Quando vou ali abaixo dar restos de comida a dois canitos de nossa estimação, há um deles, o mais pequenito, que, com medo de não apanhar nada, dá em abocanhar tudo o que pode e foge para um canto. O outro, bonacheirão, não faz mal a uma mosca e ambos poderiam banquetear-se com o que eu lhes levo; mas o pequenitote, ná, tem medo e quase se engasga.
Quase nos engasgamos muitos de nós, ao pequeno-almoço, ao almoço e, se calhar, até ao jantar, tão depressa queremos voltar às tarefas que deixámos a meio… Tudo a correr. De pé, ao balcão, como há muito canta o Rodrigo, sem se apreciar o cheiro dos coentros ou o sabor dos rabanetes…
Surgiu-me o tema não só porque, se calhar, até muitos de nós nem tempo tivemos para saborear em família a ceia de Natal ou o almoço dos dias festivos, mas também por me haver caído, aquando das arrumações, o recorte do artigo publicado pela nutricionista Ana Carvalhas (abcarvalhas@gmail.com) no Jornal do Centro (Coimbra), a 5 de Dezembro de 2007, a noticiar a realização de um jantar slow food.
Aproveitou, aliás, o ensejo para dar a conhecer a existência da organização «Slow Food», «representada por um pequeno caracol», iniciada, vai (agora) para 24 anos, em Itália, por Carlo Petrini. O movimento visa proteger «identidades culturais ligadas a tradições alimentares e gastronómicas; defende alimentos e comidas que possam estar em extinção devido à sobreposição das práticas industriais relativamente às artesanais». Pugna pela biodiversidade e manifesta-se contra a manipulação genética.
Quando, meses atrás, vimos que as nossas gentes se estão de novo a entusiasmar pela apanha de cogumelos silvestres, por exemplo; quando ouvimos enaltecer a sopa de poejos ou um bom caldo de cardos; quando sabemos que, pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 96/2000, de 26 de Julho, «a gastronomia portuguesa» foi considerada «como um bem imaterial integrante do património cultural de Portugal»; quando vemos por aí pulularem os fast food – compreendemos como Carlo Petrini tem razão!
José d'Encarnação
Publicado em Jornal de Cascais, nº 203, 19-01-2010, p. 6.
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