domingo, 30 de maio de 2010
Cinzelar as pedras e as palavras
O texto que se segue constitui a apresentação incluída (p. 3-4) no livro Cinzelar as palavras como as pedras…em S. Domingos de Rana, edição da Associação Cultural de Cascais (2009), ISBN: 972-9406-48-8.
Cinzelar as pedras e as palavras
Sempre admirei o trabalho manual. As gentes que me davam um abraço ou me pegavam ao colo e eu lhes sentia as mãos calejadas. Olhava-os no rosto, moreno de muito sol crestado, uma cicatriz aqui e acolá, rugas fortes… mas olhos brilhantes, expressivos, castanhos ou azuis tanto dava!...
Eram os trabalhadores da minha infância, aqueles com quem aprendi a picar-me na silvas, a armar aos pássaros, a pegar na pá e na picareta ou na marreta para britar a pedra, o meu primeiro dinheirito ganho com borrefas nas mãos e pó de pedra a entrar-me pela boca. Admiravam-se os meus estudantes – se calhar, até faziam pouco! – quando, nas escavações, eu ia junto deles e lhes dizia «Olha como se pega na pá, agarra-me com jeito nessa picareta, garoto!»… Assim aprendera eu, pegulho.
Com meu pai sempre juntei, portanto, as pedras e os versos, pois se cantava nas pedreiras, se improvisavam redondilhas ou lá o que era, poesias obrigadas a mote, uma quadra por isto ou por aquilo, um cantar à desgarrada ao fim da tarde na taberna, entre um copo de três e outro, com um naco de queijo e o canivete que dilacerava direito o casqueiro saloio…
Perdoar-me-ão, pois, se a esta antologia eu quis dar o título que aí está. Sim, porque tudo começou com o Celestino, de quem escrevi que é ‘lavrador de pedras e de versos’; e veio o Natael, cujo múnus já era outro, mas igualmente sabia cinzelar palavras entre uma fornada e outra. E veio o Zé Luís, esse, canteiro também como o Celestino, a recordar uma Tires d’outrora, os sacrifícios doutros tempos, quando todos os vizinhos se conheciam e havia alcunhas e havia bailes de benefício e pides bem disfarçados… Juntou-se-nos o Carola. Eu sei, não é assim que ele se chama, é Manuel Afonso Gaspar, mas… há aí alentejano que se preze que não tenha a sua alcunha? O Carola é do Alentejo do norte; o Natael do Cercal, no Sudoeste. Alentejanos, portanto, sempre com a resposta pronta na ponta da língua – e em rima, se preciso for. E andávamos por Tires, na colaboração profícua com a Junta de Freguesia local cujo executivo de Manuel Mendes cedo compreendeu o que era isso de ter no coração da sua terra gentes das mais desvairadas partes. Aí demos com o Baptista Coelho, sem mãos calejadas mas que, já na altura da aposentação, escavou no seu íntimo e encontrou um cinzel para as palavras. Juntamo-lo, pois, aqui, a fazer a ponte entre a poesia do quotidiano pensado, evocado e filosófico, e a poesia refinada, trabalhada a esmeril...
Cinco visões do mundo de cinco cinzeladores de palavras, simbolizados no eloquente desenho que Lourdes Calmeiro generosamente lhes dedicou, coincidentes na terra rija que os acolheu. É a homenagem da Associação Cultural de Cascais a quantos, no dia-a-dia, como o Aleixo (tinha de ser, esta referência era obrigatória, desculpem!), olham com outros olhares o Sol ao romper d’alva, o Sol a mergulhar no Guincho com a serra a espreitar e a Lua a tentar adormecer a Terra num abraço aconchegado.
Juntamo-nos, pois, ao Sol e à Lua, nesse singelo abraço fraternal! Através da firmeza das pedras, através do gume das palavras.
Pampilheira, 13 de Setembro de 2009
José d'Encarnação
sexta-feira, 28 de maio de 2010
Os «banhos da Poça» em S. João do Estoril
quinta-feira, 27 de maio de 2010
Os leques – arte e história
Terminou no domingo, 23, a exposição de leques da Ásia e da Europa do século XVIII, que esteve patente, desde 13 de Abril, no Museu de Artes Decorativas Portuguesas, em Lisboa.
Não me foi possível escrever um apontamento sobre esta singular mostra a tempo de incitar o leitor a ir visitá-la, do que peço desculpa; no entanto, para a História, como sói dizer-se, não queria deixar de aproveitar, ainda que tardiamente, para dar o meu testemunho acerca do que ali se viu.
Constituindo parte da colecção que Marionela Gusmão, directora da revista «Moda & Moda», foi fazendo ao longo dos anos e das suas viagens, os leques expostos mostraram como, para além do seu elevado valor estético, um simples objecto à primeira vista somente utilitário (para refrescar as faces e, de quando em vez, disfarçar olhares indiscretamente sedutores…), acaba por, bem analisado na decoração que ostenta, retratar costumes, ambientes, hábitos… Toda uma história das mentalidades, no seu toque eminentemente social, ali está espelhada!...
No nº 102 de «Moda & Moda», relativo à Primavera/Verão deste ano, incluiu Marionela Gusmão um amplo e sugestivo texto de sua autoria (p. 22-31), profusamente ilustrado, a dar conta desta paixão e a explicar como os leques, esta «arte milenar de grande riqueza» e ilustradora das «mais diversas temáticas», acabam por ser, amiúde, «como uma história de amor que recria o quotidiano, uma celebração suprema de pormenores, sinfonia de detalhes, feminilidade original…».
Optou-se, aqui, pelo século XVIII, porque se desejava ilustrar, em cada sala do museu, um que outro aspecto com que os móveis ou as pinturas também se poderiam relacionar. E o todo resultou às mil maravilhas, maravilhando quem teve ensejo de apreciar.
O nosso voto é que se não fique por aqui. Há preciosidades, como o são estas, que não podemos guardar só para nós – e nem esse é o estilo de Marionela Gusmão, como incessantemente o demonstra nas páginas da sua revista, onde harmonicamente se casa a Moda com a Cultura. E não se veria com maus olhos, não – antes pelo contrário! –, que, num dos museus camarários cascalenses onde a tónica do quotidiano vivido predomina, viéssemos a poder-nos regalar também com preciosidades tamanhas.
Publicado no Jornal de Cascais, nº 221, 25-05-2010, p. 6.
terça-feira, 25 de maio de 2010
Depressa, depressa!...
Há certas frases que, pela vida fora, nos vão ficando perenes na memória, muitas vezes sem que os que as proferiram se hajam apercebido do eco que elas tiveram nos outros. Sucede isso com os professores, para o bem e para o mal, quando uma frase dita no momento certo ou no momento errado marca indelevelmente um estudante...
Assim, uma que ouvi a Manuel da Fonseca, não muito tempo antes da sua morte, entrevistado na televisão. Causava-lhe muita impressão a pressa que as pessoas tinham; andavam a correr, amiúde acotovelando os idosos, mais lentos, portanto, no seu caminhar pelas ruas; e isso impressionava-o muito: «Porque correriam tanto?».
E a frase surgiu-me de novo quando li que o nosso presidente da Câmara estivera presente, a 12 de Fevereiro, nos estúdios da TVI 24, no âmbito do movimento Slow City, de que, em Portugal, S. Brás de Alportel faz parte, juntamente com Tavira, Silves, Lagoa e Vizela (esta, recém-candidata a integrar o movimento). Trata-se de uma rede criada em Itália, em 1999, por Paolo Saturnini, cujo símbolo é o caracol e que abrange mais de uma centena de localidades a nível internacional. Obrigam-se a privilegiar a alimentação saudável dos seus habitantes, o espírito de convivência, a prática de exercício físico, o respeito pela cultura e costumes tradicionais; ou seja, a procurar garantir que haja ali uma vida calma.
Excelente ideia!
Publicado em «VilAdentro», de S. Brás de Alportel, nº 136 (Maio 2010) p. 10.
quarta-feira, 19 de maio de 2010
Padre Miguel Barros
(Ericeira, 1923; Cascais, 07-05-2010)
Conheci o Padre Miguel Barros como estudante, na década de 50, e como seu colega na docência, nas décadas de 60 e 70; mesmo depois de eu ter deixado de ser professor na Escola Salesiana do Estoril, continuei a acompanhar a sua actividade. Ou seja, um conhecimento de mais de 50 anos… uma vida!
Duas imagens me ocorrem, pois, no momento em que evocamos a sua memória.
Primeira: o professor de desenho, rigoroso, austero mesmo, exigente, uma «fera» (!), que sabia, porém, dosear a disciplina com o necessário incentivo.
Quando se homenagearam os seus 80 anos, dando o seu nome à sala onde habitualmente leccionava, aí se escreveu também «nulla dies sine linea» (‘nenhum dia sem uma linha’), frase atribuída ao pintor grego Apeles, que bem se enquadra no espírito salesiano de minucioso aproveitamento do tempo e de constante aprendizagem.
A segunda imagem é a do salesiano que interiorizou bem a pedagogia preventiva de D. Bosco, levando o estudante à prática do desporto, neste caso o hóquei, que foi a sua ‘paixão’ e que tornou a Associação da Juventude Salesiana, que fundou, no maior alfobre de hoquistas do País, nos anos em que esta modalidade detinha, na linha de Cascais, inigualável prestígio. Foi, nesse aspecto, um educador de primeira, exemplar, pois logrou ‘inventar’ um meio para os jovens, no autodomínio, na organização, obterem a formação completa e adequada. Era vê-lo, diariamente, no intervalo do almoço e mesmo após as aulas, no ringue de patinagem, a exigir cada vez mais empenho por parte dos que por essa modalidade se deixaram também apaixonar.
O hóquei fez parte do seu projecto educativo; no campo de jogos, o Padre Miguel estava lá; como nós, os outros professores, nesse tempo, não nos caíam os parentes na lama nem perdíamos a respeitabilidade por, no pátio, jogarmos voleibol, ténis, futebol com os nossos estudantes. Essa era a pedagogia de D. Bosco, fundador dos Salesianos. E tempo havia para a podermos praticar. E esse exemplo o Padre Miguel eloquentemente nos deixou.
Que descanse em paz!
Publicado no Jornal de Cascais, nº 219, 11-05-2010, p. 6.
Conheci o Padre Miguel Barros como estudante, na década de 50, e como seu colega na docência, nas décadas de 60 e 70; mesmo depois de eu ter deixado de ser professor na Escola Salesiana do Estoril, continuei a acompanhar a sua actividade. Ou seja, um conhecimento de mais de 50 anos… uma vida!
Duas imagens me ocorrem, pois, no momento em que evocamos a sua memória.
Primeira: o professor de desenho, rigoroso, austero mesmo, exigente, uma «fera» (!), que sabia, porém, dosear a disciplina com o necessário incentivo.
Quando se homenagearam os seus 80 anos, dando o seu nome à sala onde habitualmente leccionava, aí se escreveu também «nulla dies sine linea» (‘nenhum dia sem uma linha’), frase atribuída ao pintor grego Apeles, que bem se enquadra no espírito salesiano de minucioso aproveitamento do tempo e de constante aprendizagem.
A segunda imagem é a do salesiano que interiorizou bem a pedagogia preventiva de D. Bosco, levando o estudante à prática do desporto, neste caso o hóquei, que foi a sua ‘paixão’ e que tornou a Associação da Juventude Salesiana, que fundou, no maior alfobre de hoquistas do País, nos anos em que esta modalidade detinha, na linha de Cascais, inigualável prestígio. Foi, nesse aspecto, um educador de primeira, exemplar, pois logrou ‘inventar’ um meio para os jovens, no autodomínio, na organização, obterem a formação completa e adequada. Era vê-lo, diariamente, no intervalo do almoço e mesmo após as aulas, no ringue de patinagem, a exigir cada vez mais empenho por parte dos que por essa modalidade se deixaram também apaixonar.
O hóquei fez parte do seu projecto educativo; no campo de jogos, o Padre Miguel estava lá; como nós, os outros professores, nesse tempo, não nos caíam os parentes na lama nem perdíamos a respeitabilidade por, no pátio, jogarmos voleibol, ténis, futebol com os nossos estudantes. Essa era a pedagogia de D. Bosco, fundador dos Salesianos. E tempo havia para a podermos praticar. E esse exemplo o Padre Miguel eloquentemente nos deixou.
Que descanse em paz!
Publicado no Jornal de Cascais, nº 219, 11-05-2010, p. 6.
«Meta o civismo no...»
Foi notícia, há dias, o mau estado em que anda a saúde mental em Portugal, que se receitam muitos ansiolíticos, que o pessoal toma comprimidos para dormir… Grande novidade! Com o estado a que isto chegou, só se fôssemos de aço inoxidável!... E mesmo assim!...
Costumo parar – mas fico sempre no meu utilitário… – junto à saída dum parque de estacionamento subterrâneo, quando vou buscar a minha neta à escola (uma das funções habituais dos avós…). Nunca há problema, mesmo quando uma viatura tem de sair, pois deixo espaço bastante e, por outro lado, tento sempre, nesse caso, facilitar a saída, informando da vinda (ou não) de qualquer viatura na rua.
Há dias, porém, um carro parou à minha frente, também na espera de um estudante. A passagem ficou tapada e veio um senhor muito bem posto, em pose de grande empresário, ao volante de vistosa viatura topo de gama e logo desatou a buzinar, todo afobado. O condutor da frente fez sinal a pedir desculpa e apressou-se a desimpedir o caminho; e eu fiquei sossegado…
O senhor bem posto fulminou-me com o olhar; ambos abrimos os vidros.
– Acha que está bem estacionado?
– Não consegue passar?
– Tá bem estacionado, acha?
– Desculpe, não consegue passar?
– Olhe: meta o seu civismo no…
É, pois, nestes episódios do dia-a-dia que se demonstra a verdade do que atrás se disse acerca da saúde mental. O senhor ficou danado e de nada lhe valeu zangar-se, porque o trânsito estava todo engarrafado logo ali (hora de saída de escola em dia de chuva…). Além disso, querendo ofender-me (?), até me louvou, porque reconheceu que eu tinha civismo. Agora não sei é onde é que ele queria que eu o metesse, até porque não acabou a frase e foi-se logo embora! Quando o reencontrar, ainda hei-de perguntar-lhe!...
Publicado no Jornal de Cascais, nº 220, 18-05-2010, p. 6.
Costumo parar – mas fico sempre no meu utilitário… – junto à saída dum parque de estacionamento subterrâneo, quando vou buscar a minha neta à escola (uma das funções habituais dos avós…). Nunca há problema, mesmo quando uma viatura tem de sair, pois deixo espaço bastante e, por outro lado, tento sempre, nesse caso, facilitar a saída, informando da vinda (ou não) de qualquer viatura na rua.
Há dias, porém, um carro parou à minha frente, também na espera de um estudante. A passagem ficou tapada e veio um senhor muito bem posto, em pose de grande empresário, ao volante de vistosa viatura topo de gama e logo desatou a buzinar, todo afobado. O condutor da frente fez sinal a pedir desculpa e apressou-se a desimpedir o caminho; e eu fiquei sossegado…
O senhor bem posto fulminou-me com o olhar; ambos abrimos os vidros.
– Acha que está bem estacionado?
– Não consegue passar?
– Tá bem estacionado, acha?
– Desculpe, não consegue passar?
– Olhe: meta o seu civismo no…
É, pois, nestes episódios do dia-a-dia que se demonstra a verdade do que atrás se disse acerca da saúde mental. O senhor ficou danado e de nada lhe valeu zangar-se, porque o trânsito estava todo engarrafado logo ali (hora de saída de escola em dia de chuva…). Além disso, querendo ofender-me (?), até me louvou, porque reconheceu que eu tinha civismo. Agora não sei é onde é que ele queria que eu o metesse, até porque não acabou a frase e foi-se logo embora! Quando o reencontrar, ainda hei-de perguntar-lhe!...
Publicado no Jornal de Cascais, nº 220, 18-05-2010, p. 6.
Capitão de Abril são-brasense em entrevista
O Almirante Martins Guerreiro, um dos «capitães de Abril», são-brasense ilustre que a autarquia homenageou o ano passado dando o seu nome a uma das artérias da vila, reside em Algés (concelho de Oeiras) desde os anos 70. Mais um aniversário do 25 de Abril foi motivo para que um jornal local, O Correio da Linha, lhe dedicasse integralmente, em extensa entrevista, as páginas centrais (p. 11-13) do seu número de Abril deste ano, profusamente ilustrada com fotos do seu álbum de família, a documentarem aspectos mais salientes da actividade deste nosso patrício.
Depois de historiar o que foi a sua carreira como militar antes do 25 de Abril, Martins Guerreiro deu particular ênfase à sua actuação no quadro das operações da Revolução dos Cravos e nas funções que depois veio a desempenhar antes da passagem à reserva.
Interrogado sobre se estava «desiludido com a actual democracia portuguesa», declarou que desiludido não estava, mas sim insatisfeito, acrescentando:
«Enquanto os candidatos forem nomeados pelas direcções dos partidos teremos sempre uma democracia muito limitada. Quem escolhe os deputados não é o povo português, este apenas confirma alguns mas quem os escolhe são as direcções dos partidos. Esta é uma limitação grave».
Agraciado com a Medalha de Mérito Grau Ouro do Município de Oeiras, Martins Guerreiro referiu-se desta forma à homenagem que a autarquia de S. Brás lhe prestou:
«Foi uma situação curiosa mas embaraçosa ao mesmo tempo», porque «na altura da cerimónia eu era a única pessoa viva entre os vários homenageados. Encarei-a como uma homenagem aos militares de Abril e não tanto ao Martins Guerreiro».
Publicado em Noticias de S. Braz [S. Brás de Alportel], nº 162, 20-05-2010, p. 7.
Depois de historiar o que foi a sua carreira como militar antes do 25 de Abril, Martins Guerreiro deu particular ênfase à sua actuação no quadro das operações da Revolução dos Cravos e nas funções que depois veio a desempenhar antes da passagem à reserva.
Interrogado sobre se estava «desiludido com a actual democracia portuguesa», declarou que desiludido não estava, mas sim insatisfeito, acrescentando:
«Enquanto os candidatos forem nomeados pelas direcções dos partidos teremos sempre uma democracia muito limitada. Quem escolhe os deputados não é o povo português, este apenas confirma alguns mas quem os escolhe são as direcções dos partidos. Esta é uma limitação grave».
Agraciado com a Medalha de Mérito Grau Ouro do Município de Oeiras, Martins Guerreiro referiu-se desta forma à homenagem que a autarquia de S. Brás lhe prestou:
«Foi uma situação curiosa mas embaraçosa ao mesmo tempo», porque «na altura da cerimónia eu era a única pessoa viva entre os vários homenageados. Encarei-a como uma homenagem aos militares de Abril e não tanto ao Martins Guerreiro».
Publicado em Noticias de S. Braz [S. Brás de Alportel], nº 162, 20-05-2010, p. 7.
domingo, 9 de maio de 2010
Na despedida do Círio
Rala vegetação salpica as encostas. Sente-se a aridez da terra, acarinhada pelo Sol deste Agosto de 71…
A caminhada é lenta, solene, na comunhão dos ritos, dos trajes ancestrais, dos pendões significativos, do Círio (ah! o Círio!...), na ligação – que se quer perene – entre o Divino e o Humano…
Há um silêncio de meditação, a recordar os dias de prece:
«Senhor Deus, olhaste por estas gentes, viste os nossos desconfortos. Palpámos contigo a efemeridade da vida e, agora, colorindo-nos de novo com as vestes simbólicas duma entrega, estamos a despedir-nos… Na certeza, porém, Senhor, de que vais continuar connosco!».
E, embevecido pela beleza singular do ritual, irmanado também ele na dimensão sagrada do momento, o Etnólogo… esteve lá!
.......................
Publicado como legenda à foto em anexo, na pág. 108 do catálogo da exposição Giacometti – 80 anos, 80 imagens, patente no Museu da Música Portuguesa de 1-10-2009 a 17-04-2010. O catálogo teve a coordenação de António Carvalho, Carla Varela Fernandes e Maria da Assunção Júdice; edição da Câmara Municipal de Cascais, 2009; ISBN: 978-972-637-213-4.
quinta-feira, 6 de maio de 2010
A factura da electricidade
Na edição do passado dia 20 de Abril, Rui Rama da Silva manifestava a sua surpresa por ter recebido a factura da electricidade com um quantitativo invulgarmente alto. Claro que relacionou esse facto com os chorudos prémios atribuídos aos gestores da EDP – empresa pública – por terem ultrapassado os objectivos, ou seja, por haverem conseguido mais lucros que os esperados. Obviamente que o comentário do Povo não poderia ser outro: «Assim também nós, os comuns mortais, conseguíamos! Basta obter autorização para engordar a factura!...».
No meu caso, também fiquei, naturalmente, surpreendido e vieram-me à mente todos aqueles palavrões adequados à circunstância, mormente quando, em letras miudinhas, vi que se explicitava que os 119,99 euros da factura de Abril incluíam «os custos relativos ao uso das redes e os custos de interesse económico geral que decorrem de medidas de política energética, no valor de € 71,14 (Valor independente do comercializador de energia eléctrica)». Ou seja, ainda que eu não perceba lá muito bem a frase: a EDP deixou de ter o monopólio do fornecimento de energia eléctrica e, por isso, independentemente de nós continuarmos a ser seus clientes, temos de pagar a ligação à rede, qualquer que seja o comercializador. É assim?
E perguntei-me: «Que tenho eu a ver com isso?». Quem tem de pagar essa ligação – isto é, se bem compreendo, a possibilidade de um operador usar a rede já estendida pela EDP – é o consumidor? Não seria essa empresa? Não percebo.
O que percebo é que oficialmente se proclama que se não aumentam impostos. Nem é preciso! Basta ir à factura da electricidade, do telefone, da água – bens essenciais que o Estado tem obrigação de facultar a preço justo aos seus contribuintes (que para isso pagamos impostos) – e acrescentar-lhe lá umas quantas alcavalas. Assim, como quem não quer a coisa e o Zé Povinho que se dane.
Dizia, com a graça que o caracteriza, Jô Soares: «Olá, estão mexendo no meu bolso!».
Oh se estão, Jô! E muito! O que eles não percebem, coitados, é que esses bolsos estão já bem delidos e não têm nada dentro! E quando apenas os bolsos dos senhores gestores tiverem recheio, haverá multidão de bolsos vazios ou… nem bolsos haverá! E quem estudou História sabe o que isso significa.
Publicado no Jornal de Cascais, nº 218, 04-05-2010, p. 4.
No meu caso, também fiquei, naturalmente, surpreendido e vieram-me à mente todos aqueles palavrões adequados à circunstância, mormente quando, em letras miudinhas, vi que se explicitava que os 119,99 euros da factura de Abril incluíam «os custos relativos ao uso das redes e os custos de interesse económico geral que decorrem de medidas de política energética, no valor de € 71,14 (Valor independente do comercializador de energia eléctrica)». Ou seja, ainda que eu não perceba lá muito bem a frase: a EDP deixou de ter o monopólio do fornecimento de energia eléctrica e, por isso, independentemente de nós continuarmos a ser seus clientes, temos de pagar a ligação à rede, qualquer que seja o comercializador. É assim?
E perguntei-me: «Que tenho eu a ver com isso?». Quem tem de pagar essa ligação – isto é, se bem compreendo, a possibilidade de um operador usar a rede já estendida pela EDP – é o consumidor? Não seria essa empresa? Não percebo.
O que percebo é que oficialmente se proclama que se não aumentam impostos. Nem é preciso! Basta ir à factura da electricidade, do telefone, da água – bens essenciais que o Estado tem obrigação de facultar a preço justo aos seus contribuintes (que para isso pagamos impostos) – e acrescentar-lhe lá umas quantas alcavalas. Assim, como quem não quer a coisa e o Zé Povinho que se dane.
Dizia, com a graça que o caracteriza, Jô Soares: «Olá, estão mexendo no meu bolso!».
Oh se estão, Jô! E muito! O que eles não percebem, coitados, é que esses bolsos estão já bem delidos e não têm nada dentro! E quando apenas os bolsos dos senhores gestores tiverem recheio, haverá multidão de bolsos vazios ou… nem bolsos haverá! E quem estudou História sabe o que isso significa.
Publicado no Jornal de Cascais, nº 218, 04-05-2010, p. 4.