, claro, o Casino Estoril em nos instigar a sonhar!

Publicado em Costa do Sol – Jornal Regional dos Concelhos de Oeiras e Cascais, nº 25, 04-12-2013, p. 6.

Luiz Goes homenageado no Casino Estoril

            É tradição a Associação dos Antigos Estudantes da Coimbra em Lisboa homenagear um dos vultos da vida académica coimbrã, por ocasião da celebração do aniversário da Tomada da Bastilha.
            A festa tem sido no Casino Estoril e, este ano, em comemoração dos 93 anos passados sobre o dia 25 de Novembro de 1920, em que os estudantes, madrugada alta, invadiram de surpresa o Clube dos Lentes, fartos, como estavam, de reivindicar sem êxito sede condigna para a Associação Académica, o homenageado foi, como não podia deixar de ser, Luiz Goes, vulto enorme do fado coimbrão, que nos deixou a 18 de Setembro do ano passado.
            Houve, pois, na noite do dia 23, o espectáculo «Luiz Goes de ontem de hoje – para sempre», evocativo da sua obra e da sua personalidade, num guião pensado e dirigido por Carlos Carranca, com a colaboração de cerca de 70 estudantes da Escola Profissional de Teatro de Cascais.
            O fio condutor foi a encenação de uma entrevista ao homenageado, em que, mui oportunamente, se iam abordando ideias, recordações e factos da sua biografia, que permitiram, por conseguinte, saber muito dos valores por que pautou a sua existência. E, à medida que a entrevista se desenrolava, surgia o pretexto para um fado (a maravilha do fado de Coimbra, servido por notáveis cantores e consagrados executantes!), uma coreografia (excelente a prestação dos estudantes da EPTC!), um testemunho… Tudo muito bem interligado.
            Um espectáculo, que teve a presença da neta do homenageado, Leonor, e que foi aplaudido de pé, emotiva, longa e calorosamente, sendo de salientar a entusiástica colaboração dada pelos estudantes e por docentes da Escola Profissional de Teatro de Cascais. Assim se complementam em palco e na prática os ensinamentos colhidos em sala!

Nota: Fotos, gentileza de José Pedro Camacho Vieira, na sua página do Facebook.

Publicado em Cyberjornal, 03-12-2013:

Os 28 anos do Clube Desportivo da Costa do Estoril

            No âmbito das actividades previstas para comemorar os 28 anos da sua criação oficial, o Clube Desportivo da Costa do Estoril, sediado em Alapraia, levou a efeito na tarde de domingo, dia 24, no Museu-Biblioteca dos Condes de Castro Guimarães, em Cascais, o 5º concerto musical da temporada.
            E, no final dessa tarde, houve, na sede do Clube, a sessão comemorativa do aniversário.
            O director do Clube, Cabral de Sousa, deu as boas-vindas à cerca de meia centena de associados e amigos presentes. Madeira Calado, presidente da assembleia-geral, saudou a todos e, de modo especial, o Sr. Vereador do Desporto, Frederico Pinho de Almeida, Clementina Henriques, representante da Presidente da Confederação Portuguesa das Colectividades de Cultura, Recreio e Desporto; e deu rápida conta das actividades que o Clube vem desenvolvendo, desde a escola de música residente ao badmington, às aulas de piano e flauta, às artes marciais, entre outras, de que salientou o facto de a sala do rés-do-chão estar a ser preparada para receber exposição de arte. Acentuando que o Clube detém uma situação financeira estável, não quis deixar de secundar o apelo feito pelo director no sentido de as camadas jovens se disponibilizarem para cargos directivos.
            Seguiu-se breve apontamento musical: Marina Dmitrieva e Vera Belozorovitch, habituais colaboradoras do Clube, interpretaram dois trechos para flauta e piano, que foram precedidos pela execução ao piano, a quatro mãos, de um outro trecho: Francisco Santiago foi acompanhado por Vera Belozorovitch.
            Após um minuto de silêncio numa prece pelos sócios falecidos, o vereador Frederico de Almeida felicitou o Clube, congratulando-se com a actividade que vem desenvolvendo e apoiou o apelo feito para que novos dirigentes surjam, para darem continuidade a um projecto deveras digno de encómio. Foi no mesmo sentido a intervenção de Clementina Henriques, anotando ser esta uma colectividade plural e intergeracional, simples na forma mas elaborada no conteúdo, onde se ‘consomem bens de qualidade: o desporto e a cultura».
            Houve depois beberete de confraternização e o tradicional bolo de aniversário!

Publicado em Cyberjornal,  03-12-2013:

E o que é a «voz do Povo»?

               Na mais recente versão – que aprecio – do fado 'Por morrer uma andorinha', popularizado por Carlos do Carmo, atribui-se ao «povo», a dado passo, o mote principal do poema. Mas acontece que o «povo», aqui, tem um nome. E Celestino Costa conta de novo a história num dos seus últimos livros (Nomes ou alcunhas das pessoas dos meus livros, Apenas Livros – Associação Cultural de Cascais, 2013, p. 18). Transcrevo:
             «Em 1946, João da Mata vivia com a fadista Quinita Gomes e ela “deixou-o” e ele com desgosto escreveu a quadra:
 
                                   Se deixaste de ser minha
                                   Não deixei de ser quem era
                                   Por morrer uma andorinha
                                   Não acaba a Primavera.

            O seu colega e amigo Frederico de Brito depois de ele morrer juntou a essa quadra mais quatro quadras que resultaram no fado “Por morrer uma andorinha”.»
            Foi, por sinal, aquando  da apresentação do primeiro livro de poemas de Celestino Costa (A Minha Terra e Eu, Cascais, 1992), que Alice Vieira nos chamou a atenção para essa metamorfose do que é verso ou frase lapidar de autor: dada a sua oportunidade e quotidiana evidência, entranha-se no sentir popular e, a determinada altura, já não se sabe de quem é. Exemplificou-o, nesse 6 de Julho de 1992, com a conhecidíssima quadra «Ó minha mãe, minha mãe / Ó minha mãe, minha amada / Quem tem uma mãe tem tudo / Quem não tem mãe não tem nada» – que se pensa «popular» e é de Afonso Lopes Vieira.
            De Celestino Costa eu gostaria que também se ‘entranhasse’ esta passagem do seu poema «Pátria querida», inserto nesse livro (p. 79), e se consciencializasse bem o seu profundo significado, num momento em que são os poetas que mais sentem e veiculam as mui desencontradas angústias que nos vão na alma e nos apeteceria gritar na praça pública:

                                                «Prós poetas, Pátria querida,
                                               És madrasta toda a vida,
                                               Só és mãe depois da morte!...».

Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 627, 01-12-2013, p. 12.