Considerei
a expressão «chamar nomes». Usamo-la com frequência, mas só agora é que atentei
no seu real significado pejorativo. É que esses «nomes» em questão se enquadram
no rol dos nomes… feios!
E,
por isso, como ora, em vez de «O Venturoso», «O de Boa Memória», «O Príncipe Perfeito»
se prefere «esclavagista», «racista» e quejandos, lembrei-me da importância do
nome. E vi a bruxa que, em tempos, se aboletara a fim de massacrar um inimigo:
escrevera o nome dele a letras de sangue na almofada e, de agulha em punho,
picava-o sem cessar, em transe, de rezas satânicas ciciadas… Massacrado o nome,
destruía-se a peçonha e o alacrau não voltaria a ser o mesmo!
Damnatio memoriae |
Pois.
«Nada de novo sob o Sol», nem mesmo nesse jeito de se atribuírem os feitos –
bons ou maus – a uma pessoa, sem ter em conta o contexto em que viveram. Foi lá
o D. Afonso Henriques quem conquistou Lisboa? Foi o treinador quem perdeu o
jogo? Enfim, o que importa é facilitar e, para o mal, como o povo hebraico (e
lá voltamos nós à Bíblia!...), encontrar um bode expiatório, que carregue todos
os pecados!... Aguenta-te, ó bode!
O
nome, que nos individualiza. «Quero nomes, ouviste?» – e a polícia política
tudo fazia para os extorquir. «Quero nomes já!...». E mais um pontapé!...
Voltemos,
então, aos Romanos. Deixaram-nos, por exemplo, as inscrições onde quiseram
perpetuar a memória. E enquanto nós, eventualmente por decoro ou para
simplificar, mandamos gravar no epitáfio uma frase comum «eterna saudade de seu
marido e filhos», os Romanos não estavam com meias-medidas e ordenavam que se gravasse
também o nome do encomendante: «Júlia Amena, a expensas suas, mandou fazer».
Decerto a ideia seria que também ela, a Amena, um dia iria ser sepultada com o
marido. E, assim, antecipava-se.
Para
nós, epigrafistas, esta forma de a pessoa se identificar na pedra assume
importância capital, porque desta forma se denuncia o estatuto social: se escravo,
se liberto, se cidadão romano e donde, se pertencente à ordem equestre ou
senatorial. Quando subiu ao trono, o imperador Augusto decidiu como é que se havia
de chamar oficialmente. Um cardeal, quando eleito papa, escolhe o nome que
detém para ele um significado maior.
Não
resisto ainda, nesta ordem de ideias, a falar da – como é que se diz? –
categoria profissional. Não é bem isso, mas serve. No Brasil, toda a gente é
doutor; em Coimbra, também. Quem sai licenciado do Técnico, tem de ser
engenheiro. Quando assinei o primeiro ofício após o doutoramento, pespeguei ‘doutor’
com todas as letras por baixo da assinatura. Houve logo alguém que lhe plantou
um ponto de exclamação. E eu
aprendi. Daí prá frente é sempre só o nome e… pronto!
José d’Encarnação
Publicado em Costa do Sol Jornal (Cascais), nº 324, 2020-07-29, p. 6.