segunda-feira, 9 de agosto de 2021

Os duendes dos parques cascalenses

O livro Contos dos Jardins de Cascais, da autoria de Teresa Ribeiro com ilustrações de Carolina Branco, proporciona às crianças – e aos adultos, porque não? – uma viagem mágica pelos parques de Cascais.

            Trata-se de uma assaz curiosa – e até inesperada! – publicação da Divisão de Arquivo, Bibliotecas e Património Histórico da Câmara Municipal de Cascais, excelente pretexto para aliciar a demorada visita a cinco parques cascalenses: o Parque Marechal Carmona, onde se assistirá à festa do rei Glei; o Parque Palmela, onde se falará de dragões e dragoeiros; o Parque da Ribeira dos Mochos, onde se irá à descoberta de outra terra; o parque da Quinta da Alagoa, de misteriosas esculturas; e, finalmente, o jardim do Museu Verdades de Faria, para aí escutar a alma da música.

            Tudo, diga-se desde já, entremeado de deliciosos desenhos a cores – que Carolina Branco soube, às mil maravilhas, captar o verdadeiro sentido de tudo e mui sabiamente acompanhar a narrativa. Despretensiosamente (parece!...), verdadeiras obras de arte!
            Por isso, cumpre vivamente congratularmo-nos com a feliz iniciativa.

A realidade

         Tudo não passa de fantasia, claro! Mas é uma saborosa fantasia essa de imaginarmos esses magníficos espaços povoados de minúsculos seres, que, afinal, poderão estar por detrás dos troncos, das minúsculas flores, das folhas mais pequeninas, a espreitar, a convidar-nos para não andarmos assim tão depressa!...
          É, porém, uma fantasia baseada na realidade e esse aspecto deve ser devidamente valorizado. Assim, no final de cada capítulo há um apêndice com fotografias do parque real e a explicação do que os duendes nos mostraram. Pergunta-se: «Que verdade liga a…?». Ou seja: amigos, o que é que, em concreto, está por detrás desta história?
            Do Parque Marechal Carmona, nada é descurado na fantasiada descrição:
– a ribeira que vai desaguar na praia (o Canal-de-Água), nessa ânsia de comerciar e partir para outros horizontes;
– aquele estranho castelo (castelo será? Na história é Gruta-Castelo-de-Rei!...);
– e, sobretudo, a descoberta dos frutos necessários para a festa do rei: bolotas, castanhas, figos, amoras (ai, amoras, que o rei adorava!), verdadeira lição para todos…
Do Parque Palmela, ‘antigo espaço de recreio dos Duques de Palmela’, ressalta-se o pinheiro das Canárias «classificado como de interesse público, que, em 2006, tinha 24,5 metros de altura» (e quantos não terá agora?!) e, sobretudo «a fabulosa mata de dragoeiros».
Do Parque da Ribeira dos Mochos:
– os mochos e o seu bem estranho nocturno viver, que, a dado momento, se encontram com os morcegos (e como eles têm pena que os morcegos estejam a desaparecer!...);
– o viveiro municipal de plantas e flores;
– o antigo aqueduto e é por ele que os duendes não hesitam em se aventurar…
No Parque da Quinta da Alagoa, conta-se como a lagoa nasceu do buraco deixado por uma pedreira, as rãs entram na história assim como essas figuras míticas dos dinossauros com que, mui felizmente, a topiária soube adornar o espaço. Topiária, a arte de fazer jardins!
Por fim, o jardim que rodeia a Casa-Museu Verdades de Faria, onde se guardam, entre muitas outras, as relíquias do magnífico labor dos músicos Fernando Lopes-Graça, Michel Giacometti e Álvaro Cassuto. O Museu da Música Tradicional Portuguesa.
Linguagem simples, deveras acessível. As situações retratadas são as do quotidiano, plenas de apontamentos pitorescos:

«Foram encontrar os gnomos músicos a chapinhar no tanque mágico»;

«Viram as gotinhas de água a sair de uma maquineta que andava à roda, enquanto molhavam tudo à sua volta».
Dá gosto ler, mesmo por um adulto que não se coíba de se deixar levar pela fantasia como num retorno à infância.
Além dos aspectos típicos de cada parque para que, ao correr da pena, se chama a atenção – e que, no final dos capítulos, como se disse, são realçados – há que assinalar-se o rigor técnico da terminologia usada. Veja-se, por exemplo, o cuidado em informar serem de crinas as cordas dos violinos; que a madeira de epícea e de ácer são as adequadas para fabricar partes dos instrumentos musicais; que este têm alma e esta se reveste da maior importância para a qualidade do som.
Enfim, lições as mais variadas, a determinar ser esta uma leitura que obriga a parar de vez em quando, para se consciencializarem essas peculiaridades.

Os dragoeiros menosprezados pela Câmara

            No rol das árvores citadas neste livro, ocupam os dragoeiros lugar primacial:
          «O guardião da Mata dos Dragões não nos deixa entrar sem o salvo-conduto do Rei. Infelizmente tem de ser assim. Aquelas árvores são demasiadamente preciosas para o nosso Reino. Não nos podemos esquecer que é nosso dever protegê-las! (p. 87).
            Assim deveria ser.
        Chamam-se dragoeiros porque a sua seiva tem a cor do sangue dum dragão (dizia-se antigamente), bem carmesim. Era, por isso, usada em tinturaria. Neste caso, os duendes carecem dela para dar, nomeadamente às caixas dos violinos, aquela cor vermelho-acastanhada que lhes é característica.
            Depois, porque existe no Parque Palmela – significativamente chamado no livro de Mata dos Dragões, como vimos – uma pequena floresta de dragoeiros, classificada “de interesse público” pela Autoridade Nacional Florestal (Aviso n.º 5/2012, de 16 de Março). Pequena, sim, mas basto significativa, pois, ao que parece outra não há deste tamanho no nosso País. E o dragoeiro é árvore bem bonita, convenhamos; a sua floração, exuberante!
            Escreve-se, no título deste apartado, que a Câmara Municipal tem menosprezado essa pequena floresta. Tem. E importa explicar porquê. É que existem, dois painéis publicitários que impedem ao transeunte a visão plena desta beleza. Um é institucional, como se diz, ou seja, serve a publicidade da Câmara; outro foi concessionado.
Ora acontece que, entre as medidas de gestão, designadamente para melhor usufruto dessa mata de espécies únicas, foi proposta a retirada desses painéis.
Iniciou-se, por isso, a 21 de Março de 2017, nos serviços camarários, por pronta intervenção da Cascais Ambiente, o processo que propunha a retirada de, pelo menos, o painel institucional gerido pela Câmara. Esse processo seguiu todos os trâmites necessários em tais situações, sempre angariando pareceres favoráveis, tendo culminado com a proposta de concordância, por parte do Director do Departamento de Gestão Territorial, Luís Campos Guerra, datada de 12 de Julho de 2017. Houve ocasião, a 1 de Junho de 2020, de insistir na resolução do assunto (referência E-DCID/2020/8367).
            Passaram, portanto, quatro anos e… nada! Já na imprensa local se falou disso amiúde. Aliás, Vasco Manuel Almeida da Silva, do Centro de Ecologia Aplicada “Prof. Baeta Neves”, do Instituto Superior de Agronomia, publicara na revista Bouteloua, nº 21 (Junho de 2015), p. 123-133, o artigo «A mata de dragoeiros do Parque Palmela em Cascais (Portugal), contributos para a sua valorização».
            Pode ser que estejamos enganados, mas, pelo menos aparentemente, o Executivo não se tem verdadeiramente empenhado para que os seus técnicos dêem seguimento à sugestão preconizada.

Conclusão

            Publicou a Divisão de Arquivo, Bibliotecas e Património Histórico da Câmara Municipal de Cascais – e fez muito bem! – estes Contos dos Jardins de Cascais. Aí se faz claramente e com realce o elogio dos dragoeiros do Parque Palmela.
            É, pois, mais um bom pretexto, mesmo antes de a campanha eleitoral autárquica começar, para que o Executivo faça jus à sua proclamada vontade de valorizar o património natural concelhio! 
 
                                                               José d’Encarnação

Publicado em Duas Linhas, 09-08-2021:

 

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