–
Temos de cortar aquela malva, não achas?
–
Porquê?
–
Está grande de mais, abafa a roseira pequena. E, depois, para que serve? Não
nos apetece lavar ninguém com água de malvas nem para curar infecções; já não
estamos em maré de atirar inimigo às malvas; não carecemos de lhes secar as
folhas para chá, porque Malveira, a povoação
a que deram nome, não é aqui!
–
Sim. Vou apará-la, mas não a arranco. Gosto das flores dela, sabes?
Observei
melhor. Quem diria? Cada uma das suas cinco pétalas, de raios violáceos, tinha
na ponta uma chanfradura! À vista normal,
apressada, tal seria resultado – diríamos – de roedela de bicho daninho,
lagarta nociva. Não era! Requinte estético duma Natureza a surpreender-nos sem
cessar!
E
o gracioso recorte das folhas palmadas? Sim, lembro-me de ter aprendido em Botânica
que folhas assim, em jeito de palma da mão e com cinco dedos eram palmadas e
palminérveas.
Só
o vírus e a quietude por ele proporcionada, a exigir agendamento de ritmo me
permitiram, parar, sem pressa, na admiração
de singela malva, doutra forma despercebida por completo. As flores feneceriam
sem que eu nelas reparasse; as folhas – que deslumbrante desenho o das nervuras!...
– acabariam por perder este verde forte, amareleceriam, tombariam murchas e
finar-se-iam, incógnitas, no meio de bem desagradável lixo de jardim.
Podem
estar descansadas, amigas! Aí completarão o ciclo de vida. “Resto inorgânico indiferenciado”,
sim; mas, se lhes for possível ter consciência, poderão ufanar-se perante as
demais:
–
Sabes? Um dia, o senhor do jardim onde eu vivi, reparou em mim, achou-me bonita
e até fez uma crónica a chamar a atenção
para o invulgar recorte das minhas pétalas, imagina!...
Sinto-me
de missão cumprida!
José d’Encarnação
Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 777, 01-06-2020, p. 13.
"O Senhor do Jardim"...Que bonito apontamento sobre a beleza das malvas, porque o retiro forçado a que chamaram confinamento, permitiu a contemplação mais cuidada! Também eu diria, se de cabeça baixa a mirar "a chanfradura das pétalas" que alguma lagarta macho, apaixonada pela macieza raiada, lhes daria uns beijos mais acesos e profundos. Mas só um observador-poeta perceberia que era coincidência a mais aquele selo com tão perfeita repartição. E é bem de ver que, se as plantas falarem quando já "resto inorgânico"a servir de alimento a outras plantas novas, não poderão deixar de gabar-se da avaliação meticulosa do "Senhor do Jardim" que lhes admirou a beleza da juventude. Lindo texto. Foi uma delícia ler.
ResponderEliminarTomei a liberdade de recortar e transcrever aqui, com gratidão, os simpáticos comentários exarados na página do FB:
ResponderEliminarMaria de Jesus Brito
Também cá tivemos uma no nosso jardim, este ano. Espontaneamente nasceu e espontaneamente cresceu. Deixámo-la ficar até que as flores e folhas amareleceram e secaram. Só depois a cortámos. Saudosismo de uma época em que esta planta curava quase tudo, antes de recorrermos ao antibiótico por tudo e por nada. Quem sabe gratidão!...
Eísio Aveiro
Hoje é dia mundial do ambiente, dedicado à biodiversidade, eu quando mondo as plantas do meu quintal, as que cultivei com fins alimentares, deixo ficar algumas "selvagens" que eram e ainda são, pelo menos para mim plantas medicinais, malva, funcho, cardo mariano, dente de leão..., por isso acho bem: deixai a malva crescer e ouvi a chuva a cair!
E aquele abraço para o Professor
Helena Ventura Pereira
Fui ler...e muito aprendi com mais esta lição. Nada saber das pétalas ou das folhas das plantas que ladeiam os caminhos que percorremos, é triste!... Que lindo pedacinho de prosa!
Julia Franco
Professor,
o confinamento ensina e a aprendizagem depende, certamente, do observador.
Obrigada por este belo texto!
Um sereno fim de semana, como convém!
Maria Amélia Moreira Feio
ResponderEliminar12 de junho às 12:41
Eu gosto imenso de fazer recolha de ervas aromáticas e costumo guardar a malva para as infecções urinárias, assim como o alecrim, as sementes de catacuzes e as de carrasquinhas para a diarreia e faz bem, assim como outras para chás. É bonito ter conhecimento sobre elas. Eu não as conheço todas, mas algumas. Em Alvito, há muitas e, como moro cá, aproveito. Na minha terra ainda há mais e eu, quando vou a Mértola, gosto de ir a elas. A minha avó dizia que se deviam colher até quinta-feira de Ascensão.
Que maravilha! Que feliz deve estar a malva! E eu também, por este momento tão bonito! Muito obrigada.
ResponderEliminarProf.
ResponderEliminarGostei imenso.
Lindo.