terça-feira, 1 de agosto de 2023

Era uma vez um menino…

            Quis a Confraria da Castanha, de Sernancelhe, fazer uma homenagem a Aquilino Ribeiro, o escritor que, em 1885, nesse concelho nasceu, na freguesia do Carregal. Encomendou, pois, ao consagrado escritor e etnólogo Alberto Correia um livro de prestígio, de capa rija, profusamente ilustrado e, sobretudo, em que o primor da prosa condissesse – como era jus – com a escrita lídima do autor de Cinco Réis de Gente.

E primor foi o que saiu, nestas bem suculentas 36 páginas encorpadas, saídas da experiência da designer Sónia Ferreira!

Direi, sem receio de errar e sem rebuços, que só um génio como o de Alberto Correia poderia ter escrito esta obra-prima sobre Aquilino, Era uma vez um menino que se chamava Aquilino.

É que tudo parece simples, fluente, natural – e aí está o génio, porque recheado de miúda  informação concreta, apenas veiculada por quem profundamente viveu esses ambientes infantis e com maestria esgrime os saberes e as palavras.
Rendo-me! Um forte abraço de parabéns!
Respondeu-me o autor: «Génio, não. A minha infância também está ali em retrato. Como num antigo livrinho, A Roda das Estações, que tu foste dos primeiros a comprar».
É verdade, no que respeita à Roda, que ainda hoje me deliciou e deliciou meus filhos; não o é, em relação a este Aquilino, porque, na verdade, por ali perpassa, envolta num halo de ternura imensa a evocação do que poderia ter sido a meninice do consagrado escrito: os ambientes físicos, a companhia do cão Barzabu, a mansidão da égua Inácia…
Ora leia-se:
«Os lobos da serra. As cruzes dos caminhos. O sino a badalar. O cipreste junto ao cemitério. O rosmaninho queimado nas fogueiras. Os contos das mulheres sentadas à lareira. Os caretos do Entrudo, de assustar. O magusto das castanhas ao vir do S. Martinho. As toadas dos rapazes na quadra do Natal».
Não nos sentimos lá? Não nos sentimos crianças?
Sim, era «a vida a abrir-se como as folhas de um livro, a correr» – mas só poucos saberiam preencher de palavras certas e bonitas as páginas que se vão escrever!

                                José d’Encarnação

Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 849, 01-08-2023, p. 10.

1 comentário:

  1. Saber conjugar memórias de vivências pessoais, com a evocação de uma personalidade que se quer homenagear, é um dom.
    E se José d´Encarnação diz que o autor deste e de outro livro anterior, também memorialista, o faz de forma genial, então é porque assim é.
    Por este excerto com que remata este seu texto, somos convocados à serra com todas as "vozes" que guarda e ao aconchego das casas aquecidas com lareira, à roda da qual se "escreviam" as páginas das literaturas orais.

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