E
ocorreu-me, necessariamente, como de certeza ocorreu a muitos, a imagem da
grande estátua com os pés de barro, imagem amiúde usada para mostrar que, para
ser grande em todos os pontos de vista, importa sê-lo da cabeça até aos pés! E
os gigantes de pés de barro, afinal, ostentam ser deslumbrantes, mas faltam-lhes
as bases – e leve enxurrada basta para que toda a sua prosápia caia por terra.
Outras
imagens nos surgem também: as da guerra no Médio Oriente. E não só. As intermináveis
filas de refugiados a caminho de fronteiras, para além das quais (pensam!) as condições
de sobrevivência serão melhores. E nós, os que, felizmente, nascemos num pais
pequenino e minimamente sossegado, nós, que não temos a menor ideia do que seja
isso de andar com os parcos pertences às costas, fugindo às balas e às
armadilhas, nós ouvimos falar da imagem «a vida é como um carrossel, ora estamos
em cima, ora em baixo», como em montanha russa, mas não consciencializamos exactamente
o que é mesmo essa história da precariedade da vida. Sim, o treinador de futebol,
mesmo que o clube tenha vendido os melhores jogadores, é obrigado a ganhar
sempre, sob pena de ser despedido. Hoje está nos píncaros, amanhã, se a equipa
perder, é ele que perde e vai para o mais profundo dos infernos. Há um dito
latino que o retrata bem «sic transit gloria mundi!», «assim passa a glória do
mundo!»…
Passa,
passagem, transitoriedade, caminhada…
Nestes
dias de quarentena, fomos obrigados a parar. E é bom parar. David Kundtz
escreveu mesmo um livro a que, na tradução
portuguesa, se deu o título de «Parar (Como parar quando temos de continuar)».
E esta paragem forçada despertou-nos, na verdade, para um novo paradigma.
Depois do coronavírus, nada nas nossas vidas vai ser como dantes!
José d’Encarnação
Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 774, 01-04-2020, p. 11.
Muito bom.! Parabéns. Tudo bom.
ResponderEliminarA crónica, muito bem escrita como só o meu Amigo sabe, é uma análise reflexiva sobre a nossa existência precária e a efemeridade da glória. Mas a qualidade humana de quem ficar é que vai determinar quão profunda será a inevitável mudança. Seria tão bom que não assistíssemos a mais diásporas, a tanta humilhação de seres humanos que sentem como todos os outros, a tanta exploração infantil...
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