domingo, 24 de novembro de 2024

Apanhar uma aberta!

             – Olha, apanhei uma aberta e escapei-me!
            Atentei no que acabara de dizer e pensei em dois aspectos do nosso quotidiano, para além da natural alegria de termos chuva num Algarve que dela tão precisado andava:
– Primeiro, no significado da palavra «olha», neste contexto, que não é propriamente o do verbo ‘olhar’, mas sim, neste caso, uma palavra-bordão, daquelas que usamos para iniciar uma conversa, sem terem um significado preciso, uma locução verbal, poderia chamar-se; noutras circunstâncias, porém, «olha» funciona como chamada de atenção: «Olha lá, não te molhes!».
– Depois, no significado da palavra «aberta», intervalo se imagina curto entre duas chuvadas; não se apanhou nada, concretamente, como quem apanha uma sova ou um graveto do chão, mas aproveitou-se.
Ambos os exemplos me levaram a duas outras reflexões: à necessidade de continuarmos a usar as nossas palavras lídimas, as que os nossos avós nos transmitiam e a ensiná-las às nossas crianças; e, por outro lado, a uma preocupação de irmos explicando essas palavras à comunidade estrangeira com que já diariamente convivemos.
Quantas das nossas crianças saberão hoje o que é uma morrinha, cacimbar, «agora, está sereno», chuva de molha-tolos? Se, nesse âmbito, quisermos ir mais longe, até poderemos falar do tempo de cacimbo em África; ou da «morriña» galega, aquela tristeza que, qual saudade, por nós perpassa quando sentimos a falta de alguém.

                                                                       José d’Encarnação

Publicado em Notícias de S. Braz [S. Brás de Alportel], nº 336, 20-11-2024, p. 13.

Sem comentários:

Enviar um comentário