D.
Lurdes morava paredes-meias com o professor.
Quando
se encontravam, era habitual o «Olá, vizinha, como vai?», «Olá, vizinho, bom
dia!».
Um
dia, porém, o professor tomou posse como Presidente da República. Dias depois,
ao reencontrá-lo, D. Lurdes ficou atrapalhada, porque não sabia como falar-lhe.
O professor apercebeu-se da atrapalhação e saudou:
–
Olá, vizinha!
E
ela respondeu como dantes:
–
Olá, vizinho, como vai?
E
riram-se, num cumprimento amigável.
A
história é real, como facilmente se compreende.
E
conto-a em pleno auge da pandemia do coronavírus, quando imagino – como todos, decerto
– que a História futura, caso a Humanidade consiga sobreviver, terá a partir de
2020 uma nova cronologia a. C. e d. C., em que o C. significará não Cristo mas
Corona. Vamos, não há dúvida, alterar por completo o nosso paradigma de vida,
dar muito menos importância a pormenores que ora vemos serem de nenhum
interesse e dar muito maior importância a outros, como este da vizinhança.
Um
amigo meu, por sinal poeta com obra publicada, já com a provecta idade de mais
de 80 anos, «desapareceu do mapa». Perguntei por ele aos vizinhos e amigos mais
chegados, porque não atendia telefone nem telemóvel nem respondia ao correio electrónico.
Sabia-se que ele tinha um filho, que por sinal nunca se vira. Perguntei na
Junta de Freguesia com a qual ele amiúde colaborara. Ninguém sabe do senhor!
Vagamente, que foi para um lar. Desconhece-se qual, desconhece-se o contacto do
filho… E todos estamos com pena de não lhe poder falar, dar-lhe quiçá uma
palavra de alento. Se calhar, até já faleceu e ninguém disse nada!
No
tempo dos Romanos, os habitantes de um «vicus»,
a aldeia, eram os «vicini», os vizinhos. De «vicus» veio
«beco», passagem estreita. Não são becos as nossas aldeias e bairros, mas essa prístina
ideia de proximidade deve continuar
a prevalecer. Não apenas na saudação matinal «olá, vizinha!» mas no facto de termos
de todos os vizinhos e eles terem de nós os necessários contactos, para mantermos
estreitas as relações em tempo de… pandemias! E não só!
José d’Encarnação
Publicado em Noticias de S.
Braz [S. Brás de Alportel] nº 281, 20-04-2020, p. 15.
sempre com uma história na mão e mais algumas a pairar. bom dia, vizinho
ResponderEliminarBom dia, Vizinha!
EliminarEste texto é uma ternura, uma discreta exortação ao bom convívio entre vizinhos. Morreu uma amiga nossa, comum, há uns tempos, e só tive conhecimento por acaso...Não gostei. A vida tem sido isto: não conheço muito bem os meus vizinhos, embora nunca falte a saudação. Mas concordo, como tão bem se sugere aqui no texto, que terá que se inventar um novo paradigma de vida social para o d.c, que este malvado vírus não merece maiúscula que o confunda com outras datações mais nobres. Parabéns pelo belo artigo.
ResponderEliminarConcordo com a minúscula e agradeço o bem simpático e ternurento comentário!
EliminarEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarOlá Amigo Professor, Boa! Accho que é uma crónica deliciosa de se ler na situação declausura em q
ResponderEliminarnos encontramos. Prcecisamos muito de vizinhos simpáticos, como porexemplo os teus vizinhos Maia e Costa e Marcelo!
Abraço!
vb
Olá! Mais uma vez, um texto muito saboroso para ler e refletir. Na pressa das grandes cidades, ninguém tem tempo para conhecer ou falar com vizinhos.
ResponderEliminarNas pequenas localidades, ainda nos vamos conhecendo todos, melhor ou pior.
Pode ser que agora aprendamos todos a valorizar um sorriso, um bom dia ou uma conversa no café, nem que seja só a comentar o tempo.
Beijinho