Não
há museu dominante na minha memória. A palavra traz de imediato e de supetão
uma caterva deles e há que dizer-lhes: «Esperem aí um bocadinho para eu arrumar
ideias!».
O
primeiro, sem dúvida, o Museu-Biblioteca dos Condes de Castro Guimarães, o da
minha juventude. Não só pelo ar de casa senhorial que sonhadoramente se desprendia,
romântico, daquela fortaleza, ao pé daquela língua de mar plantada, mas porque
sabia bem, pelas tardes frias, sentir o calor fagueiro daquela lareira na sala
de leitura, onde se estudava pelos livros que só ali se podiam encontrar. Guardo
ainda, religiosamente, os dois cartões de leitor: o da biblioteca fixa e o da
móvel. Mensalmente a carrinha parava ao pé de minha casa, num lugarejo dos
arredores da vila, e ali me deixava Júlio Verne, Emílio Salgari. Júlio Dinis, «As
Vinhas da Ira», «Olhai os Lírios do Campo», as grandes biografias…
O
segundo, o do Mar, também de Cascais, por me haver empenhado a fundo na sua
criação. Se se proclamava ser «terra de reis e pescadores», os reis haviam partido,
mas a tradição piscatória urgia preservá-la! Senhora dos Navegantes, Nossa
Senhora de Porto Seguro –integravam os seus templos a paisagem histórica da
vila.
O
terceiro, o da minha terra natal: o Museu do Traje de S. Brás de Alportel. Só bastante
mais tarde dele tive conhecimento; hoje, não me canso de o admirar, pela
distinta e pioneira concepção museológica de que o seu responsável, Emanuel
Sancho, o impregnou: arquivo das memórias locais, sempre pronto a acolhê-las; ponto
de encontro da comunidade local, a indígena e a estrangeira que escolheu S .
Brás para viver. Ambas sentem o museu como seu, o ponto de encontro
privilegiado!
Importa, porém,
escolher um para a visita de hoje. Escolho o Museu Verdades de Faria. Na
verdade, visitá-lo proporciona sempre uma viagem. Fugimos ao corrupio
quotidiano e de pronto nos embrenharmos noutra dimensão.
Sim, surpreende-nos
o seu ar apalaçado, altaneiro, Torre de S. Patrício lhe chamaram os primeiros
proprietários. Contudo, situado numa encosta quase no topo norte da Av. Saboia,
em pleno coração do ridente Monte Estoril, romanticamente integrado, também ele,
em parque de frondosas e mui variadas árvores, o edifício convida mesmo àquele sossego
de saborear a vida, na vontade de que os minutos escorram lentos, no embalo do
gorjeio de pássaros e de fontes, na concha abrigada dos recantos de que o bom gosto
de princípios do século XX sabia entretecer a vida.
Nasceu a casa
do pensamento artístico de Jorge O’Neil, o mesmo arquitecto que gizara a dos Condes
de Castro Guimarães. Mas, enquanto ali é o mar que importa, aqui, arejada pela
brisa da serra, do alto da torre a vista se espraia pelas lonjuras do estuário
do Tejo até ao dorso da Serra da Arrábida, a morrer no Cabo Espichel…
Por disposição
testamentária de Henrique Mantero Belard, aceite na sessão de 24 de fevereiro
de 1975 da Comissão Administrativa do Município de Cascais, o imóvel passou a ser
municipal, na condição de ali se fazer casa-museu com o nome da esposa do doador,
Verdades de Faria. O parque anexo, de 5000 metros quadrados, transformado em
jardim, seria para mui serena fruição por parte da população.
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Uma casa que vale por si!
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A casa vale
por si. Azulejos de rodapé, com as habituais cenas do quotidiano em praticamente
todas as salsa; aquela singular casa-de-banho em que, mesmo entrando, só a
custo se descobre onde está a sanita; os azulejos distorcidos a acompanharem quem
sobe a escadaria; o bucólico e fresco pátio interior, com sua fonte a meio, num
convite à leitura e à meditação…
Optou-se por
aí se erguer o Museu da Música Portuguesa, sobretudo porque a Câmara adquiriu o
espólio de Michel Giacometti, o conhecido etnomusicólogo que escolhera Cascais para
viver, espólio que Fernando Lopes Graça não hesitou em enriquecer cedendo o
seu. Dois legados ímpares!
Não admira,
pois, que paulatinamente duas linhas de actuação se hajam imposto: centro de investigação
de Musicologia e, por outro lado, os saraus musicais, os concertos, os
encontros musicais passaram a fazer parte da sua imparável programação.
Assim, às
melodias que, ao longo dos séculos, homens sábios souberam compor para nosso deleite
e deles, unem-se agora, com frequência, as que às aves do parque o Criador maravilhosamente
soube ensinar.
Não enjeito
(longe de mim!) os outros três museus; compreende-se, no entanto, que a visita
pausada ao Verdades de Faria – para uma exposição, para um concerto ou, até,
para saborear os acepipes de um ‘pôr-do-sol’ a rematar encontro científico ali
realizado – seja de me encher as medidas!
José
d’Encarnação
Publicado na revista
Zeus (V. N. Gaia), Ago/Set 2022, p. 70-71
. Na rubrica «Museus da minha memória».
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Sanfona - que foi peça do mês
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Uma das muitas iniciativas do museu
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