Atentei no que acabara de dizer e
pensei em dois aspectos do nosso quotidiano, para além da natural alegria de
termos chuva num Algarve que dela tão precisado andava:
– Primeiro, no significado da palavra
«olha», neste contexto, que não é propriamente o do verbo ‘olhar’, mas sim,
neste caso, uma palavra-bordão, daquelas que usamos para iniciar uma conversa,
sem terem um significado preciso, uma locução verbal, poderia chamar-se;
noutras circunstâncias, porém, «olha» funciona como chamada de atenção: «Olha
lá, não te molhes!».
– Depois, no significado da palavra
«aberta», intervalo se imagina curto entre duas chuvadas; não se apanhou nada,
concretamente, como quem apanha uma sova ou um graveto do chão, mas
aproveitou-se.
Ambos os exemplos me levaram a duas outras
reflexões: à necessidade de continuarmos a usar as nossas palavras lídimas, as que
os nossos avós nos transmitiam e a ensiná-las às nossas crianças; e, por outro
lado, a uma preocupação de irmos explicando essas palavras à comunidade estrangeira
com que já diariamente convivemos.
Quantas das nossas crianças saberão hoje o
que é uma morrinha, cacimbar, «agora, está sereno», chuva de molha-tolos? Se,
nesse âmbito, quisermos ir mais longe, até poderemos falar do tempo de cacimbo
em África; ou da «morriña» galega, aquela tristeza que, qual saudade, por nós
perpassa quando sentimos a falta de alguém.
José d’Encarnação
Publicado em Notícias de S. Braz [S. Brás de Alportel], nº 336, 20-11-2024, p. 13.
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