sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Elogio ou elegia para uma agricultura maldita!

             Li esta nota num jornal do Algarve:
            «Licenciados em diversas engenharias apostam nas fileiras do abacate, mel, frutos vermelhos, citrinos, diospiros e floricultura. Deu-se uma viragem na agricultura no Algarve. Cerca de 500 jovens, nos últimos sete anos instalaram-se no meio agrícola. A nova geração de jovens agricultores é mais dinâmica e tem facilidade em aceder a apoios comunitários».
            Este, o elogio; esta, a esperança; este, mui provavelmente, o futuro.
            E recordo, obviamente, como os agrónomos e os poetas latinos se não esqueceram, em tempo de dificuldades, de chamar a atenção para este necessário ‘regresso à terra’, a terra-mãe, que pode retribuir 100 por 1 e dar de comer e produzir riqueza. Assim deveria ser.
            ‒ Tenho uma nogueira enorme. Carregada! Não lhe dou vazão nem a apanhar as nozes nem, depois, a consumi-las. Pus a hipótese de as vender no lugar da aldeia. Não posso. Tenho de me colectar nas Finanças como produtor, tenho de passar guia, factura, recibo. A senhora do lugar tem de ter tudo isso à mão, não vá aparecer um fiscal e… adeus aproveitamento das nozes! Por isso, deixo-as na árvore. Apodrecem que é um dó d’alma. De pouco me serve a nogueira. A não ser para ter dores de cabeça, quando penso nisso e no que por esse País deve acontecer de igual…
            E vimos, nos primeiros dias de Fevereiro, como os pequenos agricultores se queixaram, pelo interior do País. Uma agricultura de pouco mais do que de subsistência, para consumo familiar e para, com os parcos excedentes, se fazer algum dinheiro que complemente pensões barbaramente amputadas.
            ‒ Mas, menino, isso é economia paralela! É fuga ao fisco! É não querer contribuir para o bem-estar geral! Não estás a ser patriota.
            Não, não estou. Sei que visceralmente não estou. Nem quero estar, porque fuga ao fisco não é esta que nos mata, mas as dos milhões de que todos os dias temos conhecimento. E com essas ou se gastam mais uns milhões em longos processos judiciais que não levam a sítio nenhum ou, estrategicamente, se deixam prescrever. O pequenino, a senhora do lugar em frente da casa do meu amigo, não tem muito por onde fugir e facilmente se agarra. E esta é a elegia para uma agricultura maldita!
 
Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 634, 01-03-2014, p. 11.

Ainda a homenagem ao Padre Miguel Barros

           Quiseram os responsáveis pelo Boletim Salesiano, órgão da Família Salesiana, associar-se à homenagem prestada ao Sacerdote, ao Desportista e ao Educador, o Padre Miguel Barros, docente na Escola Salesiana do Estoril e o grande impulsionador do hóquei em patins, a nível local e nacional. Permita-se-me, pois, que integre aqui o meu texto aí publicado (edição de mar/abr 2014, pág. 34):
           
            Por iniciativa da Junta de Freguesia Cascais – Estoril, foi dado o nome do Padre Miguel Barros a um arruamento do Bairro Mira-Golfe, perto do Centro D. Bosco (dos Antigos Alunos Salesianos do Estoril), e na confluência com ruas que têm nomes ligados à Congregação Salesiana: Madre Maria Mazzarello, Laura Vicuña, S. Domingos Sávio...
            Após o descerramento da placa, pelas 16.30 h. de ontem, dia 30, tomou a palavra o presidente do Município, Carlos Carreiras, que foi aluno do Padre Miguel e que evocou a sua personalidade de docente rigoroso e justo e de treinador empenhado. O Provincial dos Salesianos, Padre Artur Pereira, agradeceu, em nome da Congregação, a homenagem e salientou que o Padre Miguel se caracterizou pela competência, pela frontalidade e pela dedicação. Pedro Mota Soares, Ministro da Solidariedade, também ele antigo aluno do Estoril, recordou o exemplo do sacerdote e do educador. Por fim, Pedro Morais Soares, que preside à Freguesia Cascais – Estoril, louvou-se nas palavras dos oradores antecedentes e manifestou o seu regozijo por ter sido possível prestar esta homenagem naquele local pleno de simbolismo.
            Estiveram presentes inúmeras individualidades, em representação das autarquias (nomeadamente o presidente da Junta de Freguesia da Ericeira, terra natal do Padre Miguel Barros) e de entidades ligadas à Obra Salesiana, assim como quase uma centena de antigos alunos e admiradores do sacerdote, do pedagogo e de desportista. Cascais é, recorde-se, o «concelho mais salesiano de Portugal», atendendo ao número de escolas salesianas (tanto dos Salesianos como das Filhas de Maria Auxiliadora) e por não haver praticamente uma família que não tenha ou não tenha tido um dos seus membros a estudar numa casa salesiana. O dinamismo demonstrado pelo Centro D. Bosco, gerido pelo núcleo de Antigos Alunos do Estoril, é disso prova evidente.
            Foi, desta sorte, homenageado não apenas o reconhecido e mui exigente professor de Desenho da Escola Salesiana do Estoril, mas, de modo especial, o educador que, fiel ao espírito salesiano, soube, através da prática desportiva, do hóquei em patins concretamente, formar cidadãos activos e conscientes do seu importante papel na sociedade. A Associação da Juventude Salesiana, que fundou, constituiu fértil alfobre de alguns dos maiores vultos nacionais e internacionais desta modalidade.
            Ainda que singela na sua estrutura, a cerimónia calou bem fundo no espírito de quantos nela tiveram a dita de participar, sobretudo os que comungamos, desde há muito, com a sábia pedagogia salesiana. Esteve bem vivo e presente o carisma de D. Bosco, esse modo de educar na alegria, sadiamente associando estudo e desporto, não tanto com o objectivo único de ganhar vitórias e ser campeão, mas, fundamentalmente, de olhar de frente os obstáculos e de, em serenidade, melhor os saber vencer, através de uma disciplina livremente aceite e generosamente seguida.
            Acrescente-se que a data escolhida deteve também particular significado para Cascais em geral e para as escolas salesianas em particular, uma vez que se celebrava no dia seguinte, 31, a festa de S. João Bosco e se comemorava no sábado seguinte, 1 de Fevereiro, o Dia Local do Antigo Aluno Salesiano.



sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Na prateleira - 17

Pedaços de aventura
            Gostei de ver, na carruagem, a publicidade: «A CP leva-te a Pedaços de Aventura no Parque Palmela».
            Não fui lá de comboio; mas, num domingo de Dezembro, ainda havia tempo bom, em vez de optarmos pelo paredão, enchemos de oxigénio os pulmões e o olhar dos mui variegados cromatismos verdes do Parque Palmela.
            Fizemos de conta que não vimos os caixotes envidraçados pendurados lá no alto e deliciámo-nos a observar a pequenada a viver perigosamente, na aventura duma travessia por sobre o leito seco do ribeiro, sob o olhar atento dos monitores.
            Havia medronhos; as oliveiras ofereciam azeitonas tristes; a passarada (melros, rolas, fuinhos, felosas, pardais…) brincava, alegre, de ramo em ramo…
            «Pedaços de aventura», um programa inovador, bem complementado por simpática esplanada onde apetece serenar.

Contagiante meiguice
            Admirei-me e não me contive:
            ‒ Tão meiguinha aquela senhora, Marisa! Fala baixinho, pede com uma serenidade incrível!...
            ‒ Viu? É sempre assim! Aquela senhora é bênção serena, quando aqui vem! Uma delícia!
            Andará aí pelos 30/35 anos. Loirinha, em jeito de nórdica há muito a viver entre nós.
            Como, numa tarde, se pode espalhar uma ternura assim!...

Malas, malas, malas…
            Quatro da tarde, 9 de Fevereiro, plataforma da estação de Cascais.
            Vieram primeiro dois, um deles ajoujado de bem pesada mala, ainda com a etiqueta posta no check-in dum aeroporto distante. Ao fundo, uma senhora, negra também, olhava. Já eu me sentara no comboio e vi pela janela: uma gravidez avançada obrigava-a a passada lenta; um dos jovens voltara atrás e carregava agora outra mala, pesadona pelo jeito. Imaginei: família vinda de Angola ou da Guiné, em busca de vida melhor, de maternidade acolhedora onde a criança pudesse nascer.
            Nunca mais os encontrarei, decerto. Nem os rostos bem os fixei. No íntimo, porém, senti que devia ter por eles devoto pensamento positivo: que a vida, aqui, consiga fazê-los sorrir!
 
O comboio
            Apercebi-me, pelo noticiado relatório, que cérebros inteligentes haviam proclamado ser o incentivo ao comboio uma das prioridades! Aplaudo, naturalmente! Pela comodidade, pela rapidez e habitual pontualidade, pela poluição mínima…
            E clamo contra os empórios, contra os interesses instalados, contra a inércia anquilosante! Pode lá ser!... O litoral algarvio, por exemplo: passa um comboio de vez em quando. Velho, desconfortável, imagino eu, quando sei que a cidade de Silves não tem ninguém na estação que fica a quilómetros do centro urbano: nem bar, nem paragem de autocarros, nem táxis, num um só funcionário da CP!...
            Mania essa, suicida, de cortar nas despesas! Como se esse ‘corte’ significasse aumento de riqueza! Gente tacanha, que incita ao empreendedorismo (palavra que lhes enche a boca!...), mas que, no quotidiano das leis que aprovam, só conhecem a palavra cortar! Para… matar!
            Na derrocada, porém, não haverá tábua de salvação disponível!

Os carros
            Toda a gente com dois dedos de testa ficou estupefacta: como foi possível pensar em pôr a concurso carros (dizem!) «topo de gama»?
            Pobre desconfia quando a esmola é grande e começa logo a magicar: que é que está por detrás disto tudo? Cheira a esturro, não cheira?
            E um dia se há-de saber donde se escapuliu a labareda.

Publicado em Costa do Sol – Jornal Regional dos Concelhos de Oeiras e Cascais, nº 33, 19-02-2014, p. 6.

 

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Repreendi uma estudante!

             Não resisti: em duas linhas, oito palavras, erros em três! E estudante do 2º ano de uma licenciatura!... Na mensagem de resposta, repreendi-a severamente, porque ela bem sabia que não era isso que eu ensinara durante as aulas, mas sim a necessidade de fazer bem o que havia a fazer, mesmo que fosse redigir uma mensagem singela e era essa atenção que fazia toda a diferença (como hoje se diz!...) entre a competência e o deixa-andar.
            «Professor», respondeu-me a Catarina, pouco tempo depois, «desculpe, mas a tecla do g do meu computador já não funciona, o s também não, é um computador muito velhinho!»…
            Pus a mão na consciência. A repreensão estava dada, não me arrependia, mas, claro, respondi que, assim, as falhas estavam desculpadas. Contudo, dei comigo a pensar, mais uma vez, no que é o mundo actual, este, por exemplo, que os anúncios televisivos nos apresentam com smartphones e outras palavras estranhas para a maioria do público. Qual interactividade, qual acesso rápido à Internet, qual intervenção ‘em tempo real’!?... Para quem?
            Sim, o meu neto de cinco anos ou a minha neta de sete ‘dão-me cartas’ a mexer nos telemóveis, mas… quem há aí que tenha disponibilidade para aceder rapidamente, por exemplo, à página de um Município, para ver a programação cultural ou, simplesmente, para aceder às actas da reunião do Executivo da semana passada? Estarão, aliás, bem acessíveis nessa página, onde vem tudo e mais alguma coisa, menos – habitualmente – aquilo que a gente precisa de saber?
            Recebo de algumas Câmaras o respectivo Boletim Municipal em papel. E lá vem, normalmente em páginas destacáveis, a síntese das deliberações tomadas nas últimas reuniões. Quantas Câmaras o fazem? E não é essa uma determinação legal? Como se quer uma «democracia participativa» (expressão que enche a boca…), se à população se não fornecem de forma ágil os resultados da governação?
            E quem diz Câmaras diz instituições. Ainda outro dia, o António disse a um amigo: «Olha, vou fazer uma conferência aí, se quiseres aparecer…». E o amigo de nada sabia, porque… o anúncio da conferência estava… na página da associação promotora! Mas quem diria que era preciso ir lá ver?
            Vivem os governos europeus nesse paradigma dos dois mundos: o real e o virtual, convencidos de que todos os ‘súbditos’ (sim, somos ‘súbditos’, deixámos de ser ‘cidadãos’…) estão endinheirados. Aliás, não temos todos nós montes de euros para dar de comer ao automóvel topo de gama com que nos vão obsequiar?!...

Publicado em Renascimento (quinzenário de Mangualde), nº 633, 15-02-2014, p. 11.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Malandrices infantis

            Em relação às crianças, requinta-se o algarvio neste seu jeito de brincar, de usar amiúde uma terminologia brejeira que ninguém leva a mal, porque visa educar sorrindo, sem maldade mas com inocente malícia.
            Não é bem esse o caso da palavra ‘estrebuchar’. Se, para um adulto, assume dominantemente um sentido de trejeito doloroso, quer aplicado às pessoas quer ao animal em sofrimento, no mundo infantil «que é que estás praí a estrebuchar?» constitui, de um modo geral, pergunta irónica, a trazer implícita a ideia de que a criança está a dar voltas e mais voltas a um brinquedo ou um objecto, vira-o e revira-o e não encontra saída airosa para o concertar ou… desconcertar.
            Sugere-se nalguns dicionários que a palavra veio do francês «trébucher», que significa ‘vacilar’, ‘hesitar’. É possível, mormente se o enquadrarmos não nesse aspecto de «mexer violentamente pernas e braços», mas de preferência nesse estrebuchar da criança em… não saber como há-de resolver uma situação concreta. E, à primeira vista, ligá-la também ao termo ‘bucho’ até nem parecerá despropositado de todo, se pensarmos que, muitas vezes, nos sentimos incomodados quando, por exemplo, a comida nos dá a volta ao estômago e não sabemos bem o que se lhe há-de fazer. Estrebuchamos!...
            Mas… voltando à malícia inocente: quem não se lembra de, em pequenino, alguém se voltar para nós e dizer, num sorriso malandro: «Com que então a vender vinagre, hein!»? Esquecêramo-nos, simplesmente, de apertar alguns botões em sítio onde esse esquecimento poderia vir a ser… fatal!

Publicado em VilAdentro [S. Brás de Alportel] nº 181, Fevereiro de 2014, p. 10.

 

Era uma vez...

            Era uma vez um punhado de sonhadores, sólidos nas suas convicções, enraizados na terra que os vira nascer, conscientes da sua identidade… que heroicamente ousaram minar o sistema e… conseguiram!
            Foi há 100 anos!
            Alportel guindou-se a concelho; soltou as amarras e, com a ria à vista, sim, mas voltado sobretudo para os seus vergéis e para as fecundas árvores da sua Serra, deliberou vogar de motu proprio!
            E aqui chegámos, 100 anos volvidos!
            «Chegámos»?
            Não! – que «chegar» traz consigo a ideia de casa arrumada, conforto alcançado, pantufas à lareira!
           Chegámos, sim, mas para continuar partindo. Que largos são os horizontes, infinda a caminhada… E a Calçadinha aí está, a lembrar-nos, como António Machado, que se faz caminho a andar!

Senhor Presidente,
          Agradecemos ter-nos dado posse, pelo que esse gesto significa. E assumimos a responsabilidade de, durante este ano e o próximo, ajudarmos o barco a singrar:
 
  • fugindo dos escolhos – os actuais e os futuros;
  • desprezando sereias (cantam «belas», bem o sabemos, já lá diz o romanceiro popular);
  • apontando outras metas e mais outras e mais outras;
  • congregando esforços numa direcção comum!
         Temos programa traçado. Procuraremos, amigo Presidente, cumpri-lo com todo o rigor – para um centenário S. Brás de Alportel ainda mais exemplar no contexto dos municípios portugueses!
          Viu? Já arregaçámos as mangas!
          Vamos lá!

        Texto do breve discurso proferido, a 3 de Fevereiro, no Salão Nobre dos Paços do Concelho de S. Brás de Alportel, por ocasião da tomada de posse da Comissão do Centenário, a que me deram a honra de presidir. Foi mui gentilmente publicado na íntegra na p. 10 do nº 181 (Fevereiro de 2014) do semanário VilAdentro (de S. Brás de Alportel), sob o título «Na rota do centenário», pois que a vila celebra este ano 100 anos da sua elevação a município, saindo da tutela de Faro.

Sincronia, entusiasmo e dedicação numa actividade que não se explica

            Exacto: acho que não se explica – vive-se!
            Aliás, não andaremos longe da verdade se afirmarmos que este auditório grande do Olga Cadaval, repleto até mais não para ver dançar cerca de 750 (!) alunos das academias Ai! A Dança, sob a batuta imparável de Lucília Bahleixo e toda uma vasta equipa – essa enchente constitui murro gigantesco no estômago dos que pensam (e são muitos, designadamente os que detêm poder político por essa Europa fora…) que dança, música, artes plásticas são coisinhas de somenos, umas brincadeiras para entreter o pagode e para nada mais servem.
            Sim, poderão pensá-lo esses que só têm olhos para números; mas só vêem os números que lhes quadram à sua acanhada mentalidade retrógrada.
            Vermos o palco ser pequeno para tantos estudantes, desde os pequenitos (um amor!) aos que já passaram o meio século de vida, todos irmanados no intuito de – com hip hop, tango, dança do ventre, dança dos véus, flamenco, salsa, merengue, bailado clássico… – mostrarem como é bonito trabalhar em conjunto, alunos e docentes, seguir regras, obedecer a tempos, disciplinar-se… é sempre uma consolação e grande lição de vida. A filosofia: «dos 3 aos 70 anos», «a democratização e a massificação da Arte, em geral, e da Dança, em particular».
            Foi o habitual espectáculo de meio do ano escolar, em duas sessões, na tarde de sábado, 9, no auditório do Centro Cultural Olga Cadaval, em Sintra, promovido pelas seis academias Ai! A Dança (Sintra, Loures, Santa Iria, Pontinha), este ano subordinado ao título Dança na Luz.
            Quase duas horas de espectáculo sem interrupção (ou melhor, duas ou três interrupções fictícias de putos reguilas na assistência admoestados por um professor assim à antiga, para descontrair o auditório…). Claro, a versatilidade do hip hop, mormente quando interpretado por jovens, é sempre muito de aplaudir e encantar, pelo ritmo, pela evolução, pelo gesto rápido extremamente bem coordenado; mas também não nos deixou indiferentes a singular coreografia, interpretada por menos jovens, do ‘Desfado’ de Ana Moura, que arrancou fortes aplausos.
            Sempre sedutor e magnífico este encontro no Olga Cadaval!
            Valeu – mais uma vez!

Publicado em Cyberjornal, edição de 12-02-2014:

 

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Na Prateleira - 16

Eiras de Birre – evocação
            Na autêntica enciclopédia Saloios de Cascais, de Micaela Soares (CMC, 2013), aborda-se (p. 144-148) o ritual da debulha, feita, até à década de 60, em eiras lajeadas, que também aí são descritas.
            Lembrei-me agora de recordar – porque temo que venha a ser esquecido – quantas existiam então no lugar de Birre.
            Logo à entrada, para quem vem do alto do Zé Florindo, era a primeira, onde se situa hoje a Farmácia Birre: a dos Calça-a-Bota.
            Na povoação, mesmo junto à estrada principal e para sudoeste do chafariz, a do Ti António Fernando, cuja casa agrícola com todas as dependências (vacaria, palheiro, currais…) se localizava no coração da aldeia.
            Mais para sudoeste, à sombra de um grande pinheiro manso, à direita do caminho que ia para o poço (hoje, Rua dos Malmequeres), era a do Silvino Capelas, proprietário também, aliás, de próspera horta onde é o MacDonalds e de um pomar junto ao Rio dos Mochos, aonde era sedutor irmos roubar ameixas....
            Do lado norte do lugar, já a caminho das pedreiras (hoje, Rua das Papoilas), era a do Zé Apolinário, cujas terras principais ficavam ao fundo, na margem esquerda do Rio dos Mochos, no sítio onde, muitas décadas atrás, houvera seu centro Birre de Baixo e tinha fonte, bebedouro para os animais e tanques de lavar roupa. Zé Apolinário passava parte das tardes numa espécie de alpendre, ao lado de grande casa onde nunca soube o que havia e daí nos bradava, assustador, quando nos empoleirávamos nas nespereiras ou nas figueiras, à vinda da escola do Ereira…

«Rugas de sabedoria»
            A 9 de Outubro do ano passado, realizou-se, em Santiago do Cacém, o XXI Encontro de Idosos da Zona Sul do Distrito de Setúbal. Tema: «Rugas de sabedoria»! Assinala a notícia que a tarde de convívio constituiu «uma autêntica lição de vida».
            Que nome bonito para tema tão cativante!
 
Boca forjada
            O meu amigo e vizinho Carlos comprou um alicate de pressão «made in P. R. C.», que significa «feito na República Popular da China». Foi, porém, importado por uma firma portuguesa, que se encarregou de o identificar em português e em castelhano. Aí se explica, por exemplo, que terá «boca forjada para uma maior durabildade». Não sei o que significará exactamente ‘forjada’: se foi à forja, se tem um preparado especial para lhe dar maior… durabilidade!…
            A mim preocupa-me é a cada vez mais frequente ocorrência de erros ortográficos e gramaticais nos rótulos dos produtos à venda. Não apenas nos que se importam mas até nos fabricados no nosso País em conceituadas casas que deveriam prezar a boa comunicação, inclusive para lhes aformosearem a imagem.
            Urge recriar nas tipografias a figura do revisor!

Abreu Nunes
            Feliz hábito, esse, da Sociedade Propaganda de Cascais: o de nos presentear pelo Natal com um postal evocativo de uma paisagem da Cascais antiga ou de uma figura relevante dos seus anais. Este Natal, o homenageado foi Augusto Jayme Telles deAbreu Nunes (1891-1966). Historia-se, a traços largos, a sua acção em prol da Sociedade. Participou, em 1934, na organização do primeiro concurso hípico de Cascais, onde é hoje o Hipódromo Municipal. Foi, durante cinco anos, desde Outubro de 1939, o primeiro presidente da Junta de Turismo da Costa do Sol. Tem o seu nome perpetuado num dos arruamentos do Cobre, desde 4 de Maio de 2012.

Depressa – devagar!
            Há frases que se tornam norma de vida; outras que, por tão repetidas, acabam por não nos merecerem, afinal, a atenção que merecem. Por exemplo, «quanto mais depressa, mais devagar!». A aconselhar-nos que, se temos pressa, há que guardar serenidade, para melhor nos concentrarmos e, assim, mais rapidamente levarmos a tarefa ao fim.
            Não raro será, de facto, que, na actualidade, com os computadores, o nosso comportamento não siga aquela norma: damos uma ordem, queremos uma resposta imediata e, se não vem, repetimos a ordem, voltamos a repetir e… o computador baralha-se todo e tudo se atrasa, porque ele também foi habituado a fazer uma coisa de cada vez, como mandam as normas!
            Mas… ele há tanta coisa que nós gostaríamos que andassem mais depressa e andam tão devagar! Os recebimentos, por exemplo: demoram, demoram!... Em contrapartida, os pagamentos … porque é que são sempre pra ontem?!...

Publicado em Costa do Sol – Jornal Regional dos Concelhos de Oeiras e Cascais, nº 31, 05-02-2014, p. 6.

 

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Uma história dos bastidores do poder de Isaltino

             «Uma história muito bem feita dos bastidores do poder de Isaltino de Morais» –foi assim que José Miguel Júdice classificou o livro Sobre Oeiras – Comunicação e Caso de Sucesso? (1982-2006), da autoria de Luís Macedo e Sousa.
            Com a presença de mais de uma centena de amigos do autor, a sessão de apresentação decorreu na tarde de sábado, 1 de Fevereiro, no auditório do Centro de Apoio Social de Oeiras. Presidiu o Sr. Coronel João Marquito, que, depois de breve alusão à missão do Centro e às dificuldades que se houve de vencer para o erguer e, agora, para o manter, referiu quanto carinho ali se procura ter para com todas as iniciativas do concelho, nomeadamente as culturais, pelo que agradeceu vivamente a escolha que fora feita para ser cenário desta cerimónia.

A apresentação
            José Miguel Júdice começou por afirmar que livros como este não são, vulgarmente, mais do que mero relatório, raras vezes bem escritos, e que, por isso mesmo, depois de umas semanas desaparecem.
            No caso vertente, porém, embora sendo, de facto, uma prestação de contas, o relato de 24 anos de serviço público, é seu autor alguém que escreve bem («o que se torna cada vez mais raro», sublinhou); descreve, com base no poder local, um período decisivo da história de Portugal (José Miguel Júdice recordou que presidia à Distrital do PSD aquando da 1ª candidatura de Isaltino de Morais à Câmara de Oeiras, que incondicionalmente apoiou); o livro ajuda, pois, a compreender o que se passou. O que é o poder? Um monstro bifronte simultaneamente atraente e repelente. E este livro consagra-se, assim, como uma história muito bem feita dos bastidores do poder de Isaltino, «um autarca paradigmático, magnífico, excelente», disse.
            Muitos livros, agora, servem para combater a insónia e deixam-se da mão quando a insónia passa; este, garantiu José Miguel Júdice, não vai morrer após a insónia ter passado, atendendo à forma como está feito. Sente-se nele, latente, um certo desgosto, mas não há qualquer ajuste de contas, porque – e esta foi a segunda grande ideia que quis deixar – é «o livro de uma pessoa muito bem educada» e, hoje, a boa educação é, também ela, cada vez mais rara.

As declarações do autor
            Macedo e Sousa agradeceu o pronto acolhimento dado pela direcção do C. A. S. Outro e as palavras de José Miguel Júdice.
            Quanto ao livro, considerou-o um contributo para a história do concelho, escrito já com algum distanciamento em relação aos factos narrados (já saiu da Câmara há oito anos) e, também, uma espécie de elo libertador, como que o encerrar de um capítulo, um exercício de memória sobre as reflexões feitas, donde se sai com a convicção de que para cada problema há várias soluções e nem sempre a que escolhemos pode ser a melhor ou a definitiva. Trata-se, em seu entender, de uma reflexão por vezes «muito intimista, sim, mas caldeada pelo tempo, uma espécie de ‘conta-me como foi’, para melhor se perceber como é que as coisas aconteceram». «Oeiras foi um marco na minha vida, em que sobressaiu o facto confiança: como se constroem e evoluem as relações de confiança».
            Explicou ainda Luís Macedo e Sousa que o livro surge agora porque preferiu esperar por um período pós-eleitoral, relativamente ‘morto’ do ponto de vista da cena política, dado que «não tem por objectivo interferir seja no que for». Os seus objectivos foram: a participação cívica (não outra) e apresentar um testemunho tanto quanto possível despido de emoções, «uma reflexão sobre a natureza humana e a forma como se reage».
            Terminou com um voto: «Que a sua leitura esteja em linha com o prazer que me deu em escrevê-lo».
            Sobre Oeiras – Comunicação e Caso de Sucesso? (1982-2006) é edição de autor (ISBN – 978-989-20-4459-0); tem 192 páginas; e os capítulos em que se divide são: «Oeiras em democracia», «mudança tempestiva», «estrutura e política municipal de comunicação», «políticas, perplexidades e comunicação aplicada», «contexto e protagonistas», «o princípio do fim».
            Vou ler, na certeza de que muito aprenderei também!

Publicado em Cyberjornal, edição de 03-02-2014:

Padre Miguel Barros homenageado em Cascais!

             Por iniciativa da Junta de Freguesia Cascais – Estoril, foi dado o nome do Padre Miguel Barros a um arruamento do Bairro Mira-Golfe, perto do Centro D. Bosco (dos Antigos Alunos Salesianos do Estoril), e na confluência com ruas que têm nomes ligados à Congregação Salesiana: Madre Maria Mazzarello, Laura Vicuña, S. Domingos Sávio...
            Após o descerramento da placa, pelas 16.30 h. do dia 30 de Janeiro, tomou a palavra o presidente do Município, Carlos Carreiras, que foi aluno do Padre Miguel e que evocou a sua personalidade de docente rigoroso e justo e de treinador empenhado. O Provincial dos Salesianos, Padre Artur Pereira, agradeceu, em nome da Congregação, a homenagem e salientou que o Padre Miguel se caracterizou pela competência, pela frontalidade e pela dedicação. Pedro Mota Soares, Ministro da Solidariedade, também ele antigo aluno do Estoril, recordou o exemplo do sacerdote e do educador. Por fim, Pedro Morais Soares, que preside à Freguesia Cascais – Estoril, louvou-se nas palavras dos oradores antecedentes e manifestou o seu regozijo por ter sido possível prestar esta homenagem naquele local pleno de simbolismo.
            Estiveram presentes o presidente da Junta de Freguesia da Ericeira, terra natal do Padre Miguel Barros (1923-2010), autarcas, muitos responsáveis salesianos, designadamente das escolas do concelho – o «mais salesiano de Portugal», recorde-se –, muitos antigos alunos e admiradores da obra do pedagogo, além de representantes de entidades, como a Santa Casa da Misericórdia de Cascais e o Núcleo da Cruz Vermelha da Costa do Estoril, que têm ligação às escolas salesianas.
            Foi homenageado não apenas o reconhecido docente de Desenho da Escola Salesiana do Estoril, mas, de modo especial, o educador que, através da prática desportiva, do hóquei em patins concretamente (foi, como se sabe, o fundador da Associação da Juventude Salesiana, alfobre de alguns dos maiores vultos nacionais e internacionais desta modalidade), soube formar cidadãos activos e conscientes do seu importante papel na sociedade.
            Constituiu, pois, esta cerimónia um momento alto para Cascais em geral e para as escolas salesianas em particular, uma vez que se celebrava no dia seguinte, 31, a festa religiosa de S. João Bosco, data do seu falecimento em 1888, o santo que fundou a Obra Salesiana; e, no dia 1, o Dia Local do Antigo Aluno Salesiano.
 
Publicado em Cyberjornal, edição de 02-02-2014:

domingo, 2 de fevereiro de 2014

Os recursos que só os velhos podem dar

             Li e reli, confesso, o artigo «Envelhecimento e solidariedade», de António Bagão Félix, no Boletim Salesiano nº 542 (Jan/Fev 2014, p. 20-21).
            Admiro, aliás, as suas constantes e desassombradas tomadas de posição, mesmo quando opostas à política levada a cabo por membros do partido a que pertence. Aí reside o seu carisma e a atenção que todos os sectores acabam por lhe prestar: essas afirmações resultam da experiência e, sobretudo, de aturada reflexão sobre a realidade e sobre o Homem. Dizer que Bagão Félix é um humanista de corpo inteiro não constituirá surpresa para ninguém e o facto de, em funções governativas, ter sobraçado, por exemplo, a pasta da Segurança Social determinou muito do que nesse artigo deixou exarado, para meditação.
            «Ser ancião», escreve, significa «a idade em que, na pessoa humana, o ser assume, em definitivo, primazia sobre o ter e o tão-só estar».
            E, embora preconize que se não deve «alimentar uma perspectiva pessimista sobre o futuro da velhice», não deixa de criticamente atribuir a esta «economia sem rosto», a este dominante «individualismo exacerbado» «a solidão, a perda de autonomia, o enfraquecimento relacional» de que ora o mundo padece e que, na velhice, mais cruelmente são realidade.
            Tantos são os recursos de que «os mais velhos dispõem» e que mui gostosamente querem partilhar, numa vida que se pauta «entre o património da memória e a esperança da eternidade»! – frase lapidar de suma beleza e de enorme profundidade!
            Não pode haver, por isso, «o eclipse dos avós no acompanhamento educativo dos netos»: é absurdo privar uns e outros daquela «cumplicidade afectiva» que torna mais risonhas as alvoradas e mais serenas as noites de cada um!...
            Testemunho, sabedoria, ternura, partilha – alguns dos recursos a bem aproveitar!… Bagão Félix toca fundo nas chagas do nosso quotidiano – para que cicatrizem e outras não venham a aparecer!
 
Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 632, 01-02-2014, p. 11.