Porque haveria de me dar na veneta, agora, de dedicar crónicas a pessoas? Acto instintivo, de defesa, dir-se-ia, num tempo de menosprezo pelos valores humanos. Deve ser.
Docente de língua portuguesa (evito a palavra «professor», amaldiçoada pela governação…), Júlia Nery (Lisboa, 1939) sentiu a necessidade de, também pela escrita, dizer o que lhe ia na alma, partilhar o resultado das suas observações quotidianas pelo mundo das gentes com que tanto convivia, até por dever de ofício.
Docente que derrama, assim, pelos livros a experiência vivida, o sonho, a inquietação. Os seus estudantes – Na Casa da Língua Moram as Palavras (1993), O Plantador de Naus a Haver (1994); os jovens – Valéria, Valéria (1998), www.morte.com (2000); a necessária incursão pela História de Portugal – O Cônsul (1991), que seria traduzido para francês pela tradutora de Miguel Torga, com o título La résolution de Bordeaux (1993), e que marca o começo do interesse mais generalizado pela vida de Aristides de Sousa Mendes, Do Forno 14 ao Sud-Express com autos e foral (Câmara Municipal de Nelas, 1996), O Segredo Perdido (2005, tendo como cenário o terramoto de 1755), Crónica de Brites (a padeira da Aljubarrota, 2008)…
Ah! E os que se viram forçados a abalar!... Ontem. Como hoje. Não deixa, pois, de ser evidentemente natural que ora se dê especial relevo ao seu primeiro romance «pouca terra… poucá terra…» (1984), sobre o fenómeno da emigração para França, que termina com aquela frase lapidar de Leonor para Kathy:
«E depois, minha amiga Francesa, nós entraremos pelo vosso sangue, pela vossa Língua, pela vossa História, pelos vossos hábitos, que o português é semente que em qualquer terra dá fruto…».
Honra ao mérito!
Pouca terra... poucá terra está a ser objecto de leitura num curso do Professor José Costa Esteves na Universidade de Paris-Nanterre; e, em Maio, Júlia Nery estará nessa universidade para participar, com comunicação, no Colóquio Internacional “A Mulher Portuguesa na Diáspora”. Esse seu livro já foi objecto de comunicação num colóquio em Curitiba (Brasil) e está prevista a participação da autora, a 5 de Agosto, na Universidade de Brasília, numa mesa-redonda com escritoras brasileiras, no quadro do Seminário Internacional “Mulher e Literatura”. Ainda no mês de Agosto assistirá, na Universidade de S. Paulo, à defesa da tese de doutoramento da Profª Alleid Machado, intitulada "As personagens femininas de Júlia Nery: paradigmas e representações”.
Docente durante largos anos na “Polivalente” de Cascais, ora aposentada, Júlia Nery continua a viver em Murches. E fazemos votos de que por muito tempo – para dos seus ensinamentos lograrmos beneficiar!
Publicado no Jornal de Cascais, 23-03-2011, p. 4.
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