«– Será do seu
António, será – respondeu o insensível funcionário. – O que lhe posso dizer é
que traz obreia preta.
A mulher, que
já tremia ao receber a carta, deixou-a cair, ouvindo aquelas sinistras
palavras.»
Muitos se
lembrarão desta passagem d’A Morgadinha dos Canaviais, de Júlio
Dinis. Uma das cenas mais bem descritas, mais emotivas e mais reais duma aldeia
em que a comunicação com os entes queridos era por carta, muito de longe em
longe. Carta que, para obter resposta, necessitava da ajuda do menino ou da
menina que lograra estudar até à 4ª classe e sabia já os trâmites «Meu saudoso
Jorge, estimo que estas regras te vão encontrar com saúde; nós por cá bem
felizmente».
Ainda mexe
também com muitos de nós o «Postal dos Correios», de Rui Veloso, música singela
mas tocante dos Rio Grande: «Querida mãe, querido pai, então que tal? Nós
andamos do jeito que Deus quer». Neste caso, não a emigração para o Brasil ou
para Franças e Araganças do tempo de Júlio Dinis, no século XIX, mas a vinda da
província para a cidade a partir de meados do século XX. Para já se não falar
dos aerogramas da guerra colonial, entre 1964 e 1974…
Agora, o
telemóvel, a videochamada galgam fronteiras, matam saudades, num abrir e fechar
de olhos. De vez em quando, porém, os que já levamos algumas décadas de vida
– somos
capazes de ficar sensibilizados, ao ver, em Londres, os marcos de correio como
eram os da nossa meninice;
– somos
capazes de, ao ter de escrever correcto e bem visível o código postal, nos
lembrarmos que, na década de 50, bastava pôr o nome e «Lugar de Birre –
Cascais» e o carteiro conhecia todos os moradores do lugar e sabia bem onde
entregar, mesmo que fosse na taberna, que o destinatário vinha buscar;
– somos
capazes de compreender quanto era doloroso para o Domingos Barradas, de 7
aninhos, para ganhar uns tostanitos com que ajudava a sopita, palmilhar,
descalço, todos os dias da semana, os 7 quilómetros entre a Vendinha e
Montoito, carregado com os sacos do correio (como era bom ter boleia da carroça
que adregasse passar!...);
– somos
capazes de recordar que, na Linha do Sul, se podia tomar, à noite, o
comboio-correio, do Barreiro a Vila Real de Santo António, com mais demorada
paragem na Funcheira, estação ainda hoje lembrada (mas, infelizmente, só
lembrada!) como «ponto de junção das linhas oriundas de Setúbal, do Algarve, e
do eixo Évora-Beja».
José
d’Encarnação
Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 868, 15 de Agosto de 2024, p. 10.