Uma conversa
telefónica
De
vez em quando, há uma surpresa! Não que seja o acaso a no-la proporcionar, mas
porque a oportunidade surge e nós nos decidimos a agarrá-la!
Vidas
há por toda a parte que merecem ser contadas, nomeadamente aquelas em que o espírito
positivo e a vontade de ultrapassar barreiras à primeira vista intransponíveis
podem constituir exemplo, numa altura em que – demasiadas vezes! – nos contam
também histórias de quem espera pachorrentamente que o maná lhe caia do céu,
que os currículos enviados em série sem sequer se ter uma ideia exacta do sítio para onde se mandam, porque o
que interessa mesmo é mandar!... «Estou farto de mandar currículos para todo o
lado e… nada!».
A
surpresa para mim veio da conversa com uma amiga cascalense, que, também ela,
muito tem logrado ultrapassar. Perguntei-lhe pela descendência, como é conversa
habitual para os que já se encontram na curva descendente. E disse-me da
Catarina, sua filha, nascida em Lisboa, mas cascalense desde sempre, uma…
aventureira!
– Aventureira?
–
Sim, imagina!
Em
traços largos me contou. E eu decidi não deixar escapar a oportunidade e meti
conversa com a Catarina, que dá agora pelo nome de Cata ou Cat e, para os
colegas de trabalho, «Cat on set»!
–
Vamos lá, Cat. Conta-me então como foi.
«Eu queria ser médica!»
–
Pois eu o que queria era ser médica, porque ajudar os outros sempre me
fascinou. Quando tinha 10 anos, comecei a jogar ténis. Começou como um hobby, mas rapidamente se tornou na
minha vida. Durante 6 anos, joguei ténis de alta competição.
Sempre fui boa aluna, mas o ténis era o que eu gostava de fazer. Passava todo o
meu tempo nos courts; mesmo assim,
consegui uma média altíssima, o que me permitiria entrar em Medicina; mas, na
verdade, esse meu sonho de pequena estava a perder forma… Aos 16 anos, quando
somos “obrigados” a escolher uma área, eu sabia que seria Saúde; mas, se não
era Medicina, o que poderia ser? Fisioterapia foi a escolhida. Durante o meu
percurso como atleta, passara muitas horas nos gabinetes de Fisioterapia por
motivo de lesão; era um ambiente a que estava habituada e, assim, poderia ligar
a Saúde ao Desporto. Formei-me, pois, em Fisioterapia, no ano de 2004, na Universidade
Atlântica.
O salto para… um mundo estonteante!
–
Sentiste-te bem nessa área, satisfazias
os teus dois objectivos: o ténis e a ajuda aos outros, onde, imagino eu, não
apenas tratavas da parte física, mas também ensinavas que, para amparar o
físico, o espírito, o dinamismo, o não esmorecer constituem uma terapêutica
imprescindível. Estavas nas tuas sete quintas, como se costuma dizer…
–
Sim, poderia estar, se eu não estivesse sempre a magicar novidades. E, de
facto, passados alguns anos a trabalhar na área da Fisioterapia, decidi experimentar
uma coisa completamente diferente: a Publicidade!
–
Publicidade?
–
Sim, tem tudo a ver com a vontade de ir mais além, de promover…
–
E a oportunidade caiu do céu ou foste tu
à procura dela?
–
Ora aí é que começa a correria! Houve, outro dia, a maratona de Lisboa, não
foi? Pois eu creio que, a partir do momento em que peguei no telefone, a
corrida teve início, assim com um tiro de pistola, sabe como é!... Encantava-me
o trabalho de produção. Imaginava a
adrenalina de estar num set, o ‘fazer
acontecer’, o stress sadio de noites
sem dormir, a gravar…
–
Espera aí: essa ideia
surgiu-te assim do nada?
–
Propriamente não: eu já ensaiara algumas experiências a brincar, conhecia
algumas pessoas dentro dessa área da publicidade, isso bailava-me na mente e
apetecia-me tentar uma reviravolta de 360 graus.
–
Pegaste então no telefone e…
–
Larguei tudo, fiquei mesmo sem trabalho e liguei para a Elisa de Paula: «Elisa,
preciso que me dês uma oportunidade! Põe-me dentro de uma produção, arranja-me qualquer coisa. Não preciso que me
pagues, não quero cachet, quero é aprender,
quero dar tudo o que tenho cá dentro. Se gostarem, de mim, perfeito! Se não
gostarem, agradeço-te o voto de confiança!».
–
E a Elisa proporcionou-te a oportunidade…
–
Proporcionou. Estive dois dias integrada numa equipa, com pessoas que não
conhecia, num ambiente de loucos, sempre com o nervosismo à flor da pele, mas
com a certeza de que era mesmo aquilo que eu queria fazer nos próximos anos de
vida.
–
Uma primeira experiência bem positiva,
portanto!
–
Sim, correu tudo bem e, desde esse dia, nunca mais parou! Já trabalhei durante muito
tempo como assistente de produção (freelancer) nas melhores produtoras
nacionais e com os melhores profissionais dentro da área, sempre (é curioso!)
com o sentimento que saltava de produção
em produção: o de «estar em casa!».
–
Corrias, porém, o risco de essa situação se manter, sem possibilidade de ires mais além!
–
Um risco calculado, claro. O certo é que ganhei a confiança de alguns chefes de
produção, que me começaram a dar ainda
mais responsabilidades e a chamar-me
para desempenhar cargos com maior visibilidade.
–
E o bichinho continuou a morder…
|
Em Venice (Los Angeles),
com um dos murais de Vhils como fundo |
–
Pudera! O bichinho pela área começava a crescer cada vez mais! Um dia, ao
voltar de uma viagem aos Açores, estava eu ainda no aeroporto, toca o
telemóvel: era o convite de uma produtora com quem eu nunca tinha trabalhado!
Uma pergunta simples: ¿estás disponível para começar amanhã uma produção para uns americanos que vão estar em Portugal a
filmar durante uns dias? Pensei em dizer que não, uma vez que estava a retornar
do que me parecera o paraíso e já havia outra produção
em vista…
–
Mas, aventureira como és, claro que
aceitaste!
–
No dia seguinte, pelas 8 horas da manhã, lá estava Cat on set! A equipa era muito grande, portugueses e americanos,
numa produção um pouco diferente das
que eu já houvera visto e trabalhado. Situação
diferente e um «Ainda bem que aceitei!» sempre presente!
80 águas de coco frescas… já!
–
Uma vida também sempre diferente, Catarina,
e, decerto, com muitas peripécias e casos a resolver urgentemente e à última
hora.
–
Eu conto. Um dia, ao filmarem no Elevador da Bica, em Lisboa, a produtora
americana, que começara a fazer os pedidos mais estranhos, quis 80 águas de
coco frescas! Dizer que, em pleno mês de Julho, com um calor intenso em Lisboa,
à volta de 40 graus naquele Verão, é difícil satisfazer um pedido tão
específico… é pouco! Não tinha tempo para pensar muito e, portanto, desatei a
correr, só com um «como?» e um «onde?» na cabeça. Nisto – a sorte protege os
audazes! – dou com uma loja que tinha expositor de sapatos orgânicos e outras
tantas coisas vegan, biológicas. «Por acaso, não tem águas de coco?... 80?...
Frescas?...». «Por acaso, tenho e estão frescas!». Assim contado, até parece
simples estar no sítio certo à hora certa, parece fácil, mas deixa um rastilho
de trabalho para trás! 80 águas frescas em dois sacos que achava que iam
rebentar a qualquer segundo, e a uma velocidade-torpedo para voltar ao local de
filmagens e entregar as ditas à produtora, Emilie Muller, a americana a quem
chamavam de boss. Ela, muito curiosa,
a olhar atentamente para os sacos, abre de seguida uma lata e solta um «Like it!».
–
Um alívio, claro!
–
Pudera! Não imaginava que alguma vez pudesse vir a ser testada pela qualidade da
água! Mas este «like it!» soube-me mesmo bem! Acontece, porém, que nem tempo
tive para conseguir recuperar o fôlego da ‘maratona-águas-de-coco’! É que novo
pedido exótico surgiu, debaixo de uma Lisboa merecedora de uma sombra: 50
barras de chocolate, com 90% de cacau, de sabores vários, à excepção de morango e baunilha!
–
Mais uma prova de força e nova ida à loja
milagrosa, não?
–
Exacto, porque eu já sabia que também tinha barras de chocolate. Dei comigo a pedir
a todos os santinhos para que fossem de 90% cacau e... «jackpot!»: o senhor
tinha tudo! Para mim, foi o herói do dia!!!!
E tem sido um correr mundo!…
–
Tudo se facilitou depois, como é natural.
–
A partir desse dia, a produtora americana, a «boss» Emilie Muller, fez questão em
que a presença de ‘Kate’ fosse mais assídua on
set e o resultado dos dez dias de filmagens não me poderia ter surpreendido
mais. Assim, comemorava-se num hotel o final das filmagens, quando, a dado
momento, me chamaram para uma reunião, numa sala ao lado. As duas produtoras
executivas americanas. «Tens o teu passaporte em dia? Gostávamos que continuasses
a trabalhar connosco, mas terias que ir para Marrocos amanhã!
– E foste.
–
Fui. Sem pensar muito e sem palavras que possam descrever o momento em que
sentes a tua vida a mudar, com todas as células do corpo. No dia a seguir e no
avião rumo a Marraqueche, era como se eu tivesse tirado o passaporte para o
resto da aventura. Seguiram-se Los Angeles, Nova Iorque, Nova Orleães, Carolina
do Norte, Madrid, Barcelona, Macau, Singapura, Tailândia, Hong Kong…
– E agora, que é feito de Catarina Ribeiro
Pires, nascida oficialmente em Lisboa, mas nada e criada em Cascais?
–
Cat ou, como lhe chamam quando está lá fora, Cat on set, prepara uma produção que passará novamente pela Ásia, mas, desta vez,
Bali e Tóquio são as cidades escolhidas, e prevê que a sua estada em Nova
Iorque se prolongue por mais algum tempo. Neste momento, faz direcção de produção
na cidade «que nunca dorme» e o seu sonho…
– Sim, continuas a sonhar?
–
O meu sonho é voltar a Portugal, estar à frente de uma produtora internacional
e conseguir aplicar as minhas convicções ambientais e sociais em todos os meus
trabalhos. Acredito que podemos mudar o mundo e devemos fazê-lo em todas as
valências da nossa vida.
Entrevista conduzida por José d’Encarnação
Publicada em Cyberjornal, edição
de 22 de Março de 2019:
|
Entrevista para o documentário de uma amiga |
|
Um instantâneo de Brooklyn (Williamsburg), onde tem residência |