terça-feira, 9 de março de 2010
Uma ode heróica para não esquecer
Há investigações assim: transportam-nos a outras eras, numa comunhão com os seus heróis, ressuscitados em toda a sua pujança de seres humanos que labutaram, sofreram, viram crescer uma obra, dela se sentiram orgulhosos e, hoje, dela nos dão testemunho…
Essa, a sensação forte que em nós perdura depois de lermos as densas páginas que João Orlindo Marques escreveu, a propósito de um empreendimento hercúleo, eriçado de espinhos e abrolhos… Sobre os carris, os homens empurram pesados vagões com os blocos de granito… Um caminhar difícil. Uma casa, uma casa de luz! Pioneira em muitos dos seus aspectos, aninhada nas quebradas da serra antiga, vivendo das águas que se canalizam e se domam…
Percurso com altos e baixos, mas sempre impregnado de muito sonho e de muito esforço; as vicissitudes; os inesperados contratempos quase insuperáveis e os braços a perderem força anímica… Os objectivos, alfim, atingidos em pleno, na criação de uma comunidade orgânica que se sente bem, irmanada nas tarefas úteis do dia-a-dia… e que, um dia, acabou por fenecer e ali jaz, sentinela, à espera de melhores dias…
E recordações! Pois foi possível falar com quem calcorreou esses caminhos:
«Manuel Abrantes, um dos mais antigos e experientes trabalhadores da empresa reagiu da seguinte forma quando com ele falámos a respeito daquela obra: “Um cemitério de gente”!».
Era o túnel do Covão do Meio, de mui precárias condições de trabalho, «sem sistemas de ventilação e com iluminação a carboneto», «só se conseguiam voluntários graças aos salários muito mais elevados que ganhavam». Muitos aí pereceram, devido «à falta de ventilação da galeria e à iluminação utilizada».
João Orlindo não hesitou em lançar mão a toda a documentação disponível, que meticulosa e pacientemente recolheu e esmiuçou, de forma que a palavra ‘ressurreição’ que atrás deixei tem, aqui, pleno cabimento:
«A 4 de Junho de 1942, foram comprados 16 232$40 de grão e arroz; 4369$40 de feijão e colorau; 2394$80 de banha e toucinho; 1028$10 de açúcar».
«Fundamentamos algumas das nossas afirmações em fotografias da época com anotações feitas por António Marques da Silva. Foi sempre uma preocupação desse homem deixar testemunhos que, um dia, ajudassem a reconstruir o caminho percorrido pela EHESE. Em 1930, foram gastos em fotografias dos trabalhos da Lagoa Comprida 2329$00.»
Conta-se a história da Central e da Empresa. Mostra-se o enorme significado que teve para toda uma região. Explica-se que, sendo assim, é património a reabilitar, memória a deixar bem viva para os de agora e para os vindouros, cuja existência facilitada assenta, afinal, nesses amargos suores antigos a perlar rostos crestados pelo cansaço de muitas noites mal dormidas…
«Entre a vegetação espontânea, num local outrora ajardinado, resistem ao tempo e às mudanças o pilar onde se situava o botão da campainha e a placa indicativa da distância à Lagoa. Marcos a serem preservados pelo simbolismo que encerram.»
Vamos lá?
[Nota de abertura ao livro, de João Orlindo Marques, A Casa da Luz…Património Industrial da Senhora do Desterro, Serra da Estrela, Município de Seia – EDP Produção, Novembro 2009, p. 13.]
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