Fantasias
Vai longe o projecto profundamente inovador do Conde de Monte Real, que sonhou para esta área da freguesia de Cascais, nos primórdios dos anos 30 do século passado, um grande bairro residencial para famílias carenciadas (vide p. 21-24 do livro Recantos de Cascais, CMC, 2007). Só doze moradias se fizeram (o chamado Bairro Operário ou Bairro José Luís), de que o 1º renque, por desocupação e degradação, já a EMGHA, Gestão da Habitação Social de Cascais, EM, SA, demoliu.
O mato cresceu por ali durante anos; houve até um excêntrico sonhador que, sobre o leito da Ribeira do Cobre, afluente da Ribeira das Vinhas, construiu, ao lado da casa, bem alta torre quadrangular, aí de uns cinco andares. Dizia que era para, em momentos agradáveis – havia um compartimento em cada andar… – dali poder espraiar as vistas pelo mar…
A urbanização condicionada
A urbanização do bairro – chamava-se a zona ‘Barraca de Pau’ – na década de 60 procurou não criar anticorpos adormecidos, pois – repito – o terreno fora doado exclusivamente com objectivos filantrópicos. Deu-se, porém, «a volta ao texto», privilegiando-se as cooperativas de habitação e aos construtores dispostos a estabelecerem rendas condicionadas e a darem prioridade no arrendamento a funcionários públicos e, como então surgira a 1ª fábrica na freguesia, a empregados da Standard Eléctrica. Os lotes sobrantes, para sul, venderam-se em hasta pública, para moradias singulares, reservando-se o canto sudeste para pequenas indústrias. É por isso que aí se localizam um estaleiro naval, uma fábrica de meias, oficinas do ramo automóvel, o Centro de Distribuição Postal, o centro de inspecção automóvel, alguns equipamentos comerciais e, mais recentemente, a Clínica CUF.
Maldição?
No local da torre excêntrica, nada se construiu. Maldição temida? Seja como for, bruxarias não as houve, que se saiba, mas se por ali não paira alma penada… parece!
É que o urbanizador teve de deixar o terreno livre e aí preparou mui simpático campo de ténis, que, por falta de uso e de responsável, conheceu paulatina degradação, embora fosse sendo usado pela pequenada e pelos jovens do bairro para seu entretenimento de jogos e bicicletas. Até que, em Novembro de 2008, os moradores foram surpreendidos por um aviso, na Rua Mário Clarel: Não estacione, que vamos iniciar construção! Pergunta aqui, pergunta ali… era o Centro Municipal de Cidadania Rodoviária, que, no segredo camarário, para ali fora projectado pelo Departamento de Planeamento Estratégico. O quê? Cidadania Rodoviária? Alvoroço, movimentação, que é isto?!... E onde é que os nossos jovens vão jogar à bola, andar de bicicleta? Por que carga de água, aqui, um Centro Municipal de Cidadania Rodoviária de que nunca se ouvira falar? Interpelado, o próprio Presidente da autarquia, Dr. António Capucho, disse não estar ao corrente. E também Pedro Silva, presidente da Freguesia, desconhecia. Mui amavelmente, porém, a Presidência aceitou de imediato reunir com uma representação dos moradores; ouviram-se razões e decidiu-se que, na verdade, era melhor não. E logo dali saiu a preparação de novo projecto, cujas linhas gerais foram solicitadas aos moradores pela carta 026744, de 15-05-2009, os quais responderam a 30-06-2009. E encarregou-se dele a Agência Cascais Natura.
Dois anos passados, como nada de concreto se visse, o novo Presidente da CMC, Dr. Carlos Carreiras, aceitou reunir com os moradores, a 14 de Junho de 2011, onde foi apresentado o referido projecto elaborado pela Cascais Natura, sob coordenação do Sr. Arq. João Cardoso de Melo. Na sequência da troca de impressões, foram incorporadas no projecto as considerações dos moradores explanadas em memorando, após o que o assunto passou directamente para a CMC, na perspectiva de o implementar, deixando a Cascais Natura de estar envolvida.
E porque o processo estava – aparentemente! – em andamento, ninguém apresentou para o local qualquer outra proposta, no âmbito do Orçamento Participativo.
Da Natura à… cozinha!
Qual não é, porém, o espanto dos moradores quando, neste Carnaval, vêem funcionários da ESUC proceder à vedação de cerca de um terço do terreno em questão e se descobre a intenção de ali vir a ser instalada… uma cozinha!Claro: sucederam-se os e-mails para a Câmara, dado que – supunham os moradores – só podia ser brincadeira de Carnaval, depois do grande empenho de cidadania que tinham demonstrado ao longo deste processo, num concelho que se quer «elevado às pessoas».
Mais uma vez, porém, se concluiu que organismos camarários entraram por vinha vindimada, que isto é nosso e ninguém tem nada com o facto de querermos aqui instalar a Cozinha com Alma!... Ora toma!
Nenhum inconveniente nisso e até ficamos com a cozinhinha mais à mão, na perspectiva, que se avizinha, de termos de lá ir, de marmita na mão, buscar a sopa de cada dia. Tudo bem! Pampilheira é acolhedora, o sítio é simpático… Não fizera ali o vizinho uma torre de ver o mar?!... Os moradores sentem-se, todavia, frustrados, porque… mais uma vez se praticou a política do facto consumado. E é pena que também a nível local – e em Cascais! – se imitem comportamentos que repudiamos nos governos europeus. Hoje, que a comunicação é tão fácil e que a Internet até funciona…
Os nossos melhores votos para o êxito da Cozinha com Alma, já a funcionar uns duzentos metros mais acima, na Creche da Pampilheira, sem ser em leito de cheia…
[Publicado no Jornal de Cascais, nº 303, 29-02-2012, p. 6].
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