Uma
conversa com Filipa Oliveira Antunes
Fiquei seduzido
desde o primeiro encontro com a pintura de Filipa Oliveira Antunes. Foi no
Salão de Outono do Casino Estoril, em 2017. Era mágica a forma como envolvia a arquitectura
na paisagem, num halo de poesia a transportar-nos para outras paragens, oníricas
quiçá, a mostrar-nos que a realidade pode ser trampolim para o sonho.
Decerto tal não
aconteceu apenas comigo, porque, logo em 2018, a mesma galeria albergou o seu
«Um Adeus Infinito». Um dos quadros chamava-se «Simonetta» e sobre ele tive
ocasião de publicar esta nota, a 19 de Março desse ano:
«Apostaria
que é, de novo, o olhar de Filipa Antunes a espraiar-se pelo azul da costa
cascalense, as algas assumem-se em primeiro plano e há riscos brancos a varrer
o horizonte. Uma nuvem se adensa ao fundo. E se casas são, as da costa, de
negrura se vestem, a contrastar com a chapada de luz a rasgar o céu e a
espelhar-se, resplandecente, numa réstia de água…».
E
terminava assim a minha recensão:
«Apetece
sentar-se na sala, em contemplação demorada. No silêncio, deixando a Beleza
inebriar-nos».
A mesma sensação
temos agora com esta sua 3ª exposição individual a que deu o nome de «Andorinha
que vais alta!», inspirado na quadra de Fernando Pessoa: “Andorinha que vais
alta, / Porque não me vens trazer / Qualquer coisa que me falta / E que te não
sei dizer?”.
Natural de Lisboa,
onde nasceu em 1973, Filipa Oliveira Antunes é Mestre em Arquitectura da Habitação,
Doutora em Urbanismo e lecciona, desde 1997, na Universidade Lusófona de
Humanidades e Tecnologias.
Dela quisemos
saber mais.
– Que a
seduziu para seguir Arquitectura?
– Conheci a
Arquitetura pela mão de uma professora de liceu que marcou a minha geração pela
sua capacidade pedagógica capaz de envolver os alunos em projetos reais e de
significativo impacto na comunidade. Deu-nos a conhecer a Arte na sua amplitude
e, desde muito jovem, tive a certeza que queria aplicar o gosto pelo desenho e
a minha criatividade na transformação do espaço. Os meus pais e o meu avô
materno são igualmente decisivos no percurso que escolhi e desenvolvi. Aprendi
com eles a arte de produzir e de concretizar um determinado objetivo artístico
ou técnico e hoje tenho a consciência de que isso é um pensamento muito
arquitetónico.
– «Mestre
em Arquitectura da Habitação»: que linhas mestras desenvolveu na sua
dissertação de mestrado?
– Na
continuidade da formação em arquitetura, terminei a licenciatura em meados dos
anos 90, e participei em diversos projetos de construção, nomeadamente no
Parque das Nações – EXPO98. Essa experiência levou-me a querer aprofundar o
tema da habitação. Fiz um Mestrado com especialização em arquitetura de
habitação e desenvolvi uma linha de investigação centrada na morfologia dos
Pátios e Vilas de Lisboa. Uma matéria que junta a arquitetura ao urbanismo e
que me leva mais tarde a fazer a tese de Doutoramento sobre loteamentos, na
relação projetual entre o espaço público e o edificado.
– A
habitação para o homem, a habitação para o ambiente – dois binómios a ter sempre
presentes, não é verdade? Que regras imprescindíveis há aí a cultivar?
– Ser arquiteta é
uma enorme responsabilidade. O território natural é de uma beleza inigualável e
a arquitetura tem a missão de o potenciar. Assim como os ambientes urbanos
devem corresponder aos valores da ecologia humana. Sendo a Arquitetura uma das
profissões mais complexas, pela natureza das escalas de intervenção, diria que
a regra passará por encontrar o carácter sensorial e emocional que os espaços
podem evidenciar sobre a ética da apropriação humana.
– Da
Arquitecta e da Professora para a Artista que decide expor – porquê?
– Em 2021
assinalo os 25 anos de desempenho profissional na área da prática da
arquitetura que tenho desenvolvido paralelamente com a atividade académica,
como professora de arquitetura. Tendo começado a trabalhar muito cedo em
ateliers de arte e de arquitetura, ainda enquanto estudante na faculdade,
aplicando o meu gosto pelo desenho, acabei por desenvolver bastante esta
capacidade. Aos 19 anos estava a desenhar cenas da bíblia para vitrais de
igreja, e todos esses trabalhos foram abrindo caminho e oportunidades para
expor os meus desenhos e mais tarde pinturas.
– Andorinha / Primavera – que mensagem a desta
exposição?
– Esta é a minha 3ª
exposição individual na Galeria de Arte do Casino Estoril –Andorinha que vais
alta – transporta para a pintura a mensagem de poetas, ceramistas e músicos,
uma mensagem de renovação e de identidade nacional revista na esperança de um novo
ciclo. Quis trazer para as telas uma perspetiva de voo mais alto em analogia
com a vida, a nova vida que todos temos e que aprendemos na superação e na
proteção.
–
Algum dos
quadros lhe merece predilecção?
– Vivo cada quadro
com muita intensidade, o processo criativo é de uma exigência transformadora, e
nesse sentido posso destacar o primeiro que produzi para esta mostra e que
abriu caminho aos restantes – Voo em perspectiva – por ser também
arquitetónico e poético.
– Bem haja,
Filipa! E permita-me que, a concluir, eu realce também a sua «história verídica», a da andorinha que tenta
reanimar a amiga que jaz ferida. Gosto da asa angelical da ‘socorrista’ e
considero este um bem oportuno apontamento quando se soube, há dias, que, em
França, um homem caído na rua acabou por morrer por ninguém lhe ter dado
atenção… A Arte é também isto: suave anátema contra a indiferença – que, no
dia-a-dia, há momentos, os bons e os menos bons, os belos e os menos agradáveis
que demandam a nossa atenção. Bem haja!
E, claro, a terminar, o convite, leitor: passe pela galeria do Casino – « Andorinha que vais alta» espera por si até 7 de Março.
José d’Encarnação
Publicado em Duas
Linhas, 23-02-2022:
https://duaslinhas.pt/2022/02/arquitectura-e-pintura-um-casamento-feliz/
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