Assim é, de facto: precisa-se, urgentemente, de passar a escrito as memórias que entretecem a nossa identidade. As histórias que nossos avós nos contaram; os costumes ancestrais desde o Dia de Reis até ser Natal outra vez, no périplo sucessivo das estações – quando as havia bem claras, quando o ciclo anual também se pautava pelos frutos de cada uma e não como agora, que, na «grande superfície», temos frutos de todo o ano, vindos sabe-se lá donde quantas vezes!...
Bem andou, pois, Alberto Correia em ir escrevendo no nosso prezado colega Jornal do Centro, de Viseu, em penadas leves mas exactas, essas notas (são 60), que ora (2011) a Confraria da Castanha Soutos da Lapa houve por bem editar, com o apoio de entidades locais. Referem-se, de modo especial, ao concelho de Sernancelhe, pois que o autor é natural de Sarzeda.
Memórias de infância, sem dúvida, mas interpretadas e integradas no contexto geral que só os muitos conhecimentos da Etnografia e das ciências suas afins logram alcançar. Memórias apresentadas numa linguagem acessível, sim, eivada, porém, de forte pendor poético, porque, sobre estes temas, o rigor da descrição tem necessariamente de vir envolto na frase de encantamento, sobretudo porque muito se fala de pessoas, num sadio desfilar imenso que torna imortais os resineiros, as aguadeiras, os farrapeiros, o carteiro, as doceiras do Távora…
Um texto me prendeu especialmente a atenção: «In memoriam dos muros de pedra seca». Nele se escreve a dado passo:
«Já vi essas pedras armadas em ‘palettes’, à beira da estrada e uma tabuleta plantada ao jeito de pregão – “Vende-se” – como se algum preço houvesse certo para comprar as medidas de suor. Já os vi […] seguir para erguer estranhos muros de vivenda nas margens estrangeiras de Paris. Muros de pedra seca da identidade das aldeias!» (p. 81).
Lancinante grito de alerta – que importa ouvir! – contra essa perda de identidade, do que é nosso e assim impunemente demanda terras estranhas…
Publicado no quinzenário Renascimento [Mangualde], nº 585, 15-01-2012, p. 13.
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