Esperava uns amigos, à saída da gare do Oriente em Lisboa. Abriguei-me sob a pala do hotel, dada a humidade da manhã.
Um jovem de cor entregava folhetos publicitários num local estratégico: o caminho para a passadeira. O pessoal acabava de sair do metro ou do comboio. Alguns ainda estavam a puxar do cigarro e nem sequer tinham mãos para receber o que quer que fosse. Boa parte estendia a mão, dava uma olhadela e levava. Poucos guardaram no bolso e muitos seriam os que acabariam por, civilizadamente, deitar o papelito no primeiro cesto de papéis que lhes aparecesse pela frente.
O rapaz nada dizia, não saía do sítio, não ia ao encontro das pessoas, limitava-se a estender a mão com o folheto. Quem quisesse recebia. Raro foi o «obrigado!» que ouvi quer da boca de quem recebia, quer da boca do rapaz quando alguém aceitava. Parecia-me um daqueles homens-estátua, com a diferença de que era… articulado e dava papéis. Uma cara de frete de fazer arrepiar as nuvens. A certa altura, até quis fazer uma estatística e cheguei à conclusão de que 1 em cada 6 passantes receberia o folheto. Eu estive ali entre as 9 e as 10 (os meus amigos atrasaram-se). E perguntei-me: será que o moço está aqui, ao frio e à cacimba desde as 8? Se calhar, está! O certo é que, um pouco antes da 10, rumou à estação e… não voltou. Pelo menos, nos minutos em que eu ali estive.
Ainda hoje recordo a cena, de vez em quando.
E fiquei a pensar com os meus botões: quanto lhe pagariam? Que pensamentos lhe atravessariam a mente, enquanto, em gesto mecânico, estendia o folheto numa oferta? Como entenderia o ar desagradado de quem não só lhe não dirigia palavra como ostensivamente lhe arredava a mão? Quantos, ao fim das horas que ali esteve, lhe teriam dado os bons dias ou, simplesmente, um sorriso?...
Publicado no quinzenário Renascimento [Mangualde], nº 591, 15-04-2012, p. 13.
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