segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Um desafio aceite e realizado

             Mui oportuno, sem dúvida, o título dado a esta autobiografia contada na primeira pessoa: o Destino desafiou o David ou foi o David que nunca deixou de o desafiar e acabou por o vencer?
            Dois aspectos me seduziram – que, como decerto acontecerá ao leitor, não é leitura susceptível de ser deixada a meio nem para uma pausa de poucos minutos, tem de ler-se até final, de supetão! Por um lado, a imparável tenacidade de um Homem, herdeiro daquela estirpe dos Portugueses de antanho de «antes quebrar que torcer»! Depois, os apontamentos histórico-sociológicos que da sua narrativa se desprendem e que contribuem para, em pinceladas concretas, nos darem o retrato de toda uma época. Mui oportuna é, pois, a sua publicação. Para que conste!
            Na verdade, estamos perante uma singela história pessoal, de uma pessoa com um nome; mas essa foi, seguramente, a história de muitas outras, cujo nome se olvidou. Bem fez, portanto, David Martins em se ter disponibilizado para no-la contar.
            Uma história contada, de facto, em que, por conseguinte, a oralidade detém lugar de relevo – e os editores procuraram apenas adequar a essa oralidade a pontuação e uma que outra frase. Nada mais! «Um primo do meu pai tinha uma marcenaria, aqui no canto desta rua da Biblioteca Municipal» – estamos a ver!... O inesperado, mas bem sugestivo, uso do presente: «A minha situação não mudara em nada. Decido partir para Lisboa». A linguagem falada, bem ao jeito do homem do barrocal: «Ela estava a cramear lã, encarei com ela e ali fiquei encalhado».
            Perturbam-nos, quiçá, as peripécias da criança nesses já longínquos (pensamos nós…) anos 30 do século XX. A fome por que passou; a exploração; o desrespeito… «Aos treze anos, […] eu nunca conheci uma cama. Dormia ao pé das vacas, no palheiro, e as pulgas eram tantas que o meu corpo estava negro». Sabemos que hoje ainda é assim; mas queremos acreditar que será noutros horizontes, que não o europeu – e talvez não.
            Maravilha-nos, acima de tudo, a sua enorme vontade em, por exemplo, querer aprender a ler, porque, desde cedo, compreende quanto essa aprendizagem lhe é fundamental:
            «Queria saber ler e escrever como todo o mundo. Éramos cinco filhos, mas só eu não tive a sorte de ir à escola».
            Encanta-nos como David Martins, tantos anos passados, acaba por não guardar rancor algum e aceita – com alguma bonomia até – as agruras por que passou. A história do tempo das favas:
        «Quando chegava a altura das favas, comiam-se favas todos os dias. Favas e favas com favas. Chegava a um ponto que as favas estavam escuras e faziam um caldo muito negro. Tomei uma tal zanga às favas, até hoje».
            Dizia-me um saloio de Cascais que por aqui se reconhecia muito bem se o quintal era de um algarvio: tinha favas. Meu pai também nunca deixou de semear favas e eu, tal como David, fartava-me de favas e gritava: «Nunca mais nasce o fenacho nas favas!». Não sei se é assim que a palavra se escreve; apenas me recordo bem do que era: uma parasita de aspecto pegajoso e flor vistosa que nascia junto da raiz da faveira e que, dela se alimentando, acabava por rapidamente a secar, esse pé e os demais do faval, porque era uma… praga! E eu essa praga rogava!...
            «E, quando acabavam as favas, era o tempo das ervilhas e repetia-se o mesmo. Todos os dias ervilhas, até ao fim. Quando as ervilhas já tinham apanhado algum bicho, comíamos tudo, como se fosse ervilha com chouriço».
            Escreveu Pellegrino Artusi que «nem todos sabem ler, mas todos comem». E, de facto, as lembranças mais presentes de David Martins são também do que comia: as sardinhas amarelas – meia sardinha, aliás… O pão com toucinho cru, mais tarde – um hábito muito meridional, que se prolongará décadas afora e, hoje, neste retorno que se preconiza à gastronomia tradicional, acabamos por começar a ver, como aliciante, nas feiras…
            E lembranças do dia-a-dia, de uma realidade muito diferente da actual:
            «Com 13 anos nunca conheci um par de sapatos, nem botas, nem salário, nada desta vida. Só me davam de comer. Antigamente, andar a servir era em troca de comer, vestir e calçar. Mas era da roupa do marido que a patroa fazia roupa para mim. Nunca tive uma camisa nova, nem calças».
            «Nada desta vida»!...
            Valerá, pois, a pena tomarmos consciência da situação.
            Devido às dificuldades familiares, o menino não continua a escola e anda em bolandas, de casa em casa, onde o destratam. Corre para as campinas de Faro, cujas hortas, nesse tempo (e ainda durante muito…), constituíam símbolo de fartura; tenta incorporar-se na tropa para poder aprender a ler; foge com a namorada, porque os pais se opõem ao casamento; demanda o Alentejo e, daí, Almada, à vista da capital; quase por milagre, aceitam-no no Alfeite; entra para o Partido Comunista; ajuda a preparar a intentona de Beja; foge a salto para França… e é toda a odisseia dos que para lá foram na década de 60, um homem dos sete ofícios, pode dizer-se!
            Uma história singular – que poderá ser a de muitos! Homens e… mulheres! De facto, o papel da mulher não vem expressamente realçado por David Martins, mas ele não se esquece de referir a consorte, que o acompanha, com os filhos atrás, e não hesita, quase no final da estada em França, a pegar num carro e transportar pessoas!
            Há apontamentos de ordem laboral que merecerão reflexão maior: porque o admitem aqui, porque o rejeitam mais além… As atitudes incorrectas que levam à revolta da classe operária. Tópicos a desenvolver pelos estudiosos!...
            Cena a fazer pensar, a do encontro com o Engº Sousa Coutinho, do Arsenal do Alfeite. E quão elucidativa, na sua singeleza, essa descrição! Ora leia-se:
            «Para passar para a Secção da Soldadura, tinha de me apresentar ao senhor engenheiro da Construção Naval, que se chamava Sousa Coutinho. Quando o Sr. Engenheiro me recebeu e viu a prova positiva do meu exame, a resposta foi muito negativa e vergonhosa. Respondeu-me que tinha entrado para o Arsenal do Alfeite como servente e teria de ser sempre servente.
            Ora isto fez-me muito mal.»
            Não admira que, ainda hoje, ao relatar o que as leis o impediram de fazer, as repetições surjam, espontâneas. Por exemplo, o comentário à obrigação de comprar passagem de ida e volta se se queria ir para colono no Ultramar: «Tinha de pagar duas passagens, que era para, no caso de não me dar bem, já tinha a volta paga». Escreve:
            «Esta resposta deixou-me completamente desiludido. Na minha maneira de pensar, eu era uma pessoa que não servia para coisa alguma. Esta resposta deixou-me completamente revoltado, porque considerei que as colónias faziam parte do território português. Esta exigência era mesmo abusar de quem vivia na miséria, porque com o salário que eu ganhava na agricultura não me dava para apurar um centavo. Fiquei completamente desiludido com o governo».
            E desiludido haveria de ficar também, mais recentemente, quando se apercebeu que, para gozar, ele e a mulher, da sua «bem merecida» reforma, o melhor era voltarem para França, pois se negaram a reembolsá-lo das despesas de saúde feitas lá:
            «Quando cheguei ao meu país de origem, com todas as facturas para reembolsar, responderam-me que o que fiz em França podia fazer em Portugal e não me pagaram nada».
            E, assim, apesar da ‘nostalgia’ – que procura colmatar com regressos anuais à sua querida São Brás – «resolvi voltar de novo para França em 2010», confessa. «Comprei de novo uma casa e mudei outra vez de residência, recomecei a pagar os impostos como cidadão francês».
            Custa-nos ler esta frase. Mas, na sua aparente singeleza – «recomecei a pagar os impostos como cidadão francês» –, esconde, ou melhor, revela um murro enorme ao paradigma vigente numa Europa que se proclama «das pessoas», mas, na crua e nua realidade dos nossos dias, é, cada vez mais, a Europa dos dividendos!
            Bem haja, pois, David Martins, por esta extraordinária lição. E nem precisou, Amigo, de ter biblioteca – como a não teve o Jesus Cristo cantado pelo nosso portuguesíssimo Fernando Pessoa:

            Mais que isto
            É Jesus Cristo,
            Que não sabia nada de finanças
            Nem consta que tivesse biblioteca...

            O pior, Amigo, é que eles também não têm biblioteca e pensam que sabem de finanças!

                                                           Cascais, 14 de Julho de 2015

                                                                       José d’Encarnação

            Introdução ao livro Desafiando o Destino – a história da minha vida, de David Martins Dias, Câmara Municipal de S. Brás de Alportel, Setembro de 2015, p. 9-13. A obra foi apresentada em S. Brás de Alportel, a 4 de Setembro de 2015.
                                  

Apodrecem as traves e o telhado cai

             Para explicar por que jazem subterrâneos os vestígios arqueológicos, uso amiúde uma comparação: abandonada uma casa, as traves que sustentam as telhas vão apodrecendo, acabam por cair, entra terra, entram sementes, as ervas dão em crescer e… mais década menos década ali se mostra uma ruína sem préstimo.
            E um palacete? Não há meio de se lhe evitar a ruína? Sim, se os herdeiros se entenderem, se continuarem a dar-lhe préstimo, como casa-memória dos ancestrais ou, sobretudo, se um deles for suficientemente abastado e louco para concretizar rendível plano de utilização.
            Já viste, ali em pleno coração da vila? O palacete foi dado a uma instituição de benemerência. Há anos. E assim está. Abandonado.
            Abandonado não será, porventura, o termo apropriado, porque os responsáveis pela instituição bem darão voltas à cabeça para exorcizar pesadelos. Mas como? Ele é preciso um objectivo; ele é preciso um projecto viável e susceptível de se candidatar a apoio das entidades competentes!... E onde vai buscar-se a verba para o arranque do processo?
            Mais fácil será a recuperação dos casais que por essas terras se vão transformando em ruína. O PRID (Programa para Recuperação de Imóveis em Degradação), criado pelo decreto-lei nº 449/83, de 26 de Dezembro, ainda se manterá activo? É que não bastará a iniciativa privada, até porque a vivificação da paisagem indicia um ar sadio, acolhedor, «é tão bom viver aqui!»…
            Urge, pois, uma reflexão conjunta, um dinamismo comunitário – para que também alfarrobeiras, figueiras e amendoeiras se sintam mais acompanhadas!

                                                           José d’Encarnação

Publicado em Noticias de S. Braz nº 226, 20-09-2015, p. 11.

            Nota: Agradeço a Vítor Barros a gentileza de ceder a fotografia. Explica-me: «Situa-se na Fonte da Murta mesmo em frente à casa da minha mãe. Viu-me crescer e brinquei muito com as suas paredes que me serviam de baliza para os meus treinos futebolísticos. Outrora, e como era normal no campo, serviu também de casa de banho.»

 

Desejáveis estatísticas

           Proclamamos a cada passo «não somos números!»; contudo, essa afirmação não significa menosprezo pelos números, mas sim por verificarmos que, em política, se teima em ver numericamente as pessoas, sem um critério humanista.
            No oportuno livro «Contas x Contos x Cantos e que +», editado pela Gradiva (Setembro de 2012), organizado por Ana Paula Guimarães (com a colaboração de Adérito Araújo), pondera António Canas o equívoco em que se situa o facto de «a generalidade das pessoas que optaram por estudar letras geralmente “odiar” matemática» (p. 107).
            Trata-se, na verdade, de uma distracção, na medida em que o número – e o citado livro prova-o eficientemente – faz parte integrante do quotidiano:
            «O nosso mundo está inundado de números – dados económicos, horários de reuniões, classificações, impostos, preços, números de telemóvel, etc., etc.» (p. 85).
            Ocorreram-me estas considerações quando o Peter me contou:
            Hoje, pensei em matar saudades de Cascais e, claro, de bicicleta. Não quero perder a forma, apesar dos meus 77 anos! E isto de vir de Hamburgo passar aqui três dias obriga-me a revisitar os sítios que bem conheci quando, há trinta anos, aqui fixei residência em serviço.
            E então, não mataste saudades?
            Não consegui! Cheguei pouco depois das dez horas ao quiosque das bicas no largo da estação e… já não havia! Por isso, marcamos encontro para amanhã: eu vou logo às 9 buscar a bicicleta e entrego-a às 17.30; e tu vais lá ter.

A curiosidade
            Fiquei, pois, com imensa curiosidade e, um dia destes, vou vasculhar na página da Câmara, onde constarão certamente, de tempos a tempos, essas informações de números:
            quantas bicas se usam, em média, por dia, por semana, por mês?
            quantas há disponíveis?
            que nacionalidades se registam entre os seus utilizadores?
            que movimento de passageiros tem o buscas»? É um serviço público rendível?
            E os parques de estacionamento geridos pela Cascais Próxima quanto rendem ao erário municipal? Muito, decerto, e até, se calhar, haverá já informação acerca dos projectos a ser financiados pelas verbas que sobram após pagamento a funcionários e chefias e despesas deduzidas.

Parques públicos
            Equivoquei-me no horário de uma cerimónia religiosa na igreja da Boa Nova e não hesitei: fui saber da localização do Parque Urbano do Bosque dos Gaios, anunciado por várias placas que eu já vira. Não cheguei a entrar, mas foi o bastante para que possa louvar a oportunidade da sua criação ali.
            E gostava de saber se era muito frequentado (cá está a questão dos números…); se correspondia aos objectivos para que fora criado. Números, pronto!...
            Curiosidade que se aguçou dias depois, quando fui ver o que, afinal, haviam sofrido com o incêndio as estruturas das Penhas do Marmeleiro. Aliás, como é sabido, pouco tempo após o parque ter sido inaugurado, puxaram fogo ao forte; os painéis explicativos da sua inserção na Paisagem Protegida Sintra-Cascais há muito que desapareceram; os dois atraentes espelhos de água que nos davam as boas-vindas são uma ruína já… Ardeu agora parte de um passadiço. De quanto tempo se necessitará para uma recuperação? Há números? Quantas pessoas já visitaram as Penhas? Que atenção lhes é dada pelos serviços competentes?

Efeitos do incêndio junto do Parque das Penhas do Marmeleiro,
em que uma das passadeiras chegou a ser atingida pelas chamas.
Lumina
            Se outro interesse não tivera o magnificente «Lumina», constituiu, sem dúvida, objectivo bom dar a conhecer melhor o Parque Marechal Carmona.
            Tenho pugnado por que – atendendo à importante função social que esse parque desempenha junto da população da vila – Cascais Próxima venha a criar o conceito universalmente conhecido da «happy hour»: todos os dias, em horário determinado, ter-se-ia uma hora de estacionamento gratuito no parque adjacente, que, como se sabe, está ordinariamente em ocupação mínima. Essa «happy hour» ajudaria, decerto, a criar-se o hábito de o utilizarmos mais vezes – com ulterior maior proveito para a empresa municipal que o gere. Acho eu, que sou de Letras e de números pouco percebo!...

                                                       José d’Encarnação

Publicado em Costa do Sol – Jornal Regional dos Concelhos de Oeiras e Cascais, nº 109, 23-09-2015, p. 6.

 

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Um presente para viver

      Tive a sorte, na Escola Salesiana, de ser habituado a conscientemente preencher todos os minutos. Sem a preocupação, no entanto, de os agarrar à força, porque isso seria contraproducente e acabaria por perturbar, em vez de mui salutarmente preencher.
      Nos momentos que tínhamos para uma pausa na azáfama quotidiana, havia também sempre um livro para dele se colher norma de vida.
      Um deles foi Construir, de Michel Quoist, cuja velhinha edição de 1965 ainda hoje tenho na mesa-de-cabeceira e amiúde abro antes de adormecer.
      «Pensas sempre que a vida é para amanhã». Pois. Quando eu me reformar, vou fazer isto, vou… «Porque esperas por amanhã para viver? Um dia, para ti, não haverá mais amanhã e não terás vivido» – é ainda Michel Quoist quem o escreve.
      Uma das personagens criadas por Helena Ventura dá consigo, um dia, a meditar:
      «Porque não alimentamos a vontade de vestir o agora de cores alegres? Só a cor sépia do que foi e o matiz do que será têm magia?».
      Assim, muitos de nós: fazemos relatórios, gizamos projectos e… onde fica o tempo para a sua execução?
      «Se queres triunfar na vida, coloca o passado nas mãos de Deus, entrega-Lhe o futuro e vive plenamente, um após outro, cada momento presente».
      O presente – o único que há para saborear e viver!

                              José d’Encarnação

                  Publicado no Boletim Salesiano nº 552, set/out 2015, p. 30.

terça-feira, 15 de setembro de 2015

Saber e… não saber!

            A importância social de uma pessoa deriva também dos conhecimentos que tem ou dos que os outros julgam que ela tem.
            É conhecido o comentador político que faz alarde em possuir, todas as semanas, informações em primeira-mão; e daí, aparentemente, lhe advém prestígio, uma vez que, depois, órgãos de informação se encarregam de divulgar e até comentar essa notícia «em primeira-mão», cuja fonte, obviamente, não é revelada, o que ainda mais adensa o mistério e faz aumentar o prestígio: «Ele sabe tudo! Está por dentro das maquinações todas! Tem poder, pronto!».
            Isso: o ter conhecimento dá poder. Porque são «poderosos» os porteiros ou as secretárias? Porque podem saber o que ao vulgo passa completamente despercebido!...
            Um dos meus amigos é desses privilegiados. Vou a contar-lhe um episódio e, ainda mal eu comecei, e já ele me está a dizer «Eu sei!». Fico sempre com a impressão de que, afinal, ele não sabe mesmo, por se tratar de caso com mui escassas testemunhas ou passado em ambiente a ele por completo alheio. O certo é que, com esse «eu sei» mui repetida e convictamente dito dia após dia, lá vai subindo na vida, parlapié não lhe falta e ninguém o leva preso! Acho que constitui essa atitude uma forma de se afirmar, de se mostrar alguém. E como tal o consideram… eu sei!...
            Outro dos meus amigos é completamente o contrário. Nenhuma aparente auto-estima e sempre a queixar-se: «Não sabia! Ninguém me informou! Nunca me convidaram para ir aí. Não sei de nada». E a mim o que me parece é que essa queixa até tem um pouco de verdade. O senhor é… um chato! Ou seja, trata-se de uma forma de se fazer convidado – e o pessoal resiste a convidá-lo, porque, quando intervém… sabe tudo! E, mui densamente, eruditamente, tudo expõe, em jeito de massacrar ignorante. Chego a pensar que é vingança. Será?
            Acontece, porém, que acabo por ter pena de um e do outro: do que tudo sabe e do que afirma nada saber e, em intervenções públicas, mui peremptoriamente se faz crer o grande senhor da Verdade. Tenho pena dum e doutro. E já li algures que «ter pena» é a última atitude a adoptar perante uma pessoa! Mas que lhes hei-de eu fazer?!...

                                                                     José d’Encarnação
 
     Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 669, 15-09-2015, p. 12.
 

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Notas soltas em final de Verão

            Cascais esteve na berra durante todo o Verão. Aliás, está na berra sempre e, nos últimos tempos, não é apenas a actualidade que se foca e a sua beleza e importância que se realçam, pois estão a criar-se, nomeadamente no Facebook, páginas várias que dão a conhecer aspectos de uma Cascais antiga: o património paisagístico, a arqueologia, as festividades, as casas senhoriais e as saloias, os trajes de outrora… Um mar de gente entusiasmada com este mar de memórias. E há que aplaudir! Pena que nem sempre – os que temos vindo a estudar algo desse passado cascalense – possamos estar disponíveis para dar oportunamente as nossas achegas… Faz-se o que se pode!
            E, em jeito de final de Verão, houve por bem, desta feita, ir à prateleira buscar levíssimos apontamentos.

Areia
            Próximo da Praia do Guincho, praticamente ignorado pelos técnicos que superintendem na reflexão sobre os topónimos a incluir nas placas de sinalização, o lugar da Areia foi atormentado por obras viárias durante o Verão todo. Há um parque de estacionamento em construção (esperemos que se não sigam económicos exemplos…) que muito jeito vai dar aos muitos que demandamos a povoação para um agradável petisco.

Sinfónica
            Constituiu um êxito a actuação da Orquestra Sinfónica de Cascais no fecho das noites das Festas do Mar. Tocou temas de filmes conhecidos, as imagens complementaram o que se ouvia, o grande à-vontade e contagiante simpatia do maestro Nikolay Lalov (que até ousou pôr o edil máximo a reger um dos trechos!…) – tudo isso, aliado à amenidade da noite, contribuiu para um encerramento em beleza.

Parques
            Tenho, naturalmente (como todos os munícipes), uma opinião acerca das tarifas dos parques cascalenses; contudo, não posso deixar de assinalar que, logo no início do Verão, foram colocados, às entradas da vila, painéis digitais a informar, a todo o momento, qual a lotação disponível dos três principais parques camarários: o do Parque Marechal Carmona, o Cascais Center (que é por baixo do edifício onde estão instalados os correios e a Loja do Cidadão, frente às Finanças) e o do Estoril Residence (à entrada do Parque Palmela). Boa ideia!
            Por outro lado, se – creio que já há uns três anos – havia indicações precisas quanto ao acesso a hotéis, a sinalização de acesso a estes parques aprimorou-se também.
            E, por falar em parques, tive boa surpresa ao acompanhar familiares meus, emigrantes em França e que, este ano, decidiram marcar férias para Cascais, daqui tendo feito quartel-general. Na Praia da Comporta (município de Grândola), havia carros estacionados ao longo do caminho que desde a estrada N-253-1 leva ao areal; no parque junto à praia, pagam-se três euros (quatro, aos fins-de-semana) pelos primeiros quinze minutos e o resto do tempo é… gratuito!

Mercado da vila
            Gosto da designação e aprecio a valorização feita: a metade nascente, sob o ‘toldo’, para o mercado saloio das manhãs de quarta e sábado, uma tradição ainda bem viva; na metade poente, o que ora se designa ’conceito’ de tasquinhas. O povo aderiu à ideia e, aos fins-de-semana e nas noites calmas, vive-se Cascais ali. Metade da ‘praça do peixe’ transformou-se em paraíso para os apreciadores de marisco e, do outro lado, o que era mercado quotidiano deu lugar a quem, sem sair de cá, gosta dos sabores italianos.

O Estoril 
            Também deu cartas o Estoril neste Verão. O Parque fronteiro ao Casino foi cenário de singulares iniciativas (uma das quais, inopinadamente, de… «tasquinhas»!...).
            No Casino, para além do espectáculo de Filipe La Féria, «A Noite das 1000 Estrelas», a registar enchentes no Salão Preto e Prata, com excursões a virem de todo o País, houve renovada sequência de espectáculos teatrais no auditório e a música foi rainha nas noites do átrio central, por onde estão a passar inúmeros artistas da canção e do fado (à quarta-feira, então, guitarras trinam por lá!...).
            Tempo foi igualmente para a tradicional Fiartil, Feira Internacional de Artesanato do Estoril, velhinha de 51 anos (se não erro), que serenamente se aninhou, sem fazer ondas, no acolhedor pinhal frente ao Palácio dos Congressos. Aninhou-se. Não fez ondas. Era o que se pretendia.

                                               José d’Encarnação

Publicado em Costa do Sol – Jornal Regional dos Concelhos de Oeiras e Cascais, nº 107, 09-09-2015, p. 6.

terça-feira, 1 de setembro de 2015

Comparações sempre odiosas

            Costuma dizer-se que as comparações são sempre odiosas, em todos os campos em que elas se apresentem.
            Na educação familiar: a comparação entre os irmãos feita pelos pais, sobretudo se na presença dos filhos em apreço e perante outras pessoas constitui erro em que amiúde se cai, por mais que se diga (e esta é uma comparação boa!) que filhos são como os dedos da mão: todos diferentes, independentemente de terem (dizem os pais…) a mesma educação.
            Na escola: aos professores se explica ser a emulação uma prática saudável. A usar, porém, com conta, peso e medida, para que, por exemplo, o urso da turma não venha a ser alvo de mui invejosa chacota.
            Na política. A cada passo a comparação vem à baila e, agora, em tempo de campanha eleitoral, quem há aí que resista a comparar? E quem, por outro lado, não chega, alfim, à excelente conclusão de que… não há comparação possível, porque é tudo igual?!...
            Agosto e Setembro são, porém, os meses ideais para comparações odiosas e inoportunas. Estás à mesa, a saborear apetitosa salada serrana, orégãos quanto bastem, folhinha de hortelã, tomatinho bem temperado e carnudo, o pimentinho usado a preceito… E o companheiro de mesa: «Ali na Galiza é que vocês haviam de ver! Aquilo é que são saladas! E os pimentos de Padrón?». E o senhor desdobra-se na descrição pormenorizada, de água a crescer-lhe na boca… Ora bolas! – digo eu. – Já esta salada serrana não me está a saber bem. Importas-te de te calar?
            Lindo, este passeio pelas portas de Ródão. As garças nas margens, a vigilante colónia de grifos alcandorada nos penhascos altaneiros, ali mesmo onde o rio Tejo se estreita e nós louvamos a Deus pela beleza proporcionada… «Ah! Mas vocês haviam de ver! O passeio no Delta do Danúbio com almocinho de peixe a bordo! Aquilo é que é maravilhoso! Aves de todos os jeitos e feitios! Um outro mundo!...». Ora bolas, amigo! Importas-te de admirar os grifos?

                                                             José d’Encarnação

Publicado no quinzenário Renascimento (Mangualde), nº 668, 01-09-2015, p. 12.

O  rio Tejo nas Portas de Ródão

Instantâneo de passeio pelo delta do rio Danúbio