António
viu que o senhor com quem cortara relações lhe tentara telefonar. Aliás, como
não atendera, ele deixara-lhe mensagem de voz. António demorou a ouvi-la. Temia
o pior. Chegou a pensar que a mulher do ex-amigo podia ter morrido e não saberia
como actuar nesse caso, indeciso entre a amizade para com a mulher e as
relações cortadas. Que lhe quereria? Coisa boa não era, decerto. Hesitou.
Hesitou. E a ansiedade aumentava. Decidiu-se. Nada de anormal.
Apenas uma ameaça: «Se continuar a enviar mensagens para a minha caixa de
correio, eu processo-o!». António esquecera-se de excluir o ex-amigo da sua
lista de informações. Excluiu-o de pronto e ficou de espírito aliviado
Escreveu
Joseph Murphy uma frase que amiúde me ocorre: «Viu um bocado de corda, imaginou uma serpente, ficou transido
de medo!».
Acredito
que tanto os que lutaram na guerra colonial como, agora, crianças, mulheres e
até homens, que ouvem barulho anormal, de imediato imaginem sirene de alarme ou
motor de avião inimigo! E reagem em consonância! O medo! O horror!.
A
missão, nossa e de todos à uma: a de reverter o raciocínio. Matar horrores! Plantar
orquídeas no jardim do pensamento – é, ainda, o apelo de Joseph Murphy.
Maria
viu um ratinho no jardim. Entrou em pânico, pôs ratoeiras em tudo o que é
sítio, quis logo avisar a respectiva divisão camarária para reclamar
desinfestação no bairro. Passaram duas semanas, as ratoeiras ainda têm o isco
de queijo e nunca mais se viu ratinho algum…
O
docente veio até ao corredor numa pausa dos exames orais. A aluna, uma senhora que
ele conhecia bem, assídua às aulas, atenta, estava numa pilha. Conversaram um pouco
e ela confessou os nervos. O exame foi daí a pouco. Era no tempo em que só havia
uma telenovela brasileira; deu, pois, para o docente lhe perguntar se tinha
visto o episódio do dia anterior; tinha; e foi esse o motivo da conversa. Uns
dez minutos. «Pode ir sentar-se, Guilhermina!». «Mas, doutor» – retorquiu,
assustada – «não me quer examinar?». «Já examinei!». E perante o seu espanto, explicou-lhe
que, no meio da troca de impressões sobre a novela, ele fora metendo perguntas
de comparação com a matéria da disciplina, a que ela, sem dar conta, por estar
descontraída, prontamente respondera, e bem!
José d’Encarnação
Publicado em Renascimento [Mangualde] nº 818, 15-03-2022. p. 12.
Também li e comentei este texto (lembro-me bem) de modo que acredito que haja por aqui um ciber-ratinho a roer alguma coisa...Em alguns casos duplica os comentários, quase de certeza para compensar.
ResponderEliminarAs três curtas histórias condensadas no texto, evocam outras e, mérito delas, sugerem-me retorno.
Conheço algumas sequelas do medo incontrolado que não deixam viver plenamente e, por isso, impedem a recuperação de amizades. Grata estou até ao fim da vida a uma professora que aos 9 anos me ensinou que, se alguma coisa me parecesse estranha, procurasse sempre uma explicação plausível, porque ela havia de existir.
Os ratinhos...Existiam na minha infância e comiam o queijo todo. A minha mãe adorava dormir a sesta no Verão. Na cave da casa, com paredes de pedra magnífica de Ançã, obrigava-me a fazê-lo junto dela, mas eu nunca tinha sono! Um dia lembrei-me de inventar que vira passar um ratinho por ali. O pavor que ela tinha dos bichos era tal, que se pôs de pé em cima da cama aos gritos, a pedir que me livrasse dele. E o rebuliço daquela tarde encerrou para sempre as sessões de sesta.
Examinar alunos! O João Querido era amigo de uma pessoa de família, ambos professores. Tinha uma raiva a exames, que dizia bastarem as impressões de um ano inteiro para julgar um aluno. Mas havia as admissões aos liceus...Essa pessoa de família tinha a seu cargo um menino, irmão do namorado, que preparou para o liceu. O Querido mandou-a ir tomar café, esperou que o miúdo terminasse a prova e mandou-lhe fazer o rascunho de uma composição. A troco de chocolates, o sonso do rapaz leu aquele desastre à professora, quando ela chegou...
Era tão feia, tão má a "redacção", que ela primeiro olhou o garoto com vontade de lhe dar um bofetão, depois desmaiou. Quando voltou a si e percebeu que era uma brincadeira, aplicou o estalo no rosto do João Querido. Peço desculpa pela extensão do comentário, mas a seriedade do humor do texto, trouxe isto tudo à ideia.