Ainda hoje voltei a passar por um túnel decorado com magníficos azulejos pintados por Nadir Afonso. Para que a noite e os seus energúmenos respeitassem a obra de Arte e deixassem os demais cidadãos usufruir da beleza ali oferecida, tiveram os responsáveis que impregnar a superfície azulejada de um produto onde os grafitos não pudessem penetrar. E, meses a fio, temos o prazer de contemplar a beleza.
Na verdade, quando se fala em grafitos (grafitti, em italiano), a primeira ideia que nos surge é a dos «pinta-paredes», desrespeitosos de tudo e de todos, que assim se divertem escrevendo obscenidades ou marcando território, porque – tenho impressão, não sei ao certo – há grafitos tão enigmáticos para o cidadão comum que seguramente o não serão para os «grupos» – ia a escrever «seitas» – que deles ser servem para transmissão de mensagens que se situam, julgo eu, no domínio do esotérico, do marginal (se é que esta noção de marginal é aplicável, quem são os marginais?...).
Durante muito tempo, apenas havia grafitos nas casas de banho públicas. O privilégio de aí se poder estar alguns minutos fora de alheias vistas e em segredo propiciava e seduzia a escrita de um dito, amiúde a roçar o grosseiro ou a banalidade imprópria, dos que se não ousam escrever à luz do dia.
Depois dessas ‘intimidades’, surgiu um outro tipo: o da reivindicação, da revolta, do grito de desespero contra um governo autista, contra o capitalismo dominante, a democracia, o nazismo (ou a seu favor)…
Curiosamente, acabou por verificar-se que esses locais de isolamento – num comboio, numa praça, nas retretes dos estabelecimentos de ensino… – reflectiam, afinal, o que os psicanalistas apelidam de pulsões, de traumas recalcados… E houve até quem se houvesse debruçado sobre o tema, a fim de elaborar tese de doutoramento, tão rico, afinal, do ponto de vista sociológico, político e, até, moral, ele se apresenta.
Todos se lembram – mesmo os mais novos já disso ouviram falar – da beleza dos grafitos que ornaram paredes públicas logo após o 25 de Abril. Aliás, deles se fez exposição. Alguns saberão também que essa prática já vem de longe nos tempos! Os homens do Paleolítico gravaram as paredes das cavernas e… as rochas de Foz Côa! Os Romanos deixaram grafitos na sua cerâmica!
Publicado no quinzenário de Mangualde, Renascimento, 15-04-2011, nº 568, p. 13.
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