Nunca
ouvira chamar totem à placa que ora se põe à entrada de monumentos para os
identificar e, até, para, em poucas palavras, deles se contar a história.
Sempre
ouvira designar totem a representação
de divindade ou ente sobrenatural colocada no acesso ao território dos índios.
Isto no tempo dos filmes de cowboys
da minha juventude. O totem era sagrado, defendia-se até à última, qual
bandeira em campo de batalha. Assim plantado, não apenas impediria a
intromissão do inimigo como abençoaria os amigos, gerando em torno de si benéficas
radiações protectoras.
Muito
se discutiu, por exemplo, acerca do significado das esculturas achadas nos castros
do Norte de Portugal, denominadas «guerreiros lusitanos». Correspondiam, de
facto, à descrição lida nos textos
antigos: protegiam-nos pequeno escudo redondo, empunhavam curto punhal,
ostentavam num dos braços braceletes («vírias», palavra de que poderia ter
derivado o nome Viriato). De pé, estáticos, qual guarda no Palácio Real de Buckingham… Deuses seriam?
Ou apenas a representação ideal do
chefe do castro, a impor respeito aos de fora?
O guerreiro lusitano, qual totem do povoado |
Assim longamente se discutiu até
que, na Citânia de Sanfins (Paços de Ferreira), se encontraram pés esculpidos
numa penedia de ingresso, dando a entender que a estátua dali fora arrancada.
Esclarecido ficou o enigma: os guerreiros lusitanos eram os guardiães de
castros e citânias. Aliás, não é sem motivo que se dá de caras com um deles à entrada
do Museu Nacional de Arqueologia, em Belém, como que para dizer: «Eu protejo o
monumento e seu recheio!».
Gostei,
pois, do uso do vocábulo totem. Pelo seu significado e, de modo especial, por
se haver optado por um termo português, ainda que derivado – através do inglês,
mas há muito tempo!... – de vocábulo «indígena
da América do Norte, provavelmente da família do algonquino», lê-se no
dicionário da Academia das Ciências de Lisboa. São os Algonquinos uma primitiva
tribo do Canadá. Não gosto é da conotação
que outro dicionário lhe dá: «Deus primitivo, informe e grosseiro, dos
selvagens».
Vieram
estas considerações a propósito de se haver designado totem a placa ora
colocada junto à porta de entrada nos Paços do Concelho de Cascais. Dir-se-ia
que assim se sacralizava e se protegia o espaço. O espaço administrativo e o
cultural, do Museu da Vila. Acho bem. Assim os espíritos bons nos protejam!
E
motivos há para essa protecção,
tanto num domínio como no outro. E se do administrativo não ouso falar, o
cultural não posso, mais uma vez, deixá-lo em silêncio, porque assim se concretizou
uma aspiração de longa data. Era uma
vergonha Cascais, vila pioneira em
tantos domínios, não ter um espaço a contar os aspectos mais significativos da
sua história. Relembre-se que, ao deitar-se abaixo o Pavilhão do Dramático, se
disse que aí se faria o museu – e
não se fez; que, ao remodelarem-se as Casas da Gandarinha, aí se faria o museu – e não se fez; que, ao pensar-se no
aproveitamento da Fortaleza de Nossa Senhora da Luz, aí se faria o museu – e não se fez.
Esta
odisseia teve, portanto, a meu ver, um final feliz. E é visita que se impõe!
A
propósito: já tirou lá a sua fotografia como se em 1900 estivesse? Experimente!
José d’Encarnação
Publicado em Costa do Sol Jornal (Cascais), nº 305, 2019-11-13, p. 6.
Um belo texto em que mais uma vez aprendi tanto, desta feita a propósito do significado da palavra totem que dá o nome à placa junto à porta dos Paços do Concelho de Cascais. E então aproveito a sugestão: um dia destes passo por lá para tirar a fotografia.Um beijo.
ResponderEliminarNeyde Theml
ResponderEliminarSua explicação de totem está excelente, precisa e respeitosa aos povos das Américas.