Antes, porém, de especificamente aí nos embrenharmos, não será porventura despiciendo dar algumas luzes acerca desta manifestação artística romana.
Aliás, amiúde, no dia-a-dia nos deparamos com a palavra ‘mosaico’, no sentido de aglomeração de elementos diversos a formar um todo; ainda no passado 10 de Junho nos explicaram que Portugal é… um ‘mosaico’ de povos!…
Isso é, de facto, o mosaico romano: a aglomeração de milhares de pedrinhas diferentes no tamanho e no colorido. Chama-se-lhes tesselas.
E não deixaremos de admirar, desde logo, o minucioso labor que a sua miúda confecção implica. Disso havemos de falar. Estudou Carlos Beloto, um dos nossos mais experientes técnicos nessa área, todas as fases de preparação do mosaico, a começar, naturalmente, pela sapiente escolha do material a utilizar, consoante o efeito a obter; será ele o nosso guia.
O mais normal é serem essas ‘pedrinhas’ obtidas a partir dum calcário mais ou menos brando, fácil de facetar, mas também há tesselas de granito. de basalto e, até, de vidro ou de alguma pedra a que chamamos preciosa como o lápis-lazúli (azul) ou a esmeralda (verde) ou, ainda, a cerâmica, a emprestar aquela corzinha rosada ou de tijolo.
Daí se deduz que, tal como nos tapetes ou nas tapeçarias, a cor goza, num mosaico, um papel relevante, porque só as tonalidades diferentes vão permitir quer o desenho geométrico quer a representação de cenas.
Compreende-se, desde já, pelo que fica dito, que encomendar um mosaico não está ao alcance do bolso de qualquer um – como, nos nossos dias, um tapete de Arraiolos ou genuíno tapete oriental não constituem privilégio de muitos.
Por conseguinte, essa é a primeira conclusão: do achamento de um mosaico romano se deduz estarmos em presença de um proprietário ou de uma entidade com posses para a esse luxo se dar. Ganhava bem o artífice, devia ter apurado gosto estético não apenas o encomendante mas sobretudo o artífice na sua minuciosa tarefa.
Tesselas – Foto: José d’Encarnação
Houve, pois, uma encomenda. Quem encomendou? Para onde? Com que intenção? – tudo questões prévias a resolver, mediante a elaboração do que hoje chamaríamos o respectivo cartão. Aí se especificaria o desenho a compor e as dimensões, tendo naturalmente em conta o espaço a ocupar e o efeito visual a obter: tarefa reservada ao chamado pictor imaginarius, que concebia a imagem e as cores…
Temos hoje a ideia clara de que havia cartões tipo, quer porque determinadas cenas mitológicas se tornaram famosas e fizeram longos percursos, quer porque a representação, por exemplo, de divindades obedecia cânones pré-concebidos.
Uma segunda conclusão se deve tirar (e essa constitui, na verdade, o aspecto mais importante a ter em conta quando se analisa um mosaico do ponto de vista histórico): é que a arte final representa o resultado da ‘comunhão’ entre encomendante e artífices, uma singular simbiose cultural ….
![]() |
Artífices a prepararem tudo para fazer um mosaico |
Pensa-se, inclusive, que os artífices mais célebres (foram mui raros, no entanto, os que quiseram deixar a sua assinatura na obra feita) teriam sido chamados a executar encomendas por aqui e por ali.
E é cavalgando a imaginar essa artística deambulação que nos vamos hoje ficar, para, na próxima vez, começarmos a admirar de perto a magnificência que, um dia, se logrou salvaguardar na antiga Rua da Carreira, na capital algarvia.
José d'Encarnação
Publicado em Sul Informação Junho 21, 2025
Fico à espera...o saber não ocupa lugar ( ainda tenho espaço!)
ResponderEliminarÉ muito curioso que os homens se ocupem de diferentes actividades que exigem técnicas e materiais parecidos: os que estão à disposição do artífice.
ResponderEliminarA propósito, na imagem eles (artífices) parecem ser escravos comandados por um vigilante que apressa a "encomenda".
O tamanho das pedrinhas devia exigir um labor aturado, daí que eu nunca mais me tivesse esquecido dos mosaicos preciosos bizantinos dos mosteiros do Peloponeso. São quase todos executados sobre fundo amarelo dourado, para neles sobressair a figura religiosa.
Destaco o Mosteirto de Ossias Loukas, ou de S. Lucas, um dos lugares da Grécia onde nos esquecemos de servidões, ou de senhores e de escravos, tal a paz do ambiente exterior e o resultado final das minuciosas obras que revestem o interior.
Muito grata pela sequência dos textos.