Concretiza-se,
assim, por parte da Junta de Freguesia de Cascais e Estoril, com o apoio camarário,
a proposta veiculada por dois dos assíduos colaboradores do nosso jornal: Rui
Rama da Silva, na sua qualidade de presidente da direcção
da Associação Humanitária dos
Bombeiros Voluntários de Cascais, e eu próprio, como membro que fui da equipa
de Jornal da Costa do Sol.
«Homem bom
cascalense». Optou-se por esta designação
– aparentemente insípida e, porventura, tida como de mínimo significado – porque,
em nosso entender, ela sintetiza o que, na vida de José Júlio de Carvalho, foi
mais relevante.
Assumiu-se,
primeiro, como cascalense de gema, aqui nado e criado, residindo sempre no coração da vila (02.04.1913 – 08.09.2008). Só as contingências
das ‘vagas’ toponímicas determinaram, pois, que a «sua» rua ficasse nos confins
da freguesia, bem perto do marulhar das vagas do Guincho, o que também não deixa
de ser uma coincidência feliz, pois José Júlio de Carvalho, quer como dirigente
associativo quer como respons ável de
jornais locais – primeiro A Nossa Terra
e, depois, o Jornal da Costa do Sol –,
sempre pugnou por uma visão
abrangente do concelho. Tanta atenção
lhe mereciam os problemas a resolver na vila como os do mais remoto lugar.
E
é também por esse motivo que lhe quadra à perfeição
a outra qualificação que propusemos:
a de homem bom. Pretendeu-se, desde logo, uma relacionação
explícita com o passado: não longe da casa onde viveu, há, à porta do castelo,
uma placa que explica: «À porta deste castelo se reuniam os juízes, vereadores,
o alcaide e outros homens bons do concelho de Cascais», no século XIV. Eram os
homens bons, na Idade Média, aqueles que superintendiam, de certo modo, à vida
de uma localidade. A eles se recorria em caso de emergência ou na busca das
melhores soluções para as controvérsias quotidiana s.
E José Júlio de Carvalho seria, em tempos medievais, um desse homens bons, como
o foi no seu tempo. Inquebrantável nas suas convicções, que mui ponderadamente
defendia, ainda que no respeito total por quem diversamente pensava, José Júlio
de Carvalho pode, por conseguinte, apontar-se como exemplo do cidadão atento e
empenhado.
Amizade e competência
Quando, no Outono
de 1964, entrei para a redacção do
jornal A Nossa Terra, já não estava
lá a equipa que, durante largos anos, mantivera o jornal como activa tribuna –
a única então no concelho. Um diferendo insanável com a direcção do Dramático (de que A Nossa Terra era propriedade) levara a que João Martinho de
Freitas e seus mais directos colaboradores pedissem a demissão. Contudo, a reconhecida
dedicação em prol da melhoria da
vida local fez com que os empresários locais se cotizassem e rapidamente se
compraram as acções necessárias para se construir o capital necessário para a criação de Jornal
da Costa do Sol, cujo primeiro número viria a sair a 25 de Abril de 1964. Nunca,
porém, enquanto mantive colaboração
em A Nossa Terra, ouvi uma palavra
sequer de crítica a José Júlio de Carvalho, cuja personalidade se situava, de
facto, bem acima dessas quezílias ‘domésticas’. E quando, em Outubro de 1967,
ingressei na redacção do Jornal da Costa do Sol, José Júlio de
Carvalho (o «senhor José Júlio»!) acolheu-me de braços abertos e logo ali
nasceu uma indefectível e sólida Amizade – e até cumplicidade, porque não? –
que só a morte veio quebrar.
Embora
já com alguma prática, dava eu, como se imagina, os primeiros passos na bem
espinhosa missão de ser jornalista local em tempo de censura. E tive o bom
senso de adoptar o procedimento seguinte: escrevia os textos, dactilografava-os
ou não, e ficava com o rascunho. Era o tempo (e aí começou um hábito que
mantenho) em que se aproveitava para esse efeito o verso em branco dos
comunicados e noticiários que nos chegavam!... Quando o jornal saía, eu confrontava
o que escrevera com o que saíra: a pontuação ,
as palavras, as maiúsculas, os hífenes e os travessões, o título… Não
compreendia a razão dalguma diferença? Ia ter com o «senhor José Júlio» para a
explicação – que nunca regateou!
Trabalhava
ele, então, como revisor de Publicações Europa América, depois de se haver aposentado
da Imprensa Nacional. Esse era, por conseguinte, o trabalho imprescindível – a
revisão – que não se negou a fazer. Mesmo
antes de ir para casa, passava pela redacção
e lá ficava, diligentemente, a catar gralhas, tarefa tanto mais importante e aborrecida
se nos lembrarmos que era na imprensa local que se faziam as «publicações
legais», que deviam sair sem mácula: um dos nós lia em voz alta e José Júlio de
Carvalho… catava!
Mesmo
já professor catedrático, não deixei amiúde de o consultar acerca de questões da língua em que, de facto, o
Catedrático era ele!
Publicado em Costa do Sol – Jornal Regional dos Concelhos de Oeiras e Cascais,
nº 67, 29-10-2014, p. 6.
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