domingo, 27 de fevereiro de 2011
sábado, 26 de fevereiro de 2011
De génese ilegal
Foram solenemente apresentadas, no passado dia 3, no auditório do Centro Cultural de Cascais as actas da conferência, realizada a 13 e 14 de Março de 2009, sobre Áreas Urbanas de Génese Ilegal – projectos para a legalização de um sonho.
Realçou o presidente, Dr. Carlos Carreiras, que presidiu à sessão, quanto esta «legalização de um sonho» assumia importância fundamental, porque dava à pessoa o lugar que ela merece, num tempo em que (digo eu) impera a tirania dos números, sempre manipulados. Aliás, como salientou, Carlos Carreiras fez questão em manter sob sua directa tutela este pelouro, que sempre tem acompanhado com desvelo, até porque com essas áreas tem sempre vivido paredes-meias e compreende bem o que isso representa.
Cerimónia, pois, prenhe de significado porque, se então se discutiram projectos e essa discussão ora foi passada escrito – para que perdure! – o certo é que, nos últimos meses, largos passos se deram em Cascais para reordenar um território ocupado a trouxe-mouxe e dar, assim, mais qualidade de vida ao interior do concelho.
Graficamente muito bem apresentado, com muita ilustração a cores, o livro – que foi coordenado pela Arq. Paula Cabral (Directora do Departamento de Requalificação Urbana, verdadeira alma e motor de todo este projecto) e pela Dra. Maria João Monteiro (Chefe da Divisão de Áreas Urbanas Degradadas) – dá conta de como, na conferência, o tema foi abordado pelos mais variados especialistas. As causas, a evolução e as cicatrizes que deixaram na paisagem os loteamentos ilegais do espaço rural em torno da Grande Lisboa; a construção clandestina e a auto-construção como consequências também dos movimentos migratórios de gentes da província para aqui; as desvantagens e as vantagens do caos urbano; os instrumentos jurídicos aplicáveis à reconversão e reestruturação desses espaços… O Arq. Francisco Keil do Amaral moderou a mesa-redonda «O lugar do outro» (significativo tema) cujo conteúdo pode ler-se nas páginas 212-244.
Completa o volume um CD, «documentário» de 25 anos de reflexão sobre assunto bem premente nos nossos dias.
E, como arqueólogo, foi-me grato rever, em letra de forma, o plano gizado pelo Arq. José Alves Bicho (p. 164-181) com vista ao correcto enquadramento da villa romana de Freiria, um dos processos mais exemplares e mais sofridos, que dura há mais de 20 anos; e também o Plano de Salvaguarda de outra villa romana, a do Alto do Cidreira, em Carrascal de Alvide (p. 263).
Um volume que constitui – inclusive pelo acervo de documentação gráfica que apresenta – um vade-mécum para profunda reflexão e memória a não perder!
Publicado no Jornal de Cascais, nº 255, 23-02-2011, p. 6.
quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011
As Casas da Zona B de Conimbriga
Em mais uma edição (a segunda oficialmente inscrita) do CEAUCP – Centro de Estudos Arqueológicos das Universidades de Coimbra e do Porto (2010), encontra-se em distribuição a obra As Casas da Zona B de Conimbriga, da autoria de Jorge de Alarcão, com ilustrações de José Luís Madeira, que também se encarregou do design gráfico do (diga-se desde já) excelentemente apresentado volume. 64 páginas, ilustradas com 26 estampas e seguidas de dez folhas com 53 fotos a preto e branco. ISBN: 978-989-95954-1-5.
A designação «Zona B» vem na planta das ruínas publicada pela Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentais Nacionais [DGEMN], em 1948, compreendendo duas casas, a o mosaico das suásticas e a dos esqueletos, assim como as chamadas Termas da Muralha. Toda a zona, portanto, que fica à mão esquerda de quem entra na cidade, deixando à sua direita a conhecida Casa dos Repuxos.
Escavadas essas duas casas por Vergílio Correia entre 1939 e 1941 (o que, no final, viria a permitir um levantamento topográfico, mas não deu origem a nenhum relatório), aí foram efectuados restauros pela DGEMN entre 1945 e 1948. Jorge de Alarcão teve, pois, ensejo de nessa área retomar os trabalhos de escavação sistemática, de 1963 a 1972 (a escavação da casa dos esqueletos decorreu, por exemplo, entre 1962 e 1964, tendo sido alvo de intervenções pontuais de esclarecimento até 1968), concluindo a escavação das termas, só parcialmente descobertas por Vergílio Correia. O presente volume assume-se, pois, de certo modo, como o circunstanciado relatório desses trabalhos.
Está ainda por estudar o espólio cerâmico exumado e, por conseguinte, o Autor procura interpretar a estruturação espacial que detectou, desde as tabernae que identificou ao longo da via de acesso à porta da muralha (p. 21-27), até à análise miúda de cada uma das casas, no sentido de se perceber como os seus vários espaços se articulavam entre si. São apresentadas plantas e cortes estratigráficos. Recorde-se que Jorge de Alarcão escreveu, em 1985, uma Introdução ao Estudo da Casa Romana, tema que sempre muito lhe agradou; e aqui, mediante a preciosa ajuda de José Luís Madeira, que apresentou bonitas reconstituições (algumas delas aguareladas – vejam-se, nomeadamente, as que têm os números 11, 21 e 24), pôde explicitar a descrição de dois casos concretos e, inclusive, descobrir como era feito o abastecimento de água não só a essas casas como também às termas, interpretando como «aqueduto», digamos assim, uma estrutura até agora de obscura funcionalidade (p. 42).
Mais: pôde concluir-se que estamos perante um «projecto urbanístico da época dos Flávios», pois que «tabernae e casa do mosaico das suásticas poderiam ter sido construídas na imediata sequência da edificação do fórum flaviano» (p. 39). Já as Termas da Muralha – que estão a ser alvo de estudo aprofundado por parte de M. Pilar Reis – «poderão ter sido edificadas antes da demolição das Termas de Augusto, para que a população não ficasse privada de edifício tão necessário», enquanto se erguiam as termas de Trajano, cujo monumental projecto «deixaria prever um longo prazo de construção» (p. 39).
E se, na Introdução (p. 7-19), o Autor traçou breve e exacta panorâmica do que foi a existência da cidade romana de Conimbriga, importa frisar que os indícios ora identificados apontam para que a destruição das tabernae e a construção da muralha hajam ocorrido «em período pré-constantiniano, eventualmente no tempo de Constâncio Cloro, tempo em que se terá edificado a muralha tardo-romana da vizinha cidade de Aeminium», mais concretamente por volta do ano 305 (p. 22-23). Este é um dado que se me afigura assaz interessante, pois que, desta sorte, se releva a atenção dada por este imperador à Lusitânia: a civitas Aeminiensis presta-lhe homenagem, salientando, numa epígrafe (CIL II 5239), que é o seu dilectus princeps, nado para conseguir o «aumento da República»; e identificámos como igualmente dedicada a este imperador uma das inscrições oficiais de Eburobrittium (a publicar no volume de 2010 da revista Conimbriga).
Uma obra, por conseguinte, em que ao rigor do arqueólogo se alia a perspicácia do historiador e a sensibilidade do esteta – é um livro também bonito de folhear!
A minha sugestão
Permita-se-me que ‘recupere’ e divulgue o texto que, sob o título «A sugestão de… José d'Encarnação», foi publicado em Cascais – Agenda Cultural nº 21 (Jul/Ago 2006), p. 84-85.
«No nosso país são muitos os homens e as mulheres que se envergonham, na grande cidade, dos costumes da sua terra. Tragicamente, o mundo está a perder a originalidade dos seus povos, a riqueza das suas diferenças, no seu infernal desejo de “clonar” o ser humano para melhor o dominar. Quem não ama a sua província, o seu paese, a aldeia, o pequeno sítio, a sua própria casa, por mais pobre que seja, mal consegue respeitar os outros. Mas quando tudo está dessacralizado a existência é ensombrada por um amargo sentimento de absurdo».
A natural sugestão para os meses de Julho e Agosto seria, pois: descubra a sua terra, maravilhe-se, dê longos passeios a pé, embrenhe-se pelas nossas aldeias e descubra o que ainda têm de típico: no valado de pedra solta, na figueira-da-índia, no pinhal que sobrevive, no casal saloio…
Mas… leve um livro consigo. Fique-se sentado no lapiás da orla; deixe-se inebriar pela beleza ímpar da Biscaia e do manto enorme do Oceano a seus pés, mormente na dolência do sol-pôr… mas leve um livro!
Pode ser o da mesa-de-cabeceira. Eu tenho dois: um, espiritual, de Michel Quoist, Construir; e a eterna Citadelle, de Saint-Exupéry – para ir saboreando aos poucos.
Permita-me que lhe sugira dois. O primeiro, donde foi retirado o excerto com que comecei esta conversa, uma obra-prima, já por diversas vezes premiada: de Ernesto Sabato, Resistir (Dom Quixote). A reflexão desassombrada de um argentino nascido em 1911 sobre «a incomunicação, o culto de si próprio, a reverência aos deuses da televisão, o trabalho desumanizado, o império da máquina sobre o ser»… «Não podemos continuar a ler às crianças contos sobre galinhas e frangos quando temos essas aves submetidas aos maiores suplícios». «Temos de reaprender o que é gozar. Estamos tão desorientados que acreditamos que gozar é ir às compras. Um luxo verdadeiro é um encontro humano, um momento de silêncio perante a criação, o gozo de uma obra de arte ou de um trabalho bem feito». E, perante tudo isso, a palavra d’ordem, urgente: RESISTIR!
O segundo, de Alice Marques, Mulheres de Papel (Livros Horizonte, Setembro de 2004). «Representações do corpo nas revistas femininas». Numa escrita bem saborosa, o escalpelizar arguto do modo como se apresentou a mulher na Cosmopolitan e na Máxima, em 2000. Sintomático. Em tempo de Verão, tempo de «corpo de Verão», de perfumes, de conselhos omnipresentes sobre a imagem, corpo-aparência, corpo-útil, corpo-sedução, império da efemeridade, jogos de prazer, striptease, kamasutra, «um olhar intenso vale mais do que mil palavras picantes»… Alice Marques é professora do Ensino Secundário na Marinha Grande, licenciada em História e em Jornalismo pela Faculdade de Letras de Coimbra e Mestre em Estudos sobre a Mulher pela Universidade Aberta. Mulheres de Papel, um libelo – para homens e mulheres!
«No nosso país são muitos os homens e as mulheres que se envergonham, na grande cidade, dos costumes da sua terra. Tragicamente, o mundo está a perder a originalidade dos seus povos, a riqueza das suas diferenças, no seu infernal desejo de “clonar” o ser humano para melhor o dominar. Quem não ama a sua província, o seu paese, a aldeia, o pequeno sítio, a sua própria casa, por mais pobre que seja, mal consegue respeitar os outros. Mas quando tudo está dessacralizado a existência é ensombrada por um amargo sentimento de absurdo».
A natural sugestão para os meses de Julho e Agosto seria, pois: descubra a sua terra, maravilhe-se, dê longos passeios a pé, embrenhe-se pelas nossas aldeias e descubra o que ainda têm de típico: no valado de pedra solta, na figueira-da-índia, no pinhal que sobrevive, no casal saloio…
Mas… leve um livro consigo. Fique-se sentado no lapiás da orla; deixe-se inebriar pela beleza ímpar da Biscaia e do manto enorme do Oceano a seus pés, mormente na dolência do sol-pôr… mas leve um livro!
Pode ser o da mesa-de-cabeceira. Eu tenho dois: um, espiritual, de Michel Quoist, Construir; e a eterna Citadelle, de Saint-Exupéry – para ir saboreando aos poucos.
Permita-me que lhe sugira dois. O primeiro, donde foi retirado o excerto com que comecei esta conversa, uma obra-prima, já por diversas vezes premiada: de Ernesto Sabato, Resistir (Dom Quixote). A reflexão desassombrada de um argentino nascido em 1911 sobre «a incomunicação, o culto de si próprio, a reverência aos deuses da televisão, o trabalho desumanizado, o império da máquina sobre o ser»… «Não podemos continuar a ler às crianças contos sobre galinhas e frangos quando temos essas aves submetidas aos maiores suplícios». «Temos de reaprender o que é gozar. Estamos tão desorientados que acreditamos que gozar é ir às compras. Um luxo verdadeiro é um encontro humano, um momento de silêncio perante a criação, o gozo de uma obra de arte ou de um trabalho bem feito». E, perante tudo isso, a palavra d’ordem, urgente: RESISTIR!
O segundo, de Alice Marques, Mulheres de Papel (Livros Horizonte, Setembro de 2004). «Representações do corpo nas revistas femininas». Numa escrita bem saborosa, o escalpelizar arguto do modo como se apresentou a mulher na Cosmopolitan e na Máxima, em 2000. Sintomático. Em tempo de Verão, tempo de «corpo de Verão», de perfumes, de conselhos omnipresentes sobre a imagem, corpo-aparência, corpo-útil, corpo-sedução, império da efemeridade, jogos de prazer, striptease, kamasutra, «um olhar intenso vale mais do que mil palavras picantes»… Alice Marques é professora do Ensino Secundário na Marinha Grande, licenciada em História e em Jornalismo pela Faculdade de Letras de Coimbra e Mestre em Estudos sobre a Mulher pela Universidade Aberta. Mulheres de Papel, um libelo – para homens e mulheres!
domingo, 20 de fevereiro de 2011
Incrível, inacreditável!
O comentador de economia da Antena 1, na rubrica «Contas do Dia» de sexta-feira, 4 de Fevereiro, teve, por diversas vezes, na boca, as palavras «incrível», «inacreditável», a propósito das novas regras que, nesse dia, entraram em vigor no que concerne à sobrecarga de impostos aí prevista, incompreensíveis para ele (especialista na matéria) e, claro, muito mais incompreensíveis para o cidadão comum que vive do seu trabalho e não pode fugir a esses impostos.
Na verdade, mais uma vez fica provado que o Estado não é uma pessoa de bem, ao obrigar-nos, por exemplo, a pagar juros ou faz de conta que nada nos deve quando, por qualquer motivo, não podemos satisfazer as nossas obrigações fiscais e ele, Estado, quando não cumpre, se está positivamente borrifando e paga quando paga e… sem juros!
Referiu-se de novo, no longo rol de iniquidades, que a retenção na fonte, para efeitos de IRS, era sempre muito superior ao devido e isto constituía um empréstimo forçado ao Estado, que só reembolsa muito tempo depois e… sem juros!
«Inaceitável», «inacreditável» também porque – segundo penso – quem propõe e quem promulga essas leis iníquas devem ser (ou deveriam ser!) pessoas como nós, cidadãos passíveis, também eles, de sofrer na pele essa injustiça. Ou não serão?...
Custa-me muito, confesso, ver o Estado assim, qual abutre serenamente à espera da nossa morte, para se saciar das nossas míseras carnes.
Pior que tudo é que é um abutre sem rosto, que ataca pela calada da noite, insaciável devorador dos desprotegidos. É a sorte dele, o miserável! Que, se rosto tivera, até os ossos lhe tarrincaríamos nós, antes de ele ter o gosto de nos tarrincar os nossos!
J. d’E.
Publicado no Jornal de Cascais, nº 254, 16-02-2011, p. 6.
Na verdade, mais uma vez fica provado que o Estado não é uma pessoa de bem, ao obrigar-nos, por exemplo, a pagar juros ou faz de conta que nada nos deve quando, por qualquer motivo, não podemos satisfazer as nossas obrigações fiscais e ele, Estado, quando não cumpre, se está positivamente borrifando e paga quando paga e… sem juros!
Referiu-se de novo, no longo rol de iniquidades, que a retenção na fonte, para efeitos de IRS, era sempre muito superior ao devido e isto constituía um empréstimo forçado ao Estado, que só reembolsa muito tempo depois e… sem juros!
«Inaceitável», «inacreditável» também porque – segundo penso – quem propõe e quem promulga essas leis iníquas devem ser (ou deveriam ser!) pessoas como nós, cidadãos passíveis, também eles, de sofrer na pele essa injustiça. Ou não serão?...
Custa-me muito, confesso, ver o Estado assim, qual abutre serenamente à espera da nossa morte, para se saciar das nossas míseras carnes.
Pior que tudo é que é um abutre sem rosto, que ataca pela calada da noite, insaciável devorador dos desprotegidos. É a sorte dele, o miserável! Que, se rosto tivera, até os ossos lhe tarrincaríamos nós, antes de ele ter o gosto de nos tarrincar os nossos!
J. d’E.
Publicado no Jornal de Cascais, nº 254, 16-02-2011, p. 6.
sábado, 12 de fevereiro de 2011
Telemóvel
Foi invenção recente, embora, no dia-a-dia, nos pareça que há telemóvel desde sempre!... Ainda nos lembramos bem do pastor que recebe uma chamada em pleno descampado e, perante o olhar espantado das ovelhas, lhes grita: «É pra mim!!!»…
Para isso serve o telemóvel: para mensagem urgente, em sítio inacessível; para pedido de socorro numa emergência (e lá está a sugestão de termos na lista de nossos contactos algo como as iniciais A ECE, a indicar quem se deve contactar «em caso de emergência»). Prenda para jovens em idade escolar, logo que saibam funcionar com ele, para poderem rapidamente contactar com os pais… Enfim, o que se sabe.
Há, porém, regras que o bom senso determina para o seu uso. As cenas caricatas de um toque deveras inoportuno, no momento menos adequado…
Outro dia, alguém me comentava, no final da viagem de comboio:
‒ Já viste? Aquela executiva, toda operacional, deve ser bem tramada! Reparaste na quantidade de telefonemas que fez? E está mesmo a ver-se que tomou de ponta uma das funcionárias… Com todos os pormenores que foi acrescentando acerca do seu comportamento!…
E no metro:
‒ Agora, tenho que ouvir o seu telefonema, senhora? Fale baixo, mulher, tá bem?
‒ Olha-me esta! – continuou a dama, a falar com quem estava do outro lado. ‒ Sempre me sai cada uma na rifa!...
E desarvorou para a extremidade da carruagem, a resmungar, e a falar de modo que toda a gente ouvia… Por sinal, nada de interessante: nem crimes, nem paixões, nem ladroagem, nem ciúme… Negócios, parece que era negócios… Como, na circunstância, se poderia fugir ao IVA…
Publicado no quinzenário de Mangualde, Renascimento, nº 563, 01-02-2011, p. 13.
Para isso serve o telemóvel: para mensagem urgente, em sítio inacessível; para pedido de socorro numa emergência (e lá está a sugestão de termos na lista de nossos contactos algo como as iniciais A ECE, a indicar quem se deve contactar «em caso de emergência»). Prenda para jovens em idade escolar, logo que saibam funcionar com ele, para poderem rapidamente contactar com os pais… Enfim, o que se sabe.
Há, porém, regras que o bom senso determina para o seu uso. As cenas caricatas de um toque deveras inoportuno, no momento menos adequado…
Outro dia, alguém me comentava, no final da viagem de comboio:
‒ Já viste? Aquela executiva, toda operacional, deve ser bem tramada! Reparaste na quantidade de telefonemas que fez? E está mesmo a ver-se que tomou de ponta uma das funcionárias… Com todos os pormenores que foi acrescentando acerca do seu comportamento!…
E no metro:
‒ Agora, tenho que ouvir o seu telefonema, senhora? Fale baixo, mulher, tá bem?
‒ Olha-me esta! – continuou a dama, a falar com quem estava do outro lado. ‒ Sempre me sai cada uma na rifa!...
E desarvorou para a extremidade da carruagem, a resmungar, e a falar de modo que toda a gente ouvia… Por sinal, nada de interessante: nem crimes, nem paixões, nem ladroagem, nem ciúme… Negócios, parece que era negócios… Como, na circunstância, se poderia fugir ao IVA…
Publicado no quinzenário de Mangualde, Renascimento, nº 563, 01-02-2011, p. 13.
Tive dó!
No domingo, 30 de Janeiro, uma parte do tecto do CascaiShoping, na zona dos restaurantes apresentou-se em tão precárias condições de segurança para os utentes, mormente para os comensais, que foi necessário estender lonas de protecção e isolar a área.
Até aqui, até se poderia considerar a situação normal, atendendo aos imprevistos das intempéries, ora chove em grandes bátegas e venta até dizer chega, ora faz um frio de bater o dente. Tudo deteriora estruturas. Para isso é que há os serviços de manutenção, embora – nos tempos que correm, em que uma firma fecha de um dia para o outro e os contratos ficam no papel e não se cumprem – se possam invocar atenuantes para uma fiscalização deficiente.
Para a Direcção da empresa estas ou outras razões bastariam (penso eu) para explicar o sucedido, pedir desculpas por não ter actuado a tempo e garantir que rapidamente se poria cobro à desagradável situação.
Preferiu, porém, nada dizer e, sobretudo, dar ordens aos seus capangas (eu peço desculpa por usar o termo, mas lembrei-me, de imediato, do tempo dos «coronéis», como se vê nas telenovelas brasileiras) para impedirem os clientes de emitirem qualquer opinião sobre o assunto. E, de facto, tive dó. Tive dó dos seguranças (que me merecem o maior respeito e nada mais podiam fazer do que obedecer às ordens que lhes estavam a ser dadas pelos auscultadores, até porque, se não obedecessem, correriam, decerto, sério risco de ir para o olho da rua no dia seguinte, é o país que temos!...), que se punham sistematicamente à frente da câmara da SIC Notícias, para que a voz e a figura dos entrevistados não passasse. Louvo a coragem da jornalista que, tendo tido autorização para colher imagens, quis também cumprir o seu dever de informar melhor e se deparou com uma agressividade, que eu classificaria, no mínimo, de «curiosa». Nem a segurança dos senhores políticos importantes eu vi, alguma vez, agir assim! E só não houve, decerto, uma cena de pancadaria, porque se tratava de uma jornalista e, vá lá, numa senhora não se bate.
A cena foi, porém, muito lamentável e deu da Direcção daquele empreendimento uma imagem, que – e isso é que é o pior! – se repercute, de imediato, no concelho: «Com que então, vocês lá em Cascais, hein, é só capangas!...».
Tive dó.
Publicado no Jornal de Cascais, nº 253, 09-02-2011, p. 6.
Até aqui, até se poderia considerar a situação normal, atendendo aos imprevistos das intempéries, ora chove em grandes bátegas e venta até dizer chega, ora faz um frio de bater o dente. Tudo deteriora estruturas. Para isso é que há os serviços de manutenção, embora – nos tempos que correm, em que uma firma fecha de um dia para o outro e os contratos ficam no papel e não se cumprem – se possam invocar atenuantes para uma fiscalização deficiente.
Para a Direcção da empresa estas ou outras razões bastariam (penso eu) para explicar o sucedido, pedir desculpas por não ter actuado a tempo e garantir que rapidamente se poria cobro à desagradável situação.
Preferiu, porém, nada dizer e, sobretudo, dar ordens aos seus capangas (eu peço desculpa por usar o termo, mas lembrei-me, de imediato, do tempo dos «coronéis», como se vê nas telenovelas brasileiras) para impedirem os clientes de emitirem qualquer opinião sobre o assunto. E, de facto, tive dó. Tive dó dos seguranças (que me merecem o maior respeito e nada mais podiam fazer do que obedecer às ordens que lhes estavam a ser dadas pelos auscultadores, até porque, se não obedecessem, correriam, decerto, sério risco de ir para o olho da rua no dia seguinte, é o país que temos!...), que se punham sistematicamente à frente da câmara da SIC Notícias, para que a voz e a figura dos entrevistados não passasse. Louvo a coragem da jornalista que, tendo tido autorização para colher imagens, quis também cumprir o seu dever de informar melhor e se deparou com uma agressividade, que eu classificaria, no mínimo, de «curiosa». Nem a segurança dos senhores políticos importantes eu vi, alguma vez, agir assim! E só não houve, decerto, uma cena de pancadaria, porque se tratava de uma jornalista e, vá lá, numa senhora não se bate.
A cena foi, porém, muito lamentável e deu da Direcção daquele empreendimento uma imagem, que – e isso é que é o pior! – se repercute, de imediato, no concelho: «Com que então, vocês lá em Cascais, hein, é só capangas!...».
Tive dó.
Publicado no Jornal de Cascais, nº 253, 09-02-2011, p. 6.
Cortar as pedras (2)
E essa fundura prefixada do furo era fruto da experiência. O cabouqueiro estudara o banco donde pretendia, agora, destacar uma porção; analisara bem a consistência, o conjunto e… tomara a decisão: 1 m, 80 cm, 70...
Chegados, pois, ao fundo, importava orientar o corte.
Entrava, pois, em acção, a arraiadeira, de ponta achatada e cortante, mais larga do que o furo, que, cirurgicamente (diríamos), ia fazer dois sulcos nas paredes do furo, um de cada lado, tornando-a, pois, mais fraca; era nessa direcção que se queria que a fractura se desse. Trabalho meticuloso, esse, em que importava o bater certeiro do maçacopas e a firmeza do trabalhador que segurava a arraiadeira; por isso, as duas mãos agarravam firmes uma pega de aço, com buraco a meio, bem ajustada, para que nem um milímetro se desviasse da prumada.
Não vem nos dicionários a palavra arraiadeira com este significado. Compreende-se, porém, a sua formação: servia para rasgar os raios ou estrias nesse furo cilíndrico; raiar quer dizer isso mesmo: «fazer estrias»; e o «a» inicial (‘protético’, como se denomina em gramática) faz parte da linguagem quotidiana: arraiar, arraiadeira...
De novo se procedia à limpeza do pó de pedra molhado que, entretanto, fora caindo no furo. Tinha de ficar tudo muito bem seco. Um trapo fixado em vareta de aço (dessas de que se faz o cimento armado) ia e vinha quantas vezes fossem necessárias.
A operação seguinte era ainda mais melindrosa e requeria um ‘saber de experiências feito’, como se verá.
[Publicado em VilAdentro [S. Brás de Alportel], nº 145 (Fevereiro 2011) p. 10.]
Chegados, pois, ao fundo, importava orientar o corte.
Entrava, pois, em acção, a arraiadeira, de ponta achatada e cortante, mais larga do que o furo, que, cirurgicamente (diríamos), ia fazer dois sulcos nas paredes do furo, um de cada lado, tornando-a, pois, mais fraca; era nessa direcção que se queria que a fractura se desse. Trabalho meticuloso, esse, em que importava o bater certeiro do maçacopas e a firmeza do trabalhador que segurava a arraiadeira; por isso, as duas mãos agarravam firmes uma pega de aço, com buraco a meio, bem ajustada, para que nem um milímetro se desviasse da prumada.
Não vem nos dicionários a palavra arraiadeira com este significado. Compreende-se, porém, a sua formação: servia para rasgar os raios ou estrias nesse furo cilíndrico; raiar quer dizer isso mesmo: «fazer estrias»; e o «a» inicial (‘protético’, como se denomina em gramática) faz parte da linguagem quotidiana: arraiar, arraiadeira...
De novo se procedia à limpeza do pó de pedra molhado que, entretanto, fora caindo no furo. Tinha de ficar tudo muito bem seco. Um trapo fixado em vareta de aço (dessas de que se faz o cimento armado) ia e vinha quantas vezes fossem necessárias.
A operação seguinte era ainda mais melindrosa e requeria um ‘saber de experiências feito’, como se verá.
[Publicado em VilAdentro [S. Brás de Alportel], nº 145 (Fevereiro 2011) p. 10.]
quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011
Ser mobília!
Custa-me voltar a escrever sobre este assunto, por ele ser por de mais conhecido e haver – por parte do Povo – a consciência generalizada de que este movimento tem, inevitavelmente, a continuar assim, um fim bem complicado de gerir.
Fui aos «assuntos pendentes» a que me agarro de quando em vez, aquele rol de temas que nunca perdem actualidade, e deparei com uma nota de imprensa de 8 de Abril do ano passado que reza assim:
«O secretário de Estado do Orçamento, Emanuel dos Santos, admitiu ontem que a corrida às reformas na função pública está a criar problemas de falta de pessoal em alguns sectores do Estado, como é o caso da "classe dirigente". No ano passado, o Estado perdeu 310 dirigentes em relação ao ano anterior, depois de os cargos de chefias já terem sido significativamente emagrecidos com a reforma do Estado, no início da legislatura anterior».
Outro dia, um colega meu, no meio da conversa sobre a nossa actividade, disse-me do seu espanto por uma das técnicas do seu serviço – um serviço público – lhe ter retorquido que não poderia marcar as provas para as quinze horas, porque a sua hora de saída era às dezasseis e não poderia, assim, secretariar (como habitualmente fazia).
Razão da inesperada informação: o extremo rigor que as suas chefias estavam a impor, coarctando liberdade de acção que dantes havia para «desenrascar» (palavra comum nas nossas vidas, em que não se ligava muita importância aos horários quando havia serviço a fazer e nem se reclamavam horas extraordinárias, porque a ‘elasticidade’ e o sentido de responsabilidade imperavam). «Se é assim que querem, assim se faz, pois então!...» – perorou ela.
Outra das ideias engendradas pelos teóricos da desumanizada tecnocracia imperante é a chamada rotatividade: todos os técnicos devem saber de tudo e, por isso, de vez em quando, até para não criarem maus hábitos, há que ir mudando neles. Assim como quem muda o móvel para dar outro ar à sala!... E a Josefa respondeu-me, quando eu, admirado, lhe perguntei porque saíra da secção onde ela sabia mais de olhos fechados que todos os outros de olhos bem abertos:
‒ Não saí, mudaram-me!... Olhe, professor, mas é por pouco tempo, não se preocupe! No dia a seguir em que me fizeram isso, sem terem, antes, sequer falado comigo, eu também nem falei com eles e… pus os papéis para a aposentação!
Publicado no Jornal de Cascais, nº 252, 02-02-2011, p. 6.
Fui aos «assuntos pendentes» a que me agarro de quando em vez, aquele rol de temas que nunca perdem actualidade, e deparei com uma nota de imprensa de 8 de Abril do ano passado que reza assim:
«O secretário de Estado do Orçamento, Emanuel dos Santos, admitiu ontem que a corrida às reformas na função pública está a criar problemas de falta de pessoal em alguns sectores do Estado, como é o caso da "classe dirigente". No ano passado, o Estado perdeu 310 dirigentes em relação ao ano anterior, depois de os cargos de chefias já terem sido significativamente emagrecidos com a reforma do Estado, no início da legislatura anterior».
Outro dia, um colega meu, no meio da conversa sobre a nossa actividade, disse-me do seu espanto por uma das técnicas do seu serviço – um serviço público – lhe ter retorquido que não poderia marcar as provas para as quinze horas, porque a sua hora de saída era às dezasseis e não poderia, assim, secretariar (como habitualmente fazia).
Razão da inesperada informação: o extremo rigor que as suas chefias estavam a impor, coarctando liberdade de acção que dantes havia para «desenrascar» (palavra comum nas nossas vidas, em que não se ligava muita importância aos horários quando havia serviço a fazer e nem se reclamavam horas extraordinárias, porque a ‘elasticidade’ e o sentido de responsabilidade imperavam). «Se é assim que querem, assim se faz, pois então!...» – perorou ela.
Outra das ideias engendradas pelos teóricos da desumanizada tecnocracia imperante é a chamada rotatividade: todos os técnicos devem saber de tudo e, por isso, de vez em quando, até para não criarem maus hábitos, há que ir mudando neles. Assim como quem muda o móvel para dar outro ar à sala!... E a Josefa respondeu-me, quando eu, admirado, lhe perguntei porque saíra da secção onde ela sabia mais de olhos fechados que todos os outros de olhos bem abertos:
‒ Não saí, mudaram-me!... Olhe, professor, mas é por pouco tempo, não se preocupe! No dia a seguir em que me fizeram isso, sem terem, antes, sequer falado comigo, eu também nem falei com eles e… pus os papéis para a aposentação!
Publicado no Jornal de Cascais, nº 252, 02-02-2011, p. 6.
terça-feira, 1 de fevereiro de 2011
Exercer cidadania
Cansamo-nos, por vezes. Focamos um assunto, ninguém liga ou, se ligam, não reagem. Tanto o Povo como os governantes, entendendo por estes todos aqueles que, aos mais diversos níveis, detêm poderes de decisão. Não, não me refiro aos governantes que integram o chamado «Governo» duma Nação, porque esses, como um escritor sublimemente pôs na boca de uma criança, «Mãe, os que estão demasiado alto não ouvem a voz da Razão».
É verdade.
Refiro-me aos que estão mais chegados a nós. Àqueles que até gostam de ver o seu nome em letra de forma, não precisa de ser em tom de louvor, basta em jeito de notícia – para que fique para a posteridade, com nomes e tudo.
Tem a quase totalidade dos concelhos portugueses jornais locais, rádios locais, por onde são veiculadas as notícias que interessam directamente aos habitantes e que não têm ‘estatuto’ para interessar um canal de televisão, a não ser que haja sangue, cena de pancadaria…
Há, nesse jornalismo de proximidade, a necrologia, uma das secções mais lidas, porque se trata de uma das que mais consolida a comunidade, saber dos nossos que partiram…
E há as colunas de opinião, onde se procura exercer cidadania, por exemplo no que ao património diz respeito, nos termos da legislação em vigor. Na verdade, não é necessário que o cidadão pertença a uma associação cívica ou cultural para fazer ouvir a sua voz e para que – como a dos membros de uma associação legalmente constituída – ela seja devidamente tida em consideração pelas entidades competentes.
Aliás, em relação concretamente a esses temas do património, a Lei nº 107/2001, de 8 de Setembro – Lei de Bases da Política e do Regime de Protecção e Manutenção do Património Cultural, é bem clara no seu artigo 10.º, porque começa por se referir aos «contributos individuais» no que concerne à participação dos cidadãos interessados «na gestão efectiva do património cultural». E, nos diversos pontos do artº 11º («Dever de preservação, defesa e valorização do património cultural») claramente salienta que tal dever a todos incumbe, individual ou colectivamente.
Gostaria que nos concelhos do País tal efectivamente acontecesse e assim fosse entendido.
Publicado no Jornal de Cascais, nº 251, 26-01-2011, p. 6.
É verdade.
Refiro-me aos que estão mais chegados a nós. Àqueles que até gostam de ver o seu nome em letra de forma, não precisa de ser em tom de louvor, basta em jeito de notícia – para que fique para a posteridade, com nomes e tudo.
Tem a quase totalidade dos concelhos portugueses jornais locais, rádios locais, por onde são veiculadas as notícias que interessam directamente aos habitantes e que não têm ‘estatuto’ para interessar um canal de televisão, a não ser que haja sangue, cena de pancadaria…
Há, nesse jornalismo de proximidade, a necrologia, uma das secções mais lidas, porque se trata de uma das que mais consolida a comunidade, saber dos nossos que partiram…
E há as colunas de opinião, onde se procura exercer cidadania, por exemplo no que ao património diz respeito, nos termos da legislação em vigor. Na verdade, não é necessário que o cidadão pertença a uma associação cívica ou cultural para fazer ouvir a sua voz e para que – como a dos membros de uma associação legalmente constituída – ela seja devidamente tida em consideração pelas entidades competentes.
Aliás, em relação concretamente a esses temas do património, a Lei nº 107/2001, de 8 de Setembro – Lei de Bases da Política e do Regime de Protecção e Manutenção do Património Cultural, é bem clara no seu artigo 10.º, porque começa por se referir aos «contributos individuais» no que concerne à participação dos cidadãos interessados «na gestão efectiva do património cultural». E, nos diversos pontos do artº 11º («Dever de preservação, defesa e valorização do património cultural») claramente salienta que tal dever a todos incumbe, individual ou colectivamente.
Gostaria que nos concelhos do País tal efectivamente acontecesse e assim fosse entendido.
Publicado no Jornal de Cascais, nº 251, 26-01-2011, p. 6.