sábado, 14 de agosto de 2021

O Sonho ganhou asas, a Arte consumou-se!

Esteve em cena, na estufa do Parque Marechal Carmona, em Cascais, a peça Os Gigantes da Montanha, do dramaturgo italiano Luigi Pirandello (1867-1936).
Encenado por Carlos Avilez, o espectáculo constituiu, como é habitual, a prova final dos estudantes da Escola Profissional de Teatro de Cascais.

1.  O espectáculo na Escola

Cumpre assinalar, em primeiro lugar, que, apesar das adversidades provocadas pela pandemia – visíveis mais, sem dúvida, numa escola com as características da Escola Profissional de Teatro de Cascais –, os seus responsáveis lograram levar o barco a bom porto e preparar, desta sorte, o espectáculo de final de curso.
            Divididos em três elencos, de forma a todos poderem actuar, assistimos às provas de 40 finalistas e de mais 16 alunos do 2º ano. Luiz Rizo e Sérgio Silva foram os actores da companhia que os acompanharam.
            Proporcionou-se, pois, aos estudantes a possibilidade de assim ensaiarem – como é cunho de Carlos Avilez – não apenas a voz e o gesto mas, de modo especial, com público, a rigorosa movimentação em cena, servindo-se, por exemplo, de bem movimentada coreografia, onde a dança não pôde faltar.
           Numa conjuntura em que sobre as artes cénicas impende, mui dramática, a acutilante espada de Dâmocles e a porta do futuro teima em querer manter-se fechada, o espectáculo representou um grito de alerta, um suspiro de esperança, lancinante brado de entusiasmo!

2. O lugar

Ao longo da sua existência, já o TEC saiu várias vezes do seu tugúrio no Monte Estoril e sabiamente experimentou outros cenários. Vimo-lo no Parque Palmela, num parque subterrâneo de automóveis, naquele morro do Parque Marechal Carmona, em espaços do Museu dos Condes de Castro Guimarães…
A escolha da estufa do Parque Marechal Carmona é que não lembraria ao mais engenhoso! E nisso se tem de aplaudir o extraordinário génio do encenador Carlos Avilez e de toda a sua equipa. Espaço exíguo, hexagonal, só para 23 espectadores alinhados num palanque em redor, vendo o que se passa em baixo, continuando a ouvir, qual ‘pano’ de fundo, nesse final de tarde, o trinado das aves que pululam pelo parque, esgueirando-se pelas frestas os derradeiros raios do Sol a despedir-se do dia. Um encanto!
Tudo foi, pois, pensado a rigor, nas entradas e saídas, nas posições a tomar em cada momento…
E outro aspecto há a salientar: ao parque se deu mais vida; para o parque se há-de olhar doravante não apenas como lugar de bem prazenteiro lazer em passeio mas também como palco. Sim, lá se realizam concertos; mas… no aconchego da estufa, uma peça de teatro, com um bom punhado de actores?!...
Tudo foi cuidadosamente aproveitado! Até as mesas cá de fora, pensadas para repousada merenda, serviram para quatro briosas «sevilhanas» – ah! miúdas duma figa!... – nos brindarem, desde logo, com o azougue das danças andaluzas, a chamarem a atenção para o que ali, daí a pouco, se iria passar. E as pessoas paravam, apreciavam, fotografavam, filmavam, gostavam!...
 Foi durante pouco tempo – esse, o nosso pesar!

O desafio

            Esta peça de Pirandello já teve as mais díspares e desconcertantes encenações, não apenas pelo ‘picante’ (digamos assim) de o autor no-la ter legado inacabada (foi publicada pela primeira vez em 1937, um ano após a sua morte), mas porque no texto se entrelaçam e enredam as mais desconcertantes situações, de tal maneira que, amiúde, nem os próprios actores percebem se o vizinho está a representar num outro mundo ou se se mantém no concreto…
            Na verdade, há também aqui uma peça dentro doutra peça. Queria-se representar o drama da mãe que se apercebera de que o seu filho fora trocado; não se encontram circunstâncias propícias para o efeito e fazem-se tentativas.
          Sirva-nos a apresentação gizada por Graça P. Corrêa, responsável por esta versão dramatúrgica elaborada a partir da tradução atribuída a Luís Miguel Cintra, mas que é, afinal, da Doutora Rita Marnoto, docente de Italiano na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra
Primeiro, uma síntese do entrecho:

            «A acção começa ao entardecer, quando o que resta de uma companhia delapidada, de actores famintos […], liderados por uma vedeta delirante (a Condessa) e um mecenas falido (o Conde), chega com a sua carroça a uma mansão perdida num vale, junto a uma montanha. Esta mansão é um lugar fora do mundo, habitado por fantoches e aparições bizarras (…) e governado pela magia de Cotrone e de Hekate […], os quais têm o poder de “inventar a verdade” e invocar forças ocultas».

            Depois, o significado:

            «Os Gigantes da Montanha é uma fábula sobre o imenso valor da arte num mundo dominado por gigantes que só se preocupam com empreendimentos lucrativos e com o desenvolvimento incessante de máquinas que extraiam da montanha todos os recursos naturais, perseguindo uma lógica economicista que traduz constantemente a vida em cifrões».

            Duas ideias prevaleceram para mim, neste Agosto de 2021, em que já nos habituámos a usar máscara e em que tanto lutamos para defender a Cultura:

            – Ocupa a máscara papel de relevo nesta encenação, de modo que há, a determinado momento, uma espécie de procissão, que mais nos parece cortejo de jardim zoológico, porque de animais são as máscaras usadas;
            – a representação teatral, único, imprescindível estratagema para verberar atitudes, despertar consciências, gritar!
            Numa singela estufa que nunca sonhara ser palco de peça teatral, o Sonho ganhou asas, a Imaginação não teve limites, a Arte consumou-se!
            E queremos mais!

                                                                       José d’Encarnação

 Publicado, em 1ª versão, em Duas Linhas,





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