segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Um surto de serenidade no Centro de Apoio Social do Pisão

             O convite diz, singelamente:
            «No próximo dia 2 de Fevereiro, pelas 15 horas, vai ser inaugurada, no Centro de Apoio Social do Pisão, pela Senhora Secretária de Estado para a Igualdade e a Cidadania, Dra. Catarina Marcelino, a Sala de Snoezelen.
            Acrescenta-se, no parágrafo seguinte:
            «Este será, sem dúvida, um espaço que fará a diferença na vida de muitos residentes do Centro e uma nova resposta para a nossa comunidade».
            Para a maior parte de nós, a expressão constituirá uma novidade, por felizmente nos encontrarmos fora, por completo, desse contexto.
            Uma breve consulta à Internet dar-nos-á a solução.
            Assim, ficamos a saber que Snoezelen é uma palavra de origem holandesa, que resulta da contracção de «snuffelen», cheirar, com o vocábulo «doezelen», que tem o significado de «relaxar». O conceito deve-se à observação de dois terapeutas, Jan Hulsegge e Ad Verheul, que trabalhavam no De Hartenberg Institute, um centro para pessoas com deficiência mental: um ambiente diferente provocava respostas positivas.
            No fundo, trata-se de «uma sala equipada com material para estimulação sensorial. É um local feito de luz, sons, cores, texturas e aromas, onde os objectos são coloridos e disponibilizados para serem tocados e admirados. Os sentidos primários são estimulados dando sensação de prazer (Amcip 2009)».
            Quando visitou o Centro, aqui há tempos, foi sugerido à Senhora Secretária de Estado um espaço que reunia óptimas condições para nele se instalarem os equipamentos necessários para aí funcionar uma sala com essas características. A ideia foi prontamente acarinhada; disponibilizaram-se as verbas para o efeito - e é essa sala a que ora vai ser inaugurada.
            Atente-se, porém, no que se diz de seguida: a Misericórdia quee proporcionar também «uma nova resposta para a nossa comunidade». Ou seja, não é apenas para os utentes que a Sala Snoezelen foi pensada, mas para servir a comunidade.
            Motivo é, pois, para congratulação.
                                                                                         José d’Encarnação

Publicado em Cyberjornal, 30-01-2017:
http://www.cyberjornal.net/saude-e-solidariedade/saude-e-solidariedade/solidariedade/um-surto-de-serenidade-no-centro-de-apoio-social-do-pisao

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Não sei por onde escolher

            Passou tão rápida esta quinzena que não me dei conta de que havia uma crónica para escrever já e o jornal estava a fechar. Convenci-me que era só daqui a uma semana e, por conseguinte, a mensagem do senhor director foi assim como pedrada no charco do aconchego do meu burguês final de tarde.
            E dei comigo com o drama de não saber por onde escolher.
            Houvera uma polémica sobre a intenção de se fazer, em Cascais, um museu de arte urbana, para guardar pinturas que ocultam mazelas antigas, decisões que nunca mais chegam… Uma boa ideia, assim haja depois iniciativas que o mantenham vivo e, sobretudo, palestras que, de quando em vez, tentem acicatar as autoridades a debruçarem-se sobre esses prédios devolutos que a Arte – e muito bem! – procurou disfarçar.  E o pensamento voou por aí adiante…

As obras a meio
            Criou-se com pompa e circunstância um procedimento burocrático a que se deu o nome de simplex, para tudo ser mais rápido e eficaz. Rapidamente se faz uma empresa (e bem depressa também ela abre falência e deixa o pessoal a tinir). Rapidamente se faz um pedido, até porque, para isso, há mesmo lugarzinho adequado na página da entidade ou da instituição e se tem resposta automática no mesmo dia ou no dia seguinte, a garantir que se vai tratar do assunto.
            Custa-nos, todavia, ver como tanta ‘coisa’ se arrasta, porque outras prioridades surgem e não há mãos a medir ou, mais frequentemente, porque a legislação em vigor tem tantas implicâncias que uma pessoa ainda morre antes de ver a questão resolvida. Oiço amiúde: «Fui lá entregar o papel que me haviam pedido; telefonaram-me, dias depois, a dizer que faltava uma assinatura; uns dias mais adiante, novo telefonema: é que, senhor, não tem a certidão de 1957!...
A super-esquadra. Foto de José Sousa,
a 2013.03.05, no fórum
Lugares Esquecidos
            Custa ver o caso da super-esquadra por resolver; a construção em frente da estação de Cascais que não avança; as vivendas da Av. de Sintra, em Cascais, de aberturas tapadas com tijolos; as antigas instalações da Pedro Pessoa, logo ali à frente do quartel dos Bombeiros de Cascais, que são lixeira e antro; do antigo prédio ao cimo da Rua Direita, que tem arte urbana, sim, mas também azulejos a cair e paredes que os turistas teimam em fotografar…

A casa da Rua Direita.
Foto de Ruin'Arte 97
A relatividade do quotidiano
            Custa-nos ver tantas iniciativas culturais importantes, amiúde umas em cima das outras, que a gente nem sabe por onde escolher e acaba por não escolher nenhuma, como canta a Ana Bacalhau, «hoje não, porque joga o Benfica!».
            A data do evento foi escolhida, supõe-se, tendo em conta as agendas dos vários intervenientes e, também, outros calendários. Mas, hoje em dia, a gente pensa que uma data e uma hora são as ideais e logo se lhe pranta em cima um aguaceiro, uma crise política, uma decapitação, o resultado de um referendo, os putos para ir buscar à escola, a sopa para fazer, o farnel a preparar para o dia seguinte, o episódio da telenovela…
            Enfim, lá nos vamos habituando à relatividade extrema do quotidiano.

Os casos
            E vamos tendo conhecimento de «casos» e da forma expedita de os tentar resolver.
            No âmbito da permanência em Cascais, no seio da Misericórdia, da Senhora do Manto Largo, o Dr. Jorge dos Santos, juiz desembargador da Relação ora aposentado, que presidiu, de 2008 a 2012, à Comunidade Vida e Paz e preside agora às Conferências Vicentinas em Alcabideche, fez-nos uma palestra no dia 18. Disse do sr. dr. médico que é agora um sem-abrigo; do professor que tinha as coisitas num saco escondido algures e angariava uma esmola aqui, outra acolá; de outro que se abeirou dele e pediu desculpa por estar muito malcheiroso, que há muitos dias não tomava banho nem comia nada quente…
            Casos de um quotidiano que nos abalam e que dão força a instituições como a Refood, que vai ter um concerto no próximo sábado, dia 28, às 16 horas, no auditório da Boa Nova, para que possa continuar nessa labuta de passar pelos restaurantes e recolher a comida que sobra, para – com uma palavra amiga – matar a fome de quantos andam por aí.

                                                               José d’Encarnação

Publicado em Costa do Sol Jornal, nº 171, 25-01-2017, p. 6.
 

sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

O Corotelo está a morrer?

             Publicou o nosso jornal na passada edição, de Dezembro, a fotografia que registou o momento da partida para uma corrida integrada nas comemorações dos 50 anos da Sociedade Recreativa Corotelense.
A direcção da Sociedade com Eugénia Lima, 17 de Abril de 1988
            Em contacto com Vítor Barros, o grande zelador pela história desta esquecida fronteira noroeste do nosso concelho, fiquei a saber que, tendo a Sociedade sido fundada a 17 de Abril de 1938, a foto era, pois, de Abril de 1988. E enviou-me o recorte da 1ª página da edição de 31 de Maio de 1988 do nosso prezado colega «O Sambrasense», onde se dá miúda conta dos festejos e se explica que, dos 21 fundadores da Sociedade, só 4 estavam vivos nessa altura, passando já a colectividade por dificuldades, porque, da centena de sócios, apenas metade tinha as quotas em dia. E a festa, além da referida corrida de atletismo infantil, incluíra torneio de futebol infantil e baile de confraternização à tarde, tendo actuado o Rancho Infantil dos Almargens e jovens acordeonistas. O momento alto fora, porém, à noite o baile, abrilhantado pelo ímpar virtuosismo da sempre saudosa Eugénia Lima, que recordou, também ela, com saudade, as muitas noites festivas que ali passara.
            Dispus-me de imediato a escrever uma crónica sobre a Sociedade, cujas paredes, da última vez que eu as vira, em 2015, ameaçavam ruína, e aproveitaria, assim, para chamar a atenção da autarquia para o facto de ser evidente que, como essas paredes, a povoação estava a morrer. Tirando a algazarra das crianças da escola, Corotelo continuava a ser apenas – como sempre fora desde tempos de Romanos – terra de passagem e sem motivos para ser de paragem, até porque nenhum estabelecimento existe e cada qual se amanha como pode, numa população que se partilha entre os velhotes e os estrangeiros que escolheram o aconchego do Corotelo e da Fonte da Murta para se radicarem. Corotelo nem a uma placa toponímica tem direito; as ruas não têm nome; o lixo acumula-se junto dos contentores; não há transportes públicos; e, para qualquer compra, só indo à vila – mas já não há burros nem machos que levem a gente e os automóveis partiram de manhã para Faro ou para S. Brás e só depois do trabalho é que regressam...
            Mantém-se, a custo, o café, onde alguns reformados e estrangeiros apanham um pouco de sol; a Câmara Municipal faculta um autocarro, de quinze em quinze dias, às quintas-feiras, para os poucos moradores irem às compras; mensalmente, uma unidade móvel de saúde vai até lá para medir tensões e o enfermeiro dar dois dedos de conversa aos velhotes que aparecerem…
            Portanto, eu ia lamentar também o facto de nada se fazer pelo edifício da Sociedade de grande tradição, onde cheguei a deliciar-me com a actuação das charolas e, precisamente com Eugénia Lima, que me seduzia! Alertou-me, porém, Vítor Barros:
            «Quando refere que “me faz pena ver o estado em que se encontra o edifício”, deduzo que não sabe ainda o que lhe aconteceu… Pois bem, essas palavras pertencem ao passado. A Sociedade já não existe. Em meados de 2016, talvez Junho, o edifício foi demolido e já nada lá resta daquilo que conhecemos. Já não tinha existência como Sociedade, nem sócios, nem direcção e a chave já tinha sido entregue ao proprietário do imóvel. Como ameaçava ruir para a estrada, o mesmo resolveu deitar tudo abaixo. E assim morreu a nossa Sociedade. Ficam as lembranças e a saudade dos bons momentos lá passados pelos nossos antepassados e por muitos de nós, eu inclusive. Os bailes, as rifas, o grande jornal «A Bola» ocupando uma mesa inteira. A televisão em que se ia ver o Festival da Canção, as touradas, as petiscadas no bufete, namoricos, casamentos, etc., etc. Tudo está lá enterrado agora…».
            Obrigado, Vítor Barros!
            Não adianta chorar sobre pedras esboroadas. Pode ser que, um dia, quando algo de novo começar a surgir no horizonte, haja promessas… para cumprir!
            Oxalá!
                                             José d’Encarnação

Publicado em Noticias de S. Braz [S. Brás de Alportel] nº 242, 20-01-2016, p. 11.

 

 

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Livro da são-brasense Doutora Maria Manuel Valagão está nomeado

            O livro «Algarve Mediterrânico – Tradição, Produtos e Cozinhas», de Maria Manuel Valagão, Vasco Célio e Bertílio Gomes, publicado em 2015 pela editora Tinta da China, foi considerado uma obra-prima e ficou qualificado, em Maio passado, entre os três melhores livros, a nível mundial, em todas as categorias, pelo júri da Gourmand World Cookbook Awards, entidade, presidida por Edouard Cointreau, que avalia o que, no mundo inteiro, se publica no âmbito da gastronomia.

            Traduzido para língua inglesa, também esta tradução recebeu um galardão, o livro foi agora nomeado para competir com os melhores livros de todas as regiões do Mundo nessa categoria. A cerimónia em que se anunciará o vencedor vai decorrer em Yantai, na China, a 27 e 28 de Maio, por ocasião da sessão anual da Gourmand Awards.

            Maria Manuel Valagão, natural de S. Brás de Alportel, doutorou-se, em 1990, em Ciências do Ambiente, na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (1990). Investigadora em Sociologia da Alimentação e Ambiente no Instituto Nacional de Recursos Biológicos (1976-2009) e no Instituto de Estudos de Literatura e Tradição, tem pugnado nas suas obras pela defesa da alimentação típica nacional, nomeadamente com recurso aos produtos naturais e às «ervas» que antigamente tão bem condimentavam os comeres, que foram abandonadas e, agora, voltam a estar na moda, nomeadamente no que internacionalmente e com certo pretensiosismo se tem designado comida «gourmet». Conta entre as suas obras mais representativas: «Tradição e Inovação Alimentar. Dos recursos silvestres aos itinerários turísticos» (Edições Colibri, 2006) e «Natureza, Gastronomia & Lazer (Plantas silvestres alimentares e ervas aromáticas condimentares)», também de Edições Colibri (2010). Logo os títulos são deveras significativos!...


                                                                       José d’Encarnação


Publicado em Noticias de S. Braz [S. Brás de Alportel] nº 242, 20-01-2016, p. 9.

Os signos do Zodíaco pautaram o Concerto de Ano Novo

              Quis o maestro Nikolay Lalov que o Concerto de Ano Novo, realizado, com pompa e circunstância, ao final da tarde do passado dia 8, estivesse sob o signo dos… signos do zodíaco! Assim, antes de cada peça, explicou que o seu autor era Capricórnio, Leão, Sagitário ou Virgem e assim ia declarando as características de cada um, as personalidades que lhe pertenciam, para terminar, sempre, com a afirmação de que, para as pessoas desse signo, 2017 seria – com as devidas cautelas… – muito promissor!
      As suas palavras emprestaram, pois, uma tónica especialmente alegre ao que, na verdade, como se impunha, um concerto pleno de ritmo e jovialidade, em que predominaram, naturalmente, as polcas e as valsas vienenses. Schubert, Mozart, Gounod, Verdi, Leoncavallo, Zeller e Marchetti foram os autores seleccionados e assinale-se, a título de exemplo, da 1ª parte, de Mozart, «Porgi, amor, qualche ristoro», da ópera As Bodas de Fígaro, e, de J. Strauss II, a entusiástica «Spanischer Marsch Op. 433». Na 2ª parte, aplaudimos, entre outras, a «Valsa Leuchtkäferln Op. 161», de ED. Strauss, assim como a célebre valsa cigana «Fascination», de Fermo Dante Marchetti, datada de 1904.
            Um final de tarde deveras agradável, no Salão Preto e Prata do Casino Estoril, apreciado também pela actuação de dois pares de bailarinos, que brilhantemente pontuaram algumas das passagens que a Orquestra Sinfónica de Cascais com enorme entusiasmo executou, tendo por cenário, ao fundo, um céu azul estrelado, e, na frente, um bem simpático friso contínuo de mui variegadas flores, que bem enquadrava os vestidos compridos dos elementos femininos da Orquestra, a primar pela variedade do colorido.
                                                                      José d’Encarnação
Publicado em cyberjornal, 2017-01-19:


Fotos gentilmente cedidas por Luís Bento
 

Terra, um planeta repleto de lixo e sem população

            «Se continuarmos a derrubar as florestas como temos vindo a fazer, a Terra será uma “ilha” desflorestada, sobreaquecida, poluída, repleta de lixo e sem população humana» – este o final da mensagem natalícia deste ano do Prof. Jorge Paiva da Universidade de Coimbra.
            Empenhado, há décadas, nesta campanha em prol da biodiversidade, aquele botânico todos os anos envia, pelo Natal, centenas de postais ilustrados, sempre com um tema específico. O deste ano, «floresta e sobrevivência», visa consciencializar-nos da importância fundamental que tem para a sobrevivência do género humano a criteriosa gestão da floresta.
Imagem apresentada pelo Prof. J. Paiva:
"«Stertulia africana», a que o padre João
de Loureiro chamou «Triphaca africana»
(1790), quando a herborizou em Mossuril
(Moçambique), a sul desta fotografada
em Pemba."
            Amiúde, ao analisarem-se nas Câmaras Municipais, projectos urbanísticos, raramente há quem se levante contra, quando esses projectos vão acabar, por exemplo, com uma zona de mato (já não falo de floresta). É mato, não há problema ambiental… Erro, claro, porque é nesse mato de muitas espécies vegetais rasteiras que vive uma infinidade de outros seres que, aparentemente insignificantes, exercem função primordial sobre a biodiversidade e, consequentemente, sobre a nossa qualidade de vida.
            Não é, contudo, sobre o desaparecimento dos matos propriamente ditos que Jorge Paiva ora nos alerta, mas das matas. Depois de apresentar o exemplo da extinção do povo rapanuio (os nativos da Ilha de Páscoa), devido à completa devastação da floresta original, assim como o da quase total destruição da taiga na Islândia, relembra-nos que «os seres vivos constituem a nossa fonte alimentar»; que cerca de 90% das substâncias medicinais são de origem biológica; que «praticamente tudo o que vestimos é de origem animal ou vegetal»; e que mesmo as turbinas dos geradores de electricidade carecem de ser lubrificadas por óleos de origem biológica. Recorda, finalmente, que constantemente se descobrem «novas utilidades de plantas, animais e outros seres vivos», «que ainda não estavam suficientemente estudados».
            Neste dealbar de mais um ano, o mesmo grito de alerta se mantém: importa urgentemente preservar a biodiversidade! E não se pense que isso depende dos governos: depende de cada um de nós! E – permita-se-me o apontamento – é para nós, aqui em casa, um consolo ver, durante o dia, saltitarem de ramo em ramo à cata de insectos e de sementes nas plantas e arbustos do nosso jardim, melros, rolas, pardais, fuinhos, piscos… Uma serenidade reconfortante!...

                                                         José d’Encarnação

Publicado em Renascimento [Mangualde], nº 700, 15-01-2017, p. 11.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

85 anos da Estoril-Sol

            Uma exposição, em que prevalece o recurso aos meios audiovisuais, permite aos visitantes do Casino Estoril verem, por décadas, no átrio da entrada, o que tem sido a história da Sociedade Estoril-Sol, ora a comemorar 85 anos de existência.
            Saliente-se que, ao contrário do que se poderia supor, sempre a tónica desta concessionária do jogo foi disponibilizar largas verbas para apoio às manifestações culturais, nomeadamente no âmbito das Artes Plásticas e das Artes do Espectáculo. Se pela galeria passaram já muitas largas centenas de artistas, com enorme incentivo aos jovens, o salão-restaurante, ora chamado Preto e Prata, tem sido palco da actuação de artistas, nacionais e estrangeiros, de fama mundial.
            Desse enorme périplo dá conta a exposição quer em imagens quer em objectos e publicações. Vale a pena apreciar com atenção.
Mariza e Rui Veloso, num instantâneo
            A cerimónia comemorativa decorreu, após a abertura da exposição, no passado dia 23 de Novembro, com um jantar de gala, que contou com a actuação da fadista Mariza e seus convidados: Rui Veloso, Boss AC e Miguel Gameiro. Na ocasião, o Dr. Mário Assis Ferreira saudou os presentes e lembrou, a traços largos, o que tem sido o percurso da Sociedade de que é administrador e acérrimo defensor das suas promoções culturais, em que – para além das artes e do espectáculo – a instituição de prémios literários constitui iniciativa exemplar.
Ementa de 1931
            A título de curiosidade, reproduz-se imagem do «menu do jantar à americana do Casino Estoril – 1931», agora, 85 anos depois, substituído por outras iguarias: «consomé dourado com lasquinhas de frango», «lagosta Casino Estoril», «sorbet de limão», «lombo de vitela grelhado com azeite de aromáticos» e «crocante de chocolate e avelã com cremoso de fava tonka».

             José d’Encarnação
Publicado em Cyberjornal, 16-01-2017:

Senhora das Misericórdias está em Cascais

            Em visita às diversas «casas» que integram a Santa Casa da Misericórdia de Cascais manter-se-á entre nós, até sexta-feira, 20, a imagem peregrina de Nossa Senhora das Misericórdias (a «Senhora do Manto Largo»!), que o Secretariado Regional de Lisboa da União das Misericórdias Portuguesas adquiriu aos Missionários da Consolata, neste ano extraordinário da Misericórdia.
            A cerimónia de recepção ocorreu no Largo da Misericórdia, no começo da tarde do dia de Reis, com larga afluência de fiéis, que encheram depois a igreja, celebrada pelo prior da freguesia, Padre Nuno, celebração que contou com a sempre apreciada participação dos Arautos do Evangelho.
Procederam à entrega três elementos dos corpos sociais da Misericórdia de Oeiras que entraram processionalmente no largo acompanhados já com representantes da Misericórdia cascalense. A imagem foi colocada num andor; o coro dos utentes dos Centros de Dia entoou vários cânticos de louvor e foram representantes da autarquia que transportaram o andor até ao altar-mor. Padre Nuno deu as boas-vindas à Senhora, reflectiu sobre a importância do acto; a Provedora da Misericórdia teve palavras de regozijo; o Presidente da Câmara manifestou a vontade de a autarquia continuar a colaborar cada vez mais na acção benemérita que a Santa Casa leva a efeito, referindo, de modo especial, a intenção de promover obras de restauro no templo que ora nos acolhia.
A vinda da imagem, trazida pelos irmãos da Misericórdia de Oeiras
Senhora do Manto Largo em seu andor
A entrada solene na igreja da Misericórdia
            Na página da Santa Casa – http://www.scmc.pt/ – pode ser visto o programa que ainda falta cumprir, de que se destaca: na 4ª feira, na sede da Santa Casa, a conferência do Dr. Jorge Santos, que foi Juiz Desembargador da Relação de Lisboa, vogal do Conselho Superior da Magistratura, Presidente da Comunidade Vida e Paz de 2008 a 2012 e, agora, das Conferências Vicentinas em Alcabideche, que animará uma sessão sobre «Repensando as Obras de Misericórdia», aberta à comunidade.
                                                    José d’Encarnação

Fotos gentilmente cedidas por Luís Bento
Publicado em Cyberjornal, 2017-01-16:

               

quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Para uma história das artes em Cascais

            Foi pequena a galeria do Casino Estoril para acolher quantos quiseram obsequiar com a sua presença o seu director, Nuno Lima de Carvalho, de quem nesse dia se apresentou um livro de cariz autobiográfico, intitulado “Duas Vidas, Muitas Vidas”. Duas vidas, a sua e a de sua mulher, Dra. Clarinda († 2015), que sempre o acompanhou; «muitas vidas», porque Lima de Carvalho aproveitou o ensejo para dar conta das muitas dezenas de artistas que, ao longo de mais de 40 anos, expuseram na galeria.
            Prestaram testemunho: Licínio Cunha, que foi Secretário de Estado do Turismo e Presidente da Junta de Turismo do Estoril, o pai da ideia de se fazer em Cascais um museu de Arte Infantil, a partir dos salões que periodicamente se realizavam na galeria do Casino; Carlos Magno, jornalista de largo mérito e Presidente do Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social; Joaquim Lima Carvalho, professor de Belas Artes, que amiúde integrou júris dos salões de arte da galeria; e Ramon Font, jornalista catalão, amigo pessoal do autor, que muito tem acompanhado a actividade cultural da Estoril-Sol.
            Vivamente emocionado, Lima de Carvalho a todos agradeceu, sublinhando que assim via concretizado um sonho há muito acalentado, porque rica tem sido a sua experiência na convivência com os mais destacados vultos da Cultura nacional e estrangeira e havia histórias a registar em livro.
            Encerrou a cerimónia Choi Man Hin, Presidente da Estoril Sol: este livro, disse, constitui «um importante testemunho sobre mais de 40 anos da história do Casino Estoril e do seu papel determinante no desenvolvimento do turismo nacional, consolidado em iniciativas precursoras, algumas de dimensão internacional, nos domínios da Cultura, da Arte e do Espectáculo».

Uma personalidade e duas iniciativas goradas.
            A personalidade: o escritor Jorge Amado passava o Verão em Cascais e era amigo pessoal de Lima de Carvalho. No livro são-lhe, pois, dedicadas inúmeras páginas, que vale a pena ler, pelo carácter pitoresco de que se revestem.
            Duas iniciativas goradas e sempre lamentadas por quantos se interessam pelas manifestações culturais:
            ‒ a acanhada falta de visão das autoridades locais que mandaram destruir centenas de trabalhos feitos por crianças – nacionais e estrangeiras –, que haviam sido premiados nos salões de arte infantil e que constituía o espólio privilegiado para o Museu de Arte Infantil preconizado por Licínio Cunha e prontamente acarinhado por Lima de Carvalho;
            ‒ a ainda mais acanhada falta de visão dessas mesmas entidades autárquicas, que menosprezaram a ideia de se criar um Museu da Arte Naïf – que acabou por ser aberto em Guimarães, com sucesso notável. Ainda houve uma tentativa de um Espaço Naif, inaugurado por António Capucho, a 30 de Setembro de 2005, nas Arcadas do Parque, no Estoril, instalações da antiga Junta de Turismo, mas… não passou de intenção e a inépcia local perante os poderes de Lisboa não conseguiu manter a Junta e o seu espólio… desconjuntou-se!

Para uma história das artes em Cascais
            Sim, vale a pena ler o livro e guardá-lo, porque nele se condensa muito do que foi a história cultural do concelho de Cascais nas últimas quatro décadas.
            Não excluo, é óbvio, que outras entidades também devem entrar na história das Artes aqui no concelho. Aliás, Lima de Carvalho só em 1975 foi nomeado Director da Galeria de Arte do Casino Estoril; por conseguinte, não teve directo conhecimento, por exemplo, do que se fez em Cascais no domínio das Artes na década de 60 e de que recordarei, entre outras iniciativas, a criação da Galeria JF pelo presidente da Junta de Freguesia de Cascais, o escultor Óscar Guimarães, e toda a actividade levada a cabo pela galeria da Junta de Turismo da Costa do Estoril, que teve, por exemplo, em Oskar Pinto Lobo e em Cruzeiro Seixas, dois ilustres dinamizadores, por onde regularmente passaram os melhores artistas de então. Numa época, em que os responsáveis políticos compreendiam que a Arte chama o Turismo e que, em Cascais, a existência de uma Junta de Turismo era tão importante como o pão para a boca. Outros tempos!...
                             
                                     José d’Encarnação
Publicado em Costa do Sol Jornal, nº 169, 11-01-2017, p. 6.
 

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

As canoiras

            -- Casa de algarvio é fácil de reconhecer aqui em Cascais: tem favas no quintal! Algarvio não passa sem elas! -- perorava a sabedoria de Celestino Costa.
            E é verdade.
            Algarvio come favas duas a três semanas a fio. Já David Martins Dias o contou, em «Desafiando o Destino -- a história da minha vida» (Câmara Municipal de S. Brás de Alportel, Setembro de 2015), e eu tive ocasião de o confirmar no prefácio que escrevi para esse livro.
            Apanhadas as favas já rijas que se deixavam para semente, ficavam as canoiras, assim como pequenina floresta seca e enlutada. No milho também era assim: apanhávamos as maçarocas, guardavam-se as carepas para renovar o recheio dos colchões e as canoiras eternizavam-se na terra.
            Canoira é palavra nossa, algarvia; noutros lados, diz-se caneira. Esclarece o Dicionário do Falar Algarvio que deriva de «cana» e tem jeito essa derivação, dada também a aparência de colmo.
            Tive, porém, curiosidade de ir saber mais. O google só me apresenta Canoira como apelido de um professor da Universidade Politécnica de Madrid; e o Dicionário da Academia diz que se trata de «peça de moinho, em forma de pirâmide quadrangular truncada, que recebe o grão e o vai deixando cair regularmente sobre a mó para ser moído». Muito longe está, portanto, do termo popular.
            Uma eventual relação com o latim «canora», «canora», com alongamento liquescente do ‘o’, não se me afigura credível, porque, mesmo que a brisa ou o vento passasse, cantoria, ali, dificilmente se deixaria ouvir!... Fiquemo-nos, pois, pela derivação a partir de cana, em que o sufixo -oura terá, pois, uma conotação de diminutivo.

                                                                    José d’Encarnação

Publicado em VilAdentro [S. Brás de Alportel] nº 216, Janeiro de 2017, p. 10.

 

quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

A poesia serve-se à mesa!

           Chamava-se Parktime o bar de um dos parques da Marinha Grande e foi Daniel Matias o designer que concebeu toda a sua arquitectura e decoração. Quando lá estive, a 9 de Maio de 2006, com a minha querida Amiga Alice Inês, que ora me forneceu estes dados (bem hajas!), havia «poemas sobre o tempo no tampo das mesas e muitos relógios na parede, que marcavam o tempo do mundo». Sim, «poemas», qual forma bonita de dizer o que nos vai na alma, em palavras poucas, densas de conteúdo. Gostei.
            Anos atrás, quando a Câmara Municipal de Cascais tinha vereador da Cultura, celebrou com a Panisol um protocolo: o pão era metido em sacos de papel, que tinham por fora o poema de um dos nossos poetas. «Letras doces» / «A Paixão pela Leitura…» – assim se designou a iniciativa.
            Hoje, voltou a Poesia «despida», que se come depressa, terceto que, pelo seu ar inusitado, nos obriga, porém, a pensar. Exemplifico com um do mais recente livro de Carlos Carranca («o fogo o tempo e as cinzas», p. 63):
            – Chá?
            – Prefere café?
        – Talvez um murro sobre a mesa!
            E a gente suspeita a violenta opção pelo murro, em vez da doçura dum chá ou dum café…
            O certo é que, mui sorrateiramente, a poesia serve-se à mesa. Já se disse das frases bonitas, cheias de poéticas imagens com que nos apresentam os vinhos:
            «Aroma rico e cheio a frutos em passa, compota e caramelo, com ligeira adstringência, equilibrado, de taninos suaves e aveludados, com corpo, onde se nota o carácter frutado e ligeira evolução, que se prolonga no final da prova».
            Aroma rico, taninos aveludados… Poesia, claro, à maneira de Cesário Verde, que guindou a poéticas as coisas do quotidiano.
            E, agora, nessas ementas ditas gourmet (galicismo evitável, mas já internacional, acho que ‘guloso’ dava mais requinte), veja-se o que me enviaram, não sei se inventado, se real; que tem poesia, isso tem:
            «‘Crevette grisée’, envolvida em molho bechamel, com pequenos apontamentos de salsa frisada australiana, na sua cama de massa fina, banhada em pão ralado crocante e confitada em óleo vegetal».
            Quem me enviou, acrescenta que, na lista, é de 15 € o preço desse… rissol de camarão, saboreável (por um euro!...) na tasca da esquina.
            Mas digam-me lá: tinha algum jeito escrever prosaicamente «rissol de camarão»?...

                                                           José d’Encarnação

Publicado em Renascimento [Mangualde], nº 699, 01-01-2017, p. 11.

terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Cais Oeste - Para onde podemos fugir?

A kalashnikov
            Termina no próximo domingo, dia 8, a série de representações que o Teatro Experimental de Cascais está a levar a efeito, desde 30 de Novembro, da peça «Cais Oeste», do dramaturgo francês Bernard-Marie Koltès (1948 - 1989), no Teatro Municipal Mirita Caismiro. A peça foi escrita em 1983 e o Teatro Experimental de Cascais já teve ocasião de apresentar, há cinco anos, uma outra peça deste autor, «Robert Zucco», datada de 1989.
O rico desalentado
            Como é natural, o texto reflecte não apenas a existência – não muito feliz – do autor, que morre aos 41 anos vítima de SIDA, mas também, e muito especialmente, o seu olhar crítico, diria devastador, sobre a sociedade que o rodeou, dominada pelo capital, de que há todo o interesse em fugir, mesmo que para isso seja necessário despojarmo-nos do relógio Rolex de alto preço, do isqueiro Dupont de ouro, do anel, dos botões de punho: «Onde se apanha o barco?». «Não me chateies com essa história do dinheiro!». «Cheira tanto a dinheiro!». «A culpa disto tudo é as rendas baratas!». «Tudo acabou. Não resta nada! Nem o mais pequeno sonho em parte nenhuma!».
            Há um pretinho enigmático (Djucu Dabó) que perpassa pelas cenas sem uma palavra, comovendo-se agora, fazendo-se indiferente depois e é ele quem, no fim, com uma kalashnikov, põe termo à vida de vários personagens. O destino inexorável? O oprimido que não ousa sequer falar? «Negro, não passas de uma bosta!», alguém vitupera. Mas não é.
Teresa Côrte-Real e Luiz Rizo
            Teresa Côrte-Real e Luiz Rizo compõem um magnífico casal de anciãos, que constituirá bom pretexto para se falar da velhice e das suas angústias: «Estou farto de ser velho!». «Eu nem te estou a tocar, velho imbecil!». Por outro lado, um jovem tenta, a todo o custo, insistentemente, seduzir e levar «lá para dentro» a menina, que tem dificuldade em resistir. Pincelada de gerações vigorosamente contrastada.
            Escreve Miguel Graça, responsável pela dramaturgia de Cais Oeste:
            «Num mundo corrompido, onde a afectividade foi substituída pelo comércio (o deal, como ele lhe chama) há um homem que decide morrer e uma mulher que o acompanha, mas não sabemos quem guia quem, nem sabemos como foram ali parar, a esse espaço amplo e ao mesmo tempo claustrofóbico que serve de cenário para uma luta constante ente as diferentes personagens que o habitam».
            E o cenário é, como Carlos Avilez já nos habituou, minimalista: uma cadeira acolchoada a simbolizar o bem-estar, dois bancos sólidos, pregados ao chão. Tudo rodeado de folhas secas, outonais, a sugerir desagregação, langor… Ao fundo, ampla janela por onde nos apercebemos do nascer e pôr do sol…
            «Os cães rebentaram o silêncio da noite», declara um personagem, como se preferisse que o silêncio se mantivesse e cães não houvesse. O certo é que há noites – e nós preferiríamos pensar em arrebóis. Há silêncios – e nós gostaríamos que mais falas houvera. Há cães raivosos – e nós ansiamos por que todos passem, novamente, a ser tratados como pessoas!

                                                                       José d’Encarnação

Publicado em Cyberjornal, edição de 03-01-2017:
 
Nota: Fotos de Ricardo Rodrigues (página do Teatro Experimental de Cascais).