segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Uma noite plena de emoções

             Hesitei em escrever esta crónica. Não sei de música o bastante para dar ao espectáculo o seu real valor. Sou praticamente um ignorante nessa nobre arte de interpretar o que outros escreveram em pautas. Mas vou ousar escrevê-la, mesmo sabendo que não estou à altura, porque esta noite de sábado, 24 de Outubro, no auditório da Srª da Boa Nova, dificilmente nos sairá da memória nos próximos tempos.
Sim, já assistira aos dois outros concertos da Orquestra Sinfónica de Cascais, excelentemente dirigida pelo maestro Nikolay Lalov. Já escrevi que essa opção da autarquia em apoiar uma orquestra sinfónica, apesar de ‘louca’ aos olhos de muitos, resultara muito bem. Os dois anteriores concertos provaram-no. Mas este, do Outono, ultrapassou em muito, amigos, o que era expectável!
Primeiro, pela variedade dos temas escolhidos: árias e trechos de óperas. Boa parte deles estão no ouvido de toda a gente, que, embora porventura os não consiga identificar («Esta é a ária ‘Là ci darem la mano’, da ópera Don Giovanni, de Mozart»…), os sabe, no entanto, trautear. O maestro teve o cuidado, com o à-vontade que lhe conhecemos, de ir explicando, uma a uma, as peças que se iriam saborear – e também isso foi uma importante mais-valia! Rossini (e o seu inevitável Barbeiro de Sevilha), Bellini, Donizetti (linda, a furtiva lágrima!), Verdi, Puccini, Mozart, Gounod, Mascagni (e a sua Cavalaria Rusticana) fizeram-nos mui reconfortante companhia!
Depois, porque, se apreciámos deveras a interpretação, encantou-nos também o entusiasmo com que maestro e todos os músicos – todos! – se entregaram ao espectáculo. Vimo-los deliciarem-se não só com o que estavam a tocar mas também ao ouvirem os demais, naqueles momentos em que o seu instrumento tinha uma pausa a cumprir. Um entusiasmo bem visível no final, em que mutuamente se aplaudiram e cumprimentaram, de satisfação estampada no rosto, por terem plena consciência de haver activamente participado numa noite mágica, que também vão gravar a letras de oiro no seu palmarés.
Cristiana Oliveira
Finalmente, os cantores! Extraordinários! A soprano Cristiana Oliveira, natural de Braga, linda voz, mui expressivo olhar, uma cantora e uma actriz! De Itália veio o tenor Diego Cavazzin e, de Sófia (Bulgária), terra natal do maestro, o baixo Deyan Vatchov. Encantaram-nos de verdade! E só revendo – se tal fora possível – o brinde final, da Traviata (de Verdi), com os três cantores em palco, de taça na mão, e o público a vigorosamente acompanhar com palmas, se poderá ajuizar de como o espectáculo nos encheu a alma! E, ao sair, nem sentimos a cacimba da noite – que o calor do concerto tudo o mais fez esquecer!...
Só há uma palavra: maravilha! Um auditório de lotação esgotada!
E cá ficamos a esperar pelo concerto de Inverno, anunciado para 12 de Dezembro. Nada menos do que a 9ª sinfonia de Beethoven!

                                           José d’Encarnação 

Publicado em Cyberjornal, edição de 26-10-2015:

Diego Cavazzin
Deyan Vatchov

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Eugénio Roque emocionou-se!

             Errava se afirmasse que Eugénio Roque se decidiu escrever um livro aos 75 anos para, de acordo com a célebre frase, se sentir homem completo.
            Emoções, o livro apresentado por Carlos Carranca, no foyer do Teatro Municipal Mirita Casimiro, no final da tarde do passado dia 20, terça-feira, é de poemas, a forma escolhida para partilhar… enodoes experimentadas ao longo de uma vida, sim, mas sobretudo trazidas para o momento presente. Vida multifacetada, como nos conta na contracapa, de «mil ofícios» (dir-se-ia), que ora parece ter assentado definitivos arraiais nos braços da esgrima artística, como Mestre de Armas.
            Justifica-se, aliás, o local da cerimónia e o facto de a ela terem acorrido em massa os estudantes da Escola Profissional de Teatro de Cascais. É que Mestre Eugénio Roque colabora, há vários anos, com o Teatro Experimental de Cascais e com a escola, demonstrando sem dificuldade quanto a esgrima contribui para a formação global do actor, nomeadamente pelo autodomínio que exige.
            Escreveu o autor, em jeito de apresentação, apenas isto:
            «Fui dando tudo o que tinha para dar. Faltava-me dar as minhas emoções. Esta recolha de escritos é uma tentativa para suprir essa falta. Assim eu não devo nada à vida e a vida nada me deve. Estamos quites».
            Carlos Carranca, entusiasmado (como é seu timbre), discordou deste balanço no deve e no haver – porque Eugénio Roque ainda tem muito para dar e nós para dele receber! – e passou em revista os sete capítulos (sete, um número místico!...) por onde os poemas se ajeitam: «interior», «do tempo», «do horizonte», «do Natal», «contigo e com eles», «convosco», «com ela». E realçou como, para além do natural lirismo, patente de modo especial no último capítulo («Lua da minha saudade / Desta saudade de ti / Como se fosse verdade / E o teu lugar fosse aqui», p. 122), Eugénio Roque não se inibiu de assumir uma atitude crítica, acerbamente verberando o status quo político, social, económico e até religioso: «E vão enchendo os bornais / comprando empresas e acções / em negócios de milhões / para as multinacionais». Por isso, «Não perguntes como estou / Estou farto!» (p. 90).
            Emoções é uma edição de DG Edições e a receita total da venda do livro «reverte para apoio aos praticantes de Esgrima Adaptada para Cegos».

                                                                       José d’Encarnação

Fotos de Guilherme Cardoso.
Publicado em Cyberjornal, edição de 22-10-2015:
http://www.cyberjornal.net/index.php?option=com_content&view=article&id=1855:eugenio-roque-emocionou-se&catid=19:literatura&Itemid=30



 

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

O protagonista que todos querem ser!

             O teatro é assim. Traz-nos sempre mui oportunas lições, verberando o quotidiano, obrigando a reflectir, fazendo-nos consciencializar atitudes.
            Poderemos dizer que há peças mais oportunas que outras, muito embora tenhamos que afirmar que são oportunas todas. E, dentre as oportunas, «O Protagonista», do jovem Luís Lobão, é de uma oportunidade flagrante, se tivermos em conta que, no momento presente, na cena portuguesa, vários são os figurantes que almejam ser protagonistas!...
            A peça estreou, para convidados, no passado dia 15, e estará em cena, no Auditório Fernando Lopes-Graça, no Parque Palmela, em Cascais, até 28 de Novembro (sessões de quarta a sábado, às 21h30). É mais uma realização da companhia Palco 13, aí residente desde 2010. Marco Medeiros encenou. A dramaturgia esteve a cargo de Maria João Rocha Afonso e a coreografia deve-se a Inês Afflalo.
            Dir-se-á que a meia hora antes de a porta do auditório se abrir foi bom ensejo para artistas que habitualmente vemos nas telenovelas, nomeadamente da produtora SP, trocarem impressões, darem entrevistas, tomarem um café ou um copo, todos irmanados na vontade de aplaudir os membros da jovem Palco 13, que desejou ser este o espectáculo comemorativo do seu 5º ano de actividade em Cascais.

Um enredo que é uma delícia!
            Afirme-se, desde logo, que o enredo é uma delícia, porque, teoricamente, o espectáculo verdadeiro não se passa diante de nós, mas do outro lado do pano e nós assistimos apenas ao que acontece nos bastidores: as quezílias, os nervos, a maquilhagem, a mudança de roupa («Bolas! Que tenho de calçar três pares de sapatos e esta m… está-me apertada que se farta!»)…
            Sim, o palavreado é a condizer com o clima de nervosismo (tenho de estar atento à deixa para entrar!). E, depois, são os ditos, amiúde retirados de uma passagem de peças teatrais célebres que todos tentam imediatamente identificar para mostrarem a sua erudição… «Shakespeare!... Hamlet!... Rei Lear!»...
            Um ambiente de frenesim. O distribuidor de água de que amiúde se servem (Bolas! Tenho a boca seca!). A mesa da maquilhagem. Os cigarros que se fumam um atrás do outro.
            Dois camarins, um dos quais no piso superior, o da que se supõe ser, afinal, a protagonista, Custódia Gallego, mas não é. Sábia na sua longa experiência:
            - Menina, todos os ‘reis Lear’ são excelentes, mesmo antes de entrarem em cena!
            Lá recebe, um dia, a ternurenta candidata a assumir papéis importantes, porque sabedora de muitos trechos que recita de cor (Sara Matos). O difícil diálogo entre a longa experiência e uma juventude sonhadora…
            No de baixo, a dado momento, a inevitável cena de sedução e, antes, a polémica:
            - Porque havemos de partilhar o camarim? Que chatice! Tem mesmo que ser?
            E outra polémica, de ataque e defesa:
            - Sim, quantas falas te deram? Quantas falas já tiveste na tua vida, quantas, diz lá!...
            Os actores cruzam o palco («Desampara-me o corredor!», grita-se amiúde) numa azáfama.
            E há a artista (Maria Camões) que se evidencia pelo palavrão fácil e pela provocadora lascívia no vestir… E o gordo (Tiago Retrê), que justifica ser gordo porque lhe estão sempre a dar papéis de gordo e, por isso, ele não consegue emagrecer!... Coio So faz juz à sua origem africana para, logo desde o princípio, exibir em passos de dança o seu natural pendor para a expressão corporal que tão bem caracteriza as gentes de África e aqui também foi aproveitada. E, claro, o que é mesmo o protagonista, Romeu Vala, que se balança entre o ser e o querer ser, na angústia de não lhe reconhecerem o mérito… Luís Barros, por seu turno, assume as funções de contra-regra, mandão, autoritário, o aparente rigor em pessoa…

Um retrato real?
            Por detrás do pano, o espectáculo é, supostamente, o D. Quixote. Ouvimos passagens de quando em vez. Aliás, o ‘esqueleto’ do Rocinante também atravessa a cena. Um Rocinante que conhecemos do TEC e não pode deixar-se de assinalar, aqui e agora, que o autor, Luís Lobão, estudou na Escola Profissional de Teatro de Cascais e já actuou no Mirita Casimiro. A experiência vivida durante os seus três anos na escola – com todas as expectativas que então se abriram e as interrogações que aí brotaram – não foi nada alheia ao que em cena se passa.
            Excelente exercício, este! Não é comédia, não é tragédia – é o misto das duas, como o não deixa de ser também tragédia e comédia, neste mês de Outubro de 2015 no Portugal pós-eleições, a exacerbada procura de protagonismo! Uma peça ousada, de crítica acutilante, que põe os dedos na ferida. Inocentemente, sem magoar ninguém, porque os actores são… actores, mestres na arte de fingir. Agora, se em vez do espectáculo teatral, falarmos do espectáculo político… «Como é que é? Sempre me vais dar aquele papel?»… O travo amargo da ironia…

                                                                                José d’Encarnação

Publicado em Costa do Sol – Jornal Regional dos Concelhos de Oeiras e Cascais, nº 113, 21-10-2015, p. 6.

As fotos que seguem - da autoria de Alfredo Matos (bem haja, Amigo!) - pertencem à página do Facebook da companhia Palco 13. Peço de novo vénia para aqui as partilhar, em jeito de complemento ao «álbum» inserido na crónica anterior, publicada em Cyberjornal.
Instantâneo nos camarins. Foto de Alfredo Matos.
 
Luís Barros e Maria Camões. Foto de Alfredo Matos.
 
Romeu Vala e Tiago Retrê. Foto de Alfredo Matos.
 
Sara Matos. Foto de Alfredo Matos.
 
 

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Vida precisa-se!

            No decorrer da conversa que houve, a 3 de Outubro, em Loulé, no âmbito das comemorações dos 20 anos do Museu Municipal, Emanuel Sancho chamou a atenção para a necessidade de se passar a ver o público de um museu não como de visitantes mas de utilizadores. Justamente o que acontece com o Museu do Trajo, palco habitual das mais variadas iniciativas que levaram os habitantes a sentirem o espaço do museu como o sítio aonde podem ir e ali se sentem bem.
            E dei comigo a pensar no meu sítio, o Corotelo. E em tantos outros, quiçá, que no nosso concelho assim estão: sem vida! Quase não se vê vivalma; não há sequer placa toponímica (em pleno contraste com a vizinha Bordeira); as ruas não têm nome; nas casas parece que não se sente ninguém lá dentro… Transportes públicos viste-os? Não há por perto onde se possa comprar pão ou legumes ou um chouriço para assar!...
            Completou-se na vila o anel rodoviário, façanha mui louvavelmente apreciada e exemplar. «Tomara Loulé ter uma circular assim!», exclamava-me um louletano, quando se falou no visível e substancial melhoramento são-brasense. Vamos agora desafiar os nossos presidentes, o da Freguesia e o do Município, a passearem-se pelos sítios (como eu gosto desta designação, Sítio do Corotelo, Sítio da Fonta Murta – como nós dizíamos… – Sítio da Gralheira!...) e a olharem para eles com outros olhos: como é de ver!
            Claro: às pessoas cumpre também pensar que lixo de jardim não se deita fora assim sem mais nem menos, sem dar conta a quem de direito, para que se possa planear a recolha, tal como a dos monos, que há tendência para colocar junto dos ecopontos («eles que levem!»)… Neste caso, o brado é: civismo precisa-se!

                                                                     José d’Encarnação

             Publicado em Noticias de S. Braz nº 227, 20-10-2015, p. 11.

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

«O Protagonista» em cena no Parque Palmela

            Está em cena, no Auditório Fernando Lopes-Graça, no Parque Palmela, em Cascais, a peça, da autoria de Luís Lobão, intitulada «O Protagonista», numa realização da companhia Palco 13, aí residente desde 2010.
            Estreada, para convidados, no passado dia 15, terá sessões de quarta a sábado, às 21h30, até 28 de Novembro. Para maiores de 16 anos.
            A encenação coube a Marco Medeiros. Custódia Gallego, Sara Matos e Luís Barros foram os artistas convidados para se juntarem ao habitual elenco da Palco 13, que também integrou, desta feita, alguns dos antigos alunos da Escola Profissional de Teatro de Cascais. Aliás, Luís Lobão, que reside em S. João do Estoril, foi aluno dessa escola e também já representou no Mirita Casimiro.
            Terá sido, sem dúvida, a vivência desses jovens em busca de uma oportunidade, os seus dramas e interrogações, o seu desejo de singrarem numa carreira – que, à partida, reconhecem ser bem difícil – que o inspiraram, pois, na verdade, o espectáculo verdadeiro seria uma teatralização do Dom Quixote, de Miguel Cervantes, que se estaria a desenrolar do outro lado do pano. Os espectadores assistem, por coonseguinte, ao que se passa atrás, nos bastidores; às conversas dos actores antes e depois de entrarem em cena; ao nervosismo; à troca de roupa; à maquilhagem; aos incidentes; às guerras de camarim... Não hesitam em falar mal uns dos outros, numa trama em que a vontade de vencer é dominante e deixar de ser figurante e ter «falas» é a ambição mais ou menos por todos manifestada. No fundo, Romeu Vala é, ele, o jovem «protagonista» e é nele que mais se adensa essa ambição; mas todos anseiam o mesmo!...
            Custódia Gallego incarna a actriz sabida, a geração experiente. Sara Matos, a jovem tímida, sabedora, que bem estudou os textos e os sabe identificar. Luís Barros é um contra-regra, que dá as ordens, ares de dominador… Maria Camões simboliza a actriz rebelde e boçal. Tiago Retrê, o gordo a quem dão sempre papéis de gordo e, por isso, ele não consegue emagrecer!... Coio So traz original toque africano ao conjunto. O elenco inclui ainda Alexandre Carvalho, Catarina Aço Pinto, David Ferreira, Diogo Fialho, Gláucia Noémi e Inês Cunha. A dramaturgia esteve a cargo de Maria João Rocha Afonso e a coreografia deve-se a Inês Afflalo.
            O auditório – que ora integra o Bairro dos Museus, sob tutela da Fundação D. Luís I – tem lotação para pouco mais de uma centena de espectadores. No dia da estreia, esgotou, como era de esperar – aliás, a Palco 13 costuma esgotar sempre os seus espectáculos – e podiam ver-se, entre a assistência, muitas caras conhecidas das telenovelas que não hesitaram em vir aplaudir longamente e de pé
                                                                                              José d’Encarnação

 
      As fotos que seguem - da autoria de Alfredo Matos (bem haja, Amigo!) - pertencem à página do Facebook da companhia Palco 13. Peço vénia para aqui as partilhar, a fim de melhor se identificarem os actores citados.
Instantâneo antes do espectáculo

Romeu Vala, o protagonista

Luís Barros

Maria Camões

Sara Matos e Custódia Gallego

Tiago Retrê

Coio So

Quase todo o elenco do espectáculo
 

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Vamos adiar!

             Perdoar-me-á o leitor se partilho hoje sentimentos de septuagenário.
            É que estou numa fase em que, semana a semana, tenho felizmente conseguido, um após outro, dar caminho a assuntos que há anos estavam pendentes. E não imagina a consolação que é!... Como quem desfolha um calendário: “Este já passou, vamos a outro!”. Deve ser assim, porventura, na escusa cela duma cadeia, ou em tempo de guerra no campo de batalha, ou em atribulada viagem. Uma sensação de alívio!...
            Surgem-me, por isso, as frases de dois autores cujos livros estão (creio que já o disse) na minha mesinha de cabeceira.
            A primeira:

            «Pensas sempre que a vida é para amanhã:
            amanhã farei isto…
            amanhã terei aquilo…
            amanhã serei…
            Porque esperas por amanhã para viver? Um dia, para ti, não haverá mais amanhã e não terás vivido».
(Michel Quoist, Construir, Lisboa, 1965, p. 146).

            A segunda:

            «Tem-se o sentimento de que é preciso, por exemplo, escrever uma carta, e não se escreve essa carta. Os dias passam; conserva-se este pensamento como um remorso que se vai exasperando».
(Mário Gonçalves Viana, A Arte de Estudar, Porto, 1943, p. 255).

            Assim, passe a comparação, em clima eleitoral: o futuro, senhores, é que vai ser bom, porque nós vamos salvar o mundo! «Vamos»: o futuro. E… cadê o presente?
            Li numa tasca: «Tomorrow the beer is free!». Excelente ideia, pensei, amanhã, venho cá tomar um copo! E esquecia-me, naturalmente, da outra frase, mui sábia também: «Tomorrow never cames!»: o amanhã não existe, é sempre para o dia a seguir!...
            Nunca imaginei, confesso, que retirar, uma a uma, as folhas do calendário a marcar dias bem preenchidos pudesse trazer tamanha serenidade!

                                                                            José d’Encarnação

Publicado no quinzenário Renascimento (Mangualde), nº 671, 15-10-2015, p. 12.

sábado, 10 de outubro de 2015

Nervoso miudinho

             Era expressão que se ouve muita vez, em relação, sobretudo, a crianças ou idosos, uma vez que repentes desses são mais raros – ou deveriam sê-lo!... – em quem já bebeu da vida a experiência necessária para relativizar acontecimentos e reconhecer, serenamente, crente ou não, que nada, afinal, nos acontece por acaso.
            Pois o diacho do homem era assim. Não lhe fizessem a vontade, ficava logo cheio de nervoso miudinho e muita vez nos virava costas e saía de rabo alçado! De manhã, então, quando no dia anterior se combinara um trabalho…
            Já viste, Manel? O tempo não tá capaz, tá de fosquinhas!…
            … virava costas e abalava nunca se sabia bem para onde. Uma tristeza sem mezinha!...
            Gosto do «rabo alçado» – como gato ou cão que adivinha tempestade e foge enquanto é tempo! Gosto do «nervoso miudinho», para dar aquela ideia de que treme muito, não está quieto, sem mão em si; e a criação do substantivo a partir do qualificativo… óptima!
            De fosquinhas – negaças, caretas… – já falámos. Como se o céu e suas nuvens connosco brincassem aos palhaços.
            De mezinhas todos sabemos também; mas custa-nos muito quando a situação é de tal modo grave que só a podemos classificar de «tristeza sem mezinha»!…

                                                           José d’Encarnação

Publicado em VilAdentro [S. Brás de Alportel] nº 201, Outubro de 2015, p. 10.

 

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

A tristeza do parque vazio

             Dá-me tristeza ver um parque vazio, porque penso, de imediato, que uma das primeiras lutas das comissões de moradores após o 25 de Abril foi criar espaços para as crianças (e todos!) poderem espairecer, conviver, comunicar, saindo, como estávamos a sair, dum longo período em que tudo isso fora bem difícil de ser realidade.
            Cada bairro lutou pelo seu parque e, hoje, na verdade, não haverá lugar no concelho de Cascais que não tenha o seu parque infantil. E, além disso, quando se começou a pensar também nos adultos, criaram-se circuitos de manutenção. Recordo, no que respeita à freguesia de Cascais (perdoar-me-ão os senhores políticos se continuo a não aceitar a junção artificial das duas freguesias…), a luta que foi, no Outeiro da Vela, para haver aí um circuito, de que, confesso, não tenho ouvido falar e nem sei como ora está. Bem perto, também nesse bairro, para o pinhal do outeiro propriamente dito muitas foram as propostas – por concretizar.

Circuitos de manutenção
            Saberão os responsáveis como estão os aparelhos do circuito em muito boa hora instalado no paredão? Tenho pena de só mui raramente os ver utilizados. Como gostaria também de ver mais pessoas no que fica sobranceiro ao mar (localização excelente!), ao fundo da Rua da Torre!...
            Havia um bom circuito no Parque Palmela. Das últimas vezes que por lá passei, verifiquei – posso estar errado – que se deu prioridade às propostas ‘radicais’ para os jovens por sobre o ribeiro que o atravessa. O espaço merece, porém, maior publicidade, por constituir um recanto deveras aprazível e ali há lugar para velhos e novos. As iniciativas da companhia teatral Palco 13 (e outras) têm dado vida ao Auditório Fernando Lopes Graça e podem contribuir, na verdade, para se apreciar mais o parque. Gostaríamos, já aqui o escrevi, que se mudasse o painel da entrada, que encobre a singular minifloresta de dragoeiros, uma pérola a valorizar.

A necessária manutenção
            Falemos doutra manutenção. Não a das pessoas, mas a dos parques em si. Creio que estão agora sob a alçada das juntas de freguesia. Perdoem-me, novamente, os senhores políticos se mantenho a designação de ‘juntas’, por discordar, do ponto de vista da expressão, com a sua – para mim, injustificada – supressão.
            Além de me custar ver parques vazios, pelo que isso significa de ausência de tempo das famílias para deles usufruírem, custa-me também verificar amiúde que a manutenção dos aparelhos, salvo mui honrosas excepções, se tem esquecido. Compreendo que haja tantas outras prioridades, porventura até mais vistosas. Penso, porém, que – também neste caso – a diminuição da sua ocupação faz com que não haja quem se disponibilize a chamar a atenção das entidades quando algo carece de arranjo. O papel dos tutores de bairro da Cascais Ambiente poderá ser, nesse aspecto, de primordial importância, veiculando eventuais anomalias.

Urbanizações
            Sei que um projecto de urbanização tem de implicar sempre esses espaços de lazer. Recordo que foi uma das premissas que pusemos quando gizámos o Plano de Pormenor para a villa romana de Freiria, para além das hortas comunitárias que, pioneiramente, propusemos para as margens bem irrigadas do sempre corrente ribeiro que lhe fica aos pés.
            Permita-se-me que recorde, nesse aspecto, um projecto, polémico para a época, mas hoje, decerto, visto já com um olhar diferente: o do chamado Bairro J. Pimenta, no Alto da Pampilheira. Muitos prédios em altura, é certo; contudo, ‘respiravam’, respiram, com as zonas ajardinadas que foram deixadas entre eles. Aliás, João Pimenta – cujo falecimento não vi noticiado com as palavras de encómio que, apesar de tudo, eu creio que bem merecia – teve a seu lado uma equipa que viu para além do seu tempo. Cumpre fazer-lhe uma referência de boa memória, sobretudo se pensarmos quanto acabou por penar nos meses a seguir ao 25 de Abril, na impetuosa e desregrada vaga de ‘revolucionárias’ ocupações.
            E termino com um sorriso. A poente do «J. Pimenta» (é assim que se diz no dia-a-dia…) está o Bairro da Assunção. Tem também um parque infantil, mas as linhas urbanísticas (disseram-me os entendidos) já não foram tão ordenadas quanto as do ‘vizinho’. Entre os dois, a (hoje designada) Avenida Eng.º Adelino Amaro da Costa. E já se reparou que se ajardinou e se puseram bancos num espaço que ia ficar vazio? Solitários bancos, que sofrem com a poluição automóvel, mas se alegram, estou certo, por saberem que estão disponíveis para o velhote que, numa tarde calma, neles se queira sentar!...

                                                                      José d’Encarnação

Publicado em Costa do Sol – Jornal Regional dos Concelhos de Oeiras e Cascais, nº 111, 07-10-2015, p. 6.
Dois aspectos do referido recanto junto ao Bairro da Assunção.
Com vista de serra e vegetação abundante a rodeá-los,
os bancos suspiram por quem de uma pausa boa deseje usufruir!

 

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

As tascas e o guilho

            Levou-me o então presidente da Câmara Municipal de Évora, Abílio Fernandes, a 16 de Novembro de 1996, a almoçar com ele numa das tascas da cidade. Bancos e mesas de pau; à entrada, pendurada, uma toalha de papel com a ementa escrita a marcador azul. Claro, aqueles pratos típicos: pezinhos de coentrada, sopa de cação, carne do alguidar…
            E comentou comigo a sua vontade de reabilitar as tabernas como locais de convívio, a lembrar os finais de tarde em que, após o calor da jornada, os trabalhadores nelas se ajuntavam para um copo, um naco de pão com queijo, quando não uma tira de toicinho. E, até, de quando em vez, lá saía, natural, uma modinha para alegrar o coração...
            Outros municípios tiveram a mesma ideia. Há em Coimbra uma rota das tabernas e conceituada marca de vinhos acaba de lançar, no passado mês de Junho, o livro Tascas, em edição bilingue (português – inglês), para dar a conhecer «as melhores tascas de Lisboa». Da autoria de Tiago Cruz e Marco Dias, assinala, de cada tasca, a sua história e características, tudo acompanhado de bem saborosas ilustrações. De abrir o apetite, pois então! E lá se esclarece (pasme-se!): «Locais de comer e beber, na sua grande maioria, as tascas lisboetas surgiram de carvoarias fundadas por galegos no início do século XX. Era habitual terem uma sala contígua em que se serviam vinhos e petiscos. Com o uso da electricidade e do gás, o negócio do carvão morreu»… e ficaram os comes!
            Comes que nós muito gostaríamos que continuassem a ser os nossos, com nomes à nossa maneira. Rio-me sempre, por exemplo, com a ementa que traz «gambas à la guilho». Guilho é a cunha de aço para rachar cantarias, um dos objectos mais usados por meu pai, que era cabouqueiro. Constitui, pois, pura anedota essa ‘tradução’ do castelhano «al ajillo», «ao alhinho»… mas que se lhes há-de fazer? E agora essa do «gourmet» por tudo e por nada!? Para dar um ar modernaço, e a gente anda à procura da truta em prato «gourmet» e… tem de fazer uma escavação arqueológica! Para além de que, para ser «gourmet», tem de vir empratado a preceito, que os olhos também comem e… o pessoal que espere!
            Em vez dessas modernices, preferi, pois, a tasca de Mérida, onde almocei no dia 18. Logo a ementa, um espectáculo! Só transcrevo dois dos («primeros») pratos e recuso-me a traduzir, que perderia a graça: «Fresco y apetecible gazpachito extremeño, con guarnición de la huerta de Doña Sole»; «Cremoso y original salmorejo cordobés con jamón ibérico y huevo de gallina de campo de los de Otilia, la mujer que vive en frente de la puerta falsa de mi madre».  Não é um mimo? E bem à espanhola se comeu, pois então!

                                                                       José d’Encarnação

Publicado no quinzenário Renascimento (Mangualde), nº 670, 01-10-2015, p. 12.