Nem sempre damos valor aos que estão ao pé da porta. Lembrei-me, por isso, de referir três escritoras cascalenses por adopção. Porventura, porque – não sendo ases do desporto dignos de alguns minutos nos ecrãs televisivos… – por aqui vão escrevendo sem alardes: Júlia Nery, Maria Helena Ventura e Pepita Tristão. Não para tecer considerações globais sobre a sua actividade literária, mas na intenção de aludir tão-só a dois ou três traços do perfil de cada uma.
Júlia Nery faz gala das suas «raízes beirãs», embora natural de Lisboa. Cedo veio para Cascais, onde, nomeadamente na «Polivalente», foi professora de Português. Pioneira em dois campos da literatura portuguesa:
– na abordagem das questões relacionadas com a emigração portuguesa para França nos anos 60, com o livro Pouca Terra… Poucá Terra…, de 1984, e nessa linha, está o seu recente romance, Ei-los que Partem, de 2017, sobre a nova emigração que o programa ERASMUS sem dúvida potenciou;
– e na chamada de atenção para a coragem do cônsul Aristides Sousa Mendes, com o romance O Cônsul, de 1991, que Claire Cayron haveria de traduzir para francês (La Résolution de Bordeaux – 1993).
Helena Ventura, natural de Coimbra, também se radicou em Cascais. O romance histórico será, creio, o género que mais lhe agrada, contando-se por uma mão-cheia as obras com que, nesse domínio, nos brindou. Centrando-se na personagem escolhida, acaba por mui cuidadosamente e com rigor a integrar na época. Cito a mais recente, Minha Irmã Luísa Todi que o musicólogo Doutor José Maria Pedrosa Cardoso apresentou, a 9 de Novembro, no Castelo de S. Jorge, por ser esse um local ligado à vida desta mui notável – e quase esquecida – cantora lírica portuguesa. Natural de Setúbal (1753), Luísa Todi percorreu as grandes salas de espetáculo europeias. Viria a falecer em Lisboa no ano de 1833. E se refiro estas datas é porque abrangem, por exemplo, o terramoto de 1755 e suas consequências bem como a implantação do liberalismo em Portugal, circunstâncias históricas que dão azo à romancista para nelas inserir a vida da sua biografada, ainda que, ressalve-se, não é de biografia que se trata, mas sim de um romance engendrado a partir de mui aturada pesquisa biográfica. Helena Ventura prima pela arte de bem escrever e, amiúde, somos surpreendidos a ver-nos realmente no ambiente descrito.
José d’Encarnação
Publicado em Costa do Sol Jornal (Cascais), nº 327, 2020-10-28, p. 6.