Esteve
em cena, na estufa do Parque Marechal Carmona, em Cascais, a peça Os Gigantes da
Montanha, do dramaturgo italiano Luigi Pirandello (1867-1936).
Encenado
por Carlos Avilez, o espectáculo constituiu, como é habitual, a prova final dos
estudantes da Escola Profissional de Teatro de Cascais.
1.
O espectáculo na Escola
Cumpre
assinalar, em primeiro lugar, que, apesar das adversidades provocadas pela pandemia
– visíveis mais, sem dúvida, numa escola com as características da Escola
Profissional de Teatro de Cascais –, os seus responsáveis lograram levar o
barco a bom porto e preparar, desta sorte, o espectáculo de final de curso.
Divididos em três elencos, de forma
a todos poderem actuar, assistimos às provas de 40 finalistas e de mais 16
alunos do 2º ano. Luiz Rizo e Sérgio Silva foram os actores da companhia que os
acompanharam.
Proporcionou-se, pois, aos
estudantes a possibilidade de assim ensaiarem – como é cunho de Carlos Avilez –
não apenas a voz e o gesto mas, de modo especial, com público, a rigorosa
movimentação em cena, servindo-se, por exemplo, de bem movimentada coreografia,
onde a dança não pôde faltar.
Numa conjuntura em que sobre as artes
cénicas impende, mui dramática, a acutilante espada de Dâmocles e a porta do futuro
teima em querer manter-se fechada, o espectáculo representou um grito de alerta,
um suspiro de esperança, lancinante brado de entusiasmo!
2. O lugar
Ao
longo da sua existência, já o TEC saiu várias vezes do seu tugúrio no Monte
Estoril e sabiamente experimentou outros cenários. Vimo-lo no Parque
Palmela, num parque subterrâneo de automóveis, naquele morro do Parque Marechal
Carmona, em espaços do Museu dos Condes de Castro Guimarães…
A
escolha da estufa do Parque Marechal Carmona é que não lembraria ao mais
engenhoso! E nisso se tem de aplaudir o extraordinário génio do encenador
Carlos Avilez e de toda a sua equipa. Espaço exíguo, hexagonal, só para 23 espectadores
alinhados num palanque em redor, vendo o que se passa em baixo, continuando a
ouvir, qual ‘pano’ de fundo, nesse final de tarde, o trinado das aves que pululam
pelo parque, esgueirando-se pelas frestas os derradeiros raios do Sol a
despedir-se do dia. Um encanto!
Tudo
foi, pois, pensado a rigor, nas entradas e saídas, nas posições a tomar em cada
momento…
E
outro aspecto há a salientar: ao parque se deu mais vida; para o parque se
há-de olhar doravante não apenas como lugar de bem prazenteiro lazer em passeio
mas também como palco. Sim, lá se realizam concertos; mas… no aconchego da
estufa, uma peça de teatro, com um bom punhado de actores?!...
Tudo
foi cuidadosamente aproveitado! Até as mesas cá de fora, pensadas para
repousada merenda, serviram para quatro briosas «sevilhanas» – ah! miúdas duma
figa!... – nos brindarem, desde logo, com o azougue das danças andaluzas, a chamarem
a atenção para o que ali, daí a pouco, se iria passar. E as pessoas paravam,
apreciavam, fotografavam, filmavam, gostavam!...
Foi
durante pouco tempo – esse, o nosso pesar!
O
desafio
Esta peça de Pirandello já teve as
mais díspares e desconcertantes encenações, não apenas pelo ‘picante’ (digamos
assim) de o autor no-la ter legado inacabada (foi publicada pela primeira vez
em 1937, um ano após a sua morte), mas porque no texto se entrelaçam e enredam
as mais desconcertantes situações, de tal maneira que, amiúde, nem os próprios
actores percebem se o vizinho está a representar num outro mundo ou se se
mantém no concreto…
Na verdade, há também aqui uma peça
dentro doutra peça. Queria-se representar o drama da mãe que se apercebera de
que o seu filho fora trocado; não se encontram circunstâncias propícias para o
efeito e fazem-se tentativas.
Sirva-nos a apresentação gizada por
Graça P. Corrêa, responsável por esta versão dramatúrgica elaborada a partir da
tradução atribuída a Luís Miguel Cintra, mas que é, afinal, da Doutora Rita
Marnoto, docente de Italiano na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra
Primeiro,
uma síntese do entrecho:
«A acção começa ao entardecer,
quando o que resta de uma companhia delapidada, de actores famintos […],
liderados por uma vedeta delirante (a Condessa) e um mecenas falido (o Conde),
chega com a sua carroça a uma mansão perdida num vale, junto a uma montanha.
Esta mansão é um lugar fora do mundo, habitado por fantoches e aparições
bizarras (…) e governado pela magia de Cotrone e de Hekate […], os quais têm o
poder de “inventar a verdade” e invocar forças ocultas».
Depois, o significado:
«Os Gigantes da Montanha é
uma fábula sobre o imenso valor da arte num mundo dominado por gigantes que só
se preocupam com empreendimentos lucrativos e com o desenvolvimento incessante
de máquinas que extraiam da montanha todos os recursos naturais, perseguindo
uma lógica economicista que traduz constantemente a vida em cifrões».
Duas ideias prevaleceram para mim,
neste Agosto de 2021, em que já nos habituámos a usar máscara e em que tanto
lutamos para defender a Cultura:
– Ocupa a máscara papel de relevo
nesta encenação, de modo que há, a determinado momento, uma espécie de
procissão, que mais nos parece cortejo de jardim zoológico, porque de animais
são as máscaras usadas;
– a representação teatral, único,
imprescindível estratagema para verberar atitudes, despertar consciências, gritar!
…
Numa singela estufa que nunca
sonhara ser palco de peça teatral, o Sonho ganhou asas, a Imaginação não teve
limites, a Arte consumou-se!
E queremos mais!
José
d’Encarnação
Publicado, em 1ª versão, em Duas Linhas,
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