quinta-feira, 30 de outubro de 2014

O alma-do-diabo

              ‒ Deixa lá, o moço pequeno não é tão traquinas assim. E, depois, moços pequenos querem-se vivos, não moscas-mortas, que se desenvencilhem bem, mesmo nas situações mais inesperadas.
            Isso dizes tu, que o não tens de aturar! Quando quer uma coisa, não me deixa da mão, mói-me o juízo!
            Olha, o meu apareceu-me em casa com o joelho todo escafelado, assim como eu já tenho as paredes lá da cozinha. E ficou-se deitado no sofá, assim como que a dormir caçando ratos, com medo que eu, ainda por cima, lhe desse uma coça por, decerto, ter indrovinado alguma!
            Mas aquilo é de extremos, mulher! Outro dia, tinha uma porqueirazinha na vista. E ficou todo arrabiado, o alma-do-diabo, não me deixava ver e tirar-lha com a ponta de uma mortalha de papel. Qual quê? Foi o cabo dos trabalhos!
            Ouvi mui quietinho, na sala de espera do Centro de Saúde, atafulhado de gente que ali estava há horas e assim ia matando o tempo, a contar, no seu falar bem nosso, as peripécias de um quotidiano que é de todos mas nem todos o narram assim – que as expressões d’outrora estão a dar lugar a bem escusados estrangeirismos…

Publicado em VilAdentro [S. Brás de Alportel] nº 190, Novembro de 2014, p. 10.

 

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