Como professor de História, gostei francamente de ouvir – por diversas vezes até – a frase «a História ensina-nos», na cerimónia oficial comemorativa do centenário da implantação da Republica. Tratou-se, de facto, de uma evocação histórica e alusões várias houve, então, aos erros da I República, erros que – devidamente analisados nas suas causas e consequências – todos se propunham ora evitar. Bons propósitos!
Acontece, porém, que, mui provavelmente, esses discursos foram redigidos por teóricos, gente especializada em parir conteúdos bonitos, ainda que totalmente desgarrados da realidade. Esquece-se, por exemplo, que essa História é feita por pessoas e não por números; que, ao pé dos que manobram números, deve existir quem conheça bem o lado humano dos acontecimentos e das decisões.
Na quinta-feira, dia 21, ouviam-se e viam-se, na televisão, as consequências do estabelecimento de portagens nas SCUTs do Norte do País: o Aeroporto Sá Carneiro deixava de ser o preferido pelos galegos; esses nossos vizinhos já hesitavam em vir até cá dar a escapadela do fim-de-semana; povoações até agora pacatas, gozando de um quotidiano tranquilo, passavam a ser atravessadas por filas de veículos poluidores…
Portanto, o legislador, encerrado na sua torre de marfim, rodeado de peritos assessores, fez as contas: passam tantos agora, eu cobro tanto, encho o bandulho do Estado e… os senhores da Europa, que até afinam pelo mesmo diapasão, engolem os meus argumentos e – pronto! – o défice vai ser menor!...
Nos últimos dias, multiplicaram-se, a todas as horas e em todos os programas, as receitas para nos conseguirmos aguentar. E todas elas iam no sentido de se diminuir o consumo. Muito bem! Mas – para macaco compreender… – diminuindo drasticamente o consumo não diminui drasticamente a receita desse IVA, cujo aumento ora se apresenta como a panaceia de todos os males?
Aumenta o IVA (dizem) de 6 para 23% nos ginásios. Porquê? Andar no ginásio é… luxo? Não é para prevenir doenças, melhorar a nossa prestação quotidiana no trabalho e nas tarefas domésticas?... Aumenta tanto? Faço contas e… deixo de ir.
A estatística ajuda a compreender os fluxos económicos; as lições da História são, porém, lições de… pessoas!
Publicado no Jornal de Cascais, nº 240, 26-10-2010, p. 6.
quarta-feira, 27 de outubro de 2010
terça-feira, 26 de outubro de 2010
Três factos, três reflexões
O salvamento dos 33 mineiros soterrados no Chile, numa mina, a 700 metros de profundidade merece, na verdade, muita reflexão e não duvido de que, para além do que já se viu e soube, o tema poderá ser eficazmente aproveitado para dissertações de mestrado e doutoramento em diversos domínios: a Psicologia (individual e colectiva), a Religião, a Terapia Ocupacional… eu sei lá!
Uma vitória da técnica e da tecnologia, sem dúvida; mas, fundamentalmente, uma vitória de 33 homens que, numa situação de bem corajosa luta pela sobrevivência, souberam ser pessoas no verdadeiro sentido da palavra. E, hoje, quando sentimos na pele, a todo o instante, que não somos tratados como pessoas, como seres humanos, mas sim apenas como números para as estatísticas, para essa estupenda invenção que são os rankings (e até se usa um barbarismo para se não perceber o que é…), essa foi a mais extraordinária lição. Poder de organização, sangue-frio, espírito de sacrifício, grande capacidade de entreajuda… constituíram, entre muitos outros, os trunfos de uma operação feliz!
A nível local, dois outros acontecimentos me merecem também comentário.
O primeiro, a realização, em Cascais, de um encontro, promovido pela Associação Portuguesa de Museologia, de pessoas ligadas aos museus das autarquias. Uma reflexão conjunta, uma partilha de experiências, com vista a gizarem-se estratégias duradouras, eficazes. Em tempo de vacas bem magras, regozijámo-nos com iniciativas originais e de bom efeito, realizadas de norte a sul do País – e a Câmara de Cascais, pela boca do seu presidente, que participou na sessão de encerramento, manifestou o seu regozijo não só pelo reconhecimento generalizado do bom trabalho aqui levado a efeito nesse domínio da Museologia, mas também pelas novas perspectivas que se abrem. Aliás, três factos (disse) reputa ímpares no seu mandato: a abertura do hospital e dos três centros de saúde; a possibilidade de salvaguarda e aproveitamento da Cidadela; e a política museológica (sobretudo, a abertura do Museu dos Faróis e da Casa das Histórias de Paula Rego).
Segundo facto: no âmbito das comemorações do centenário da eleição da 1ª Junta de Freguesia civil de Cascais, houve por bem o seu presidente facultar uma visita à obra, em fase de conclusão, da nova creche da Pampilheira. Sita ao pé do Centro de Dia (o tal imprescindível reencontro de gerações…), quando, no extremo sul do bairro, se procedeu à demolição das primeiras casas de vetusto e emblemático Bairro Operário, este equipamento – e o mais que se lhe poderá juntar – redime, de certo modo, o pecado de as entidades públicas cascalenses nunca se terem preocupado em dar seguimento ao que a benemerência do Conde de Monte Real visionariamente sonhara para todo aquele terreno. E uma creche estava também, de facto, nas suas intenções.
Publicado em Jornal de Cascais, nº 239, 19-10-2010, p. 10.
Uma vitória da técnica e da tecnologia, sem dúvida; mas, fundamentalmente, uma vitória de 33 homens que, numa situação de bem corajosa luta pela sobrevivência, souberam ser pessoas no verdadeiro sentido da palavra. E, hoje, quando sentimos na pele, a todo o instante, que não somos tratados como pessoas, como seres humanos, mas sim apenas como números para as estatísticas, para essa estupenda invenção que são os rankings (e até se usa um barbarismo para se não perceber o que é…), essa foi a mais extraordinária lição. Poder de organização, sangue-frio, espírito de sacrifício, grande capacidade de entreajuda… constituíram, entre muitos outros, os trunfos de uma operação feliz!
A nível local, dois outros acontecimentos me merecem também comentário.
O primeiro, a realização, em Cascais, de um encontro, promovido pela Associação Portuguesa de Museologia, de pessoas ligadas aos museus das autarquias. Uma reflexão conjunta, uma partilha de experiências, com vista a gizarem-se estratégias duradouras, eficazes. Em tempo de vacas bem magras, regozijámo-nos com iniciativas originais e de bom efeito, realizadas de norte a sul do País – e a Câmara de Cascais, pela boca do seu presidente, que participou na sessão de encerramento, manifestou o seu regozijo não só pelo reconhecimento generalizado do bom trabalho aqui levado a efeito nesse domínio da Museologia, mas também pelas novas perspectivas que se abrem. Aliás, três factos (disse) reputa ímpares no seu mandato: a abertura do hospital e dos três centros de saúde; a possibilidade de salvaguarda e aproveitamento da Cidadela; e a política museológica (sobretudo, a abertura do Museu dos Faróis e da Casa das Histórias de Paula Rego).
Segundo facto: no âmbito das comemorações do centenário da eleição da 1ª Junta de Freguesia civil de Cascais, houve por bem o seu presidente facultar uma visita à obra, em fase de conclusão, da nova creche da Pampilheira. Sita ao pé do Centro de Dia (o tal imprescindível reencontro de gerações…), quando, no extremo sul do bairro, se procedeu à demolição das primeiras casas de vetusto e emblemático Bairro Operário, este equipamento – e o mais que se lhe poderá juntar – redime, de certo modo, o pecado de as entidades públicas cascalenses nunca se terem preocupado em dar seguimento ao que a benemerência do Conde de Monte Real visionariamente sonhara para todo aquele terreno. E uma creche estava também, de facto, nas suas intenções.
Publicado em Jornal de Cascais, nº 239, 19-10-2010, p. 10.
domingo, 17 de outubro de 2010
Um testemunho sobre Aníbal Pinto de Castro
Hesitei em divulgar o meu depoimento sobre o Doutor Aníbal Pinto de Castro.
Primeiro, porque não serei, de forma nenhuma, o colega que melhor acompanhou a sua obra e o seu percurso académico e de cidadão empenhado; depois, porque logo uma rápida pesquisa pela Internet me deu conta de que – atendendo ao que já acontecera – uma nota, por mais despretensiosa que fosse, poderia suscitar comentários de desagrado, porque uma personalidade assim não cabe em meia dúzia de parágrafos, uma obra como os escritos do Doutor Aníbal Pinto de Castro não se pode confinar em escassas páginas, por mais eloquentes que o sejam.
Falou, porém, mais alto o meu dever cívico de colega e de companheiro de algumas das lutas travadas na Faculdade de Letras pela melhoria das condições da vida académica, ainda que nem sempre se lograsse almejar quanto se pretendia.
Do seu currículo e biografia (Cernache, 17-01-1938 / 8-10-2010) há referências múltiplas consultáveis na Internet, nomeadamente na página da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, de que foi director desde 1988 a 2004 – http://www.uc.pt/bguc/DocumentosDiversos/AnibalPindoCASTRO .
É salientado o seu labor docente e, sobretudo, a investigação que levou a cabo sobre Camões. Recorda-se que fundou o Centro Interuniversitário de Estudos Camonianos, em cuja página – http://www1.ci.uc.pt/ciec/menu.htm – aparece, de imediato, um livro seu, Páginas de um Honesto Estudo Camoniano, 2007. Não li o livro, nem sequer a sua introdução para saber da razão do título; intuo-a, pelo contacto que fui mantendo com o Doutor Aníbal Pinto de Castro, mesmo depois de se haver retirado – algo desgostoso, diga-se – da vida universitária. É que «honesto estudo» remete para o canto X d’Os Lusíadas (estrofe 154), em que Camões escreve:
«Nem me falta na vida honesto estudo
Com longa experiência misturado».
É, aliás, quase no final do poema. E (decerto outros o terão dito já antes de mim e com muito mais saber) logo o título traz a mensagem que porventura Aníbal Pinto de Castro quis deixar: sua vida se pautou por esse «honesto estudo» (e, hoje, esse adjectivo assume, como se sabe, um significado bem preciso e acutilante!...) e a experiência longamente se foi acumulando, de forma a relativizar muitas coisas, a abranger com olhos mais perspicazes vastos horizontes…
Creio ser sempre difícil quantificar uma obra, pese muito embora estejamos a viver o reinado dos números. Escreveu duas centenas de textos? Muito mais de duas centenas? Um dia, alguém, decerto, se dará ao trabalho de fazer essa contabilidade, sem esquecer, porém, que não é tanto a quantidade que conta, o número de páginas, mas a profundidade da análise e a originalidade da perspectiva, mesmo quando transmitida em quatro ou cinco páginas ou na imprensa local e regional.
Além de Camões, fonte inesgotável de inspiração pela sua ampla ligação ao Humanismo, seduziu-o Camilo Castelo Branco, de cuja Casa-Museu era, de resto, o director, fonte inesgotável de inspiração pela sua ampla ligação ao nosso mundo real, ao nosso Portugal profundo. Camões e Camilo a completarem mensagens.
Do seu trabalho como director da Biblioteca Geral fica-nos a ideia de longas horas aí passadas a procurar, abnegadamente, fazer o melhor para que os livros fossem lidos, as preciosidades salvaguardadas e os importantes espólios arrecadados a preceito. Do seu ministério como docente e orientador de pesquisas irão falando os antigos estudantes, os discípulos, os colegas.
Há, no entanto, uma outra vertente em que muito o vimos empenhado: a benemerência. Só quem está por dentro do mundo das Misericórdias sabe o que significa ser provedor; e Aníbal Pinto de Castro exerceu essa missão. Só quem nutre para com a sua cidade entranhado amor se disponibiliza para ser Presidente da Confraria da Rainha Santa Isabel.
Membro efectivo da Academia das Ciências de Lisboa e correspondente da Academia Portuguesa de História, recebeu – para além doutros galardões – o doutoramento honoris causa pela Universidade Católica Portuguesa, em 2007, por ocasião da celebração do 40º aniversário desta instituição. E, após a sua retirada da vida universitária, foi homenageado em Coimbra, a 26 de Novembro de 2005.
De um dos muitos comentários que podem ser consultados na Internet, permita-se-me que recorte o de Maria da Paz, sua antiga aluna, que escreve [http://theosfera.blogs.sapo.pt/386828.html]:
«Com este grande Senhor, foi-se uma parte da juventude dos alunos que foram seus, na velhinha Universidade de Coimbra! Fica-nos a recordação aureolada de saudade, da nossa alegria juvenil, da irreverência e da criatividade, geradoras dos mais descontraídos momentos de hilaridade a que nem os Professores eram poupados. Sem que o imenso respeito que lhes votávamos fosse beliscado! Sem que a admiração que nos mereciam saísse diminuída.
Em alguns contactos que estabeleci com antigas colegas, dando-lhes parte da infausta notícia, recordámos, apesar da mágoa do seu falecimento, alguns episódios hilariantes, passados com este distintíssimo Professor, e que nos fizeram sorrir.
Era Coimbra!
Era outro tempo!
Era outro Mundo!».
Sem dúvida: a Coimbra que fica na memória quando, acabados os cursos, passados os anos, a saudade se mantém e apetece voltar – nem que seja ao Penedo da Saudade para demorar os olhos naquelas lápidas, carcomidas, algumas, pelo musgo acumulado das décadas!... Aníbal Pinto de Castro era dessa Coimbra! Mas, como alguém me sugeriu também:
«O nosso Aníbal era Coimbra, mas era também a Universidade; não a de Coimbra; a Universidade, em sentido geral. Foi para ela que viveu. Sabe-se lá se foi por causa dela que partiu…».
[Divulgado a 15-10-2010, nas listas museum e histport.]
Primeiro, porque não serei, de forma nenhuma, o colega que melhor acompanhou a sua obra e o seu percurso académico e de cidadão empenhado; depois, porque logo uma rápida pesquisa pela Internet me deu conta de que – atendendo ao que já acontecera – uma nota, por mais despretensiosa que fosse, poderia suscitar comentários de desagrado, porque uma personalidade assim não cabe em meia dúzia de parágrafos, uma obra como os escritos do Doutor Aníbal Pinto de Castro não se pode confinar em escassas páginas, por mais eloquentes que o sejam.
Falou, porém, mais alto o meu dever cívico de colega e de companheiro de algumas das lutas travadas na Faculdade de Letras pela melhoria das condições da vida académica, ainda que nem sempre se lograsse almejar quanto se pretendia.
Do seu currículo e biografia (Cernache, 17-01-1938 / 8-10-2010) há referências múltiplas consultáveis na Internet, nomeadamente na página da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, de que foi director desde 1988 a 2004 – http://www.uc.pt/bguc/DocumentosDiversos/AnibalPindoCASTRO .
É salientado o seu labor docente e, sobretudo, a investigação que levou a cabo sobre Camões. Recorda-se que fundou o Centro Interuniversitário de Estudos Camonianos, em cuja página – http://www1.ci.uc.pt/ciec/menu.htm – aparece, de imediato, um livro seu, Páginas de um Honesto Estudo Camoniano, 2007. Não li o livro, nem sequer a sua introdução para saber da razão do título; intuo-a, pelo contacto que fui mantendo com o Doutor Aníbal Pinto de Castro, mesmo depois de se haver retirado – algo desgostoso, diga-se – da vida universitária. É que «honesto estudo» remete para o canto X d’Os Lusíadas (estrofe 154), em que Camões escreve:
«Nem me falta na vida honesto estudo
Com longa experiência misturado».
É, aliás, quase no final do poema. E (decerto outros o terão dito já antes de mim e com muito mais saber) logo o título traz a mensagem que porventura Aníbal Pinto de Castro quis deixar: sua vida se pautou por esse «honesto estudo» (e, hoje, esse adjectivo assume, como se sabe, um significado bem preciso e acutilante!...) e a experiência longamente se foi acumulando, de forma a relativizar muitas coisas, a abranger com olhos mais perspicazes vastos horizontes…
Creio ser sempre difícil quantificar uma obra, pese muito embora estejamos a viver o reinado dos números. Escreveu duas centenas de textos? Muito mais de duas centenas? Um dia, alguém, decerto, se dará ao trabalho de fazer essa contabilidade, sem esquecer, porém, que não é tanto a quantidade que conta, o número de páginas, mas a profundidade da análise e a originalidade da perspectiva, mesmo quando transmitida em quatro ou cinco páginas ou na imprensa local e regional.
Além de Camões, fonte inesgotável de inspiração pela sua ampla ligação ao Humanismo, seduziu-o Camilo Castelo Branco, de cuja Casa-Museu era, de resto, o director, fonte inesgotável de inspiração pela sua ampla ligação ao nosso mundo real, ao nosso Portugal profundo. Camões e Camilo a completarem mensagens.
Do seu trabalho como director da Biblioteca Geral fica-nos a ideia de longas horas aí passadas a procurar, abnegadamente, fazer o melhor para que os livros fossem lidos, as preciosidades salvaguardadas e os importantes espólios arrecadados a preceito. Do seu ministério como docente e orientador de pesquisas irão falando os antigos estudantes, os discípulos, os colegas.
Há, no entanto, uma outra vertente em que muito o vimos empenhado: a benemerência. Só quem está por dentro do mundo das Misericórdias sabe o que significa ser provedor; e Aníbal Pinto de Castro exerceu essa missão. Só quem nutre para com a sua cidade entranhado amor se disponibiliza para ser Presidente da Confraria da Rainha Santa Isabel.
Membro efectivo da Academia das Ciências de Lisboa e correspondente da Academia Portuguesa de História, recebeu – para além doutros galardões – o doutoramento honoris causa pela Universidade Católica Portuguesa, em 2007, por ocasião da celebração do 40º aniversário desta instituição. E, após a sua retirada da vida universitária, foi homenageado em Coimbra, a 26 de Novembro de 2005.
De um dos muitos comentários que podem ser consultados na Internet, permita-se-me que recorte o de Maria da Paz, sua antiga aluna, que escreve [http://theosfera.blogs.sapo.pt/386828.html]:
«Com este grande Senhor, foi-se uma parte da juventude dos alunos que foram seus, na velhinha Universidade de Coimbra! Fica-nos a recordação aureolada de saudade, da nossa alegria juvenil, da irreverência e da criatividade, geradoras dos mais descontraídos momentos de hilaridade a que nem os Professores eram poupados. Sem que o imenso respeito que lhes votávamos fosse beliscado! Sem que a admiração que nos mereciam saísse diminuída.
Em alguns contactos que estabeleci com antigas colegas, dando-lhes parte da infausta notícia, recordámos, apesar da mágoa do seu falecimento, alguns episódios hilariantes, passados com este distintíssimo Professor, e que nos fizeram sorrir.
Era Coimbra!
Era outro tempo!
Era outro Mundo!».
Sem dúvida: a Coimbra que fica na memória quando, acabados os cursos, passados os anos, a saudade se mantém e apetece voltar – nem que seja ao Penedo da Saudade para demorar os olhos naquelas lápidas, carcomidas, algumas, pelo musgo acumulado das décadas!... Aníbal Pinto de Castro era dessa Coimbra! Mas, como alguém me sugeriu também:
«O nosso Aníbal era Coimbra, mas era também a Universidade; não a de Coimbra; a Universidade, em sentido geral. Foi para ela que viveu. Sabe-se lá se foi por causa dela que partiu…».
[Divulgado a 15-10-2010, nas listas museum e histport.]
quarta-feira, 13 de outubro de 2010
O Bairro Operário
Apenas aos habitantes mais antigos da freguesia de Cascais identificarão este topónimo, que só existe na tradição popular, transmitida ao longo de décadas. Trata-se do Bairro José Luís, sito na faixa sudeste do Bairro da Pampilheira, inaugurado a 12 de Março de 1933, e assim chamado porque toda a área (2160 m x 100 m) hoje ocupada pela Pampilheira oriental, entre a Ribeira do Cobre e a (então) Estrada da Malveira foi doada, para esse efeito, ao Município cascalense pelo benemérito Conde de Monte Real, que desejou ficasse o nome de seu filho José Luís assim perpetuado.
Escrever hoje, aqui, sobre este bairro tem uma justificação: o primeiro núcleo de três moradias, dos únicos quatro que se conseguiram edificar, acaba de ser demolido na manhã do passado dia 6, porque estavam desocupadas e em degradação. Não se justificava a reabilitação nos mesmos moldes, porque (compreende-se) hoje a filosófica habitacional é diferente; e esta atitude camarária é previsão do que há anos se pensa: à medida que forem morrendo os moradores ou se, antes disso, se gizar para eles uma solução satisfatória que lhes acautele os legítimos direitos adquiridos, as moradias actuais darão lugar a outro empreendimento.
Salvaguardou-se a placa da inauguração, que ficará como memória do que foi um dos mais arrojados projectos urbanísticos da 1ª metade do século XX em Cascais, com vista a proporcionar uma vida saudável e culturalmente activa à população cascalense mais necessitada (os «operários», dizia-se então).
Já tive ocasião (vide o livro Recantos de Cascais, 2007, p. 21-24) de fazer, em traços muito largos, a sua descrição, com base nos documentos da época. Importará, porém, saber que se previra a construção de 238 (!) fogos, moradias unifamiliares dotadas das mais modernas infraestruturas para a época (água corrente, por exemplo), com jardim à frente e horta nas traseiras; uma escola, duas lavandarias, dois parques infantis, edifício de caldeiras, biblioteca e… cooperativa!
Num momento em que – menos de cem anos depois – as escavadoras num ápice reduzira a escombros as primeiras três casas, talvez não fosse despiciendo que o Município programasse uma sessão esclarecedora do passado e do presente, para, como sói dizer-se, termos, também aqui, «um futuro com raízes»!
Publicado no Jornal de Cascais, nº 238, 12-10-2010, p. 6.
Ilustram o texto: uma panorâmica retirada do folheto que, à data da inauguração, foi elaborado e que mostra, ao fundo, o Alto da Pampilheira, com os depósitos de água em destaque; uma foto do 2º renque de casas, ainda habitadas; a foto distribuída pelo Gabinete de Imprensa da Câmara, a mostrar a demolição; e uma outra, ainda que de má qualidade, apenas para assinalar os últimos momentos em que a placa relativa à inauguração esteve no seu lugar.
sábado, 9 de outubro de 2010
Cortiça, a rainha!
Muitas iniciativas têm sido eficazmente levadas a cabo entre nós para que S. Brás continue a figurar na rota da cortiça. Há, de resto, a associação «Rota da Cortiça» – www.rotadacortica.pt/ – que tem como palavra de ordem: «Mais do que um percurso, uma história». E é.
Desde moço pequeno que vivo nessa «rota», porque, além de meu pai ter ido anos a fio, como muitos são-brasenses, para a «esgalha da cortiça», inclusive por esse Alentejo além, a água do cântaro bebia-se no cocharro (sábio aproveitamento dos nós da árvore); o almoço levava-se na tarreta; e até minha avó deixava o grão de molho, de um dia para o outro, num ‘alguidar’ que nada mais era do que um cocharro em ponto grande; no dia seguinte, era também com um pedaço de cortiça (como se fosse pequena tábua à medida da mão) que, sabiamente, tirava as peles do grão, para que a sopa ou o cozido não tivessem desagradáveis asperezas.
Não sei como se chama essa pequena ‘prancha’ nem se tem nome próprio (tê-lo-á, decerto) o alguidar. Daqui fica, pois, o apelo aos membros da Rota: neste âmbito do ‘património do falar’ sobre que me debrucei da última vez, vamos recolher essa terminologia, vamos preparar nova exposição com estes utensílios de ancestral uso quotidiano? Será uma forma de, fazendo um percurso, história fazermos também!
Publicado em VilAdentro [S. Brás de Alportel], nº 141 (Out 2010) p. 10.
Desde moço pequeno que vivo nessa «rota», porque, além de meu pai ter ido anos a fio, como muitos são-brasenses, para a «esgalha da cortiça», inclusive por esse Alentejo além, a água do cântaro bebia-se no cocharro (sábio aproveitamento dos nós da árvore); o almoço levava-se na tarreta; e até minha avó deixava o grão de molho, de um dia para o outro, num ‘alguidar’ que nada mais era do que um cocharro em ponto grande; no dia seguinte, era também com um pedaço de cortiça (como se fosse pequena tábua à medida da mão) que, sabiamente, tirava as peles do grão, para que a sopa ou o cozido não tivessem desagradáveis asperezas.
Não sei como se chama essa pequena ‘prancha’ nem se tem nome próprio (tê-lo-á, decerto) o alguidar. Daqui fica, pois, o apelo aos membros da Rota: neste âmbito do ‘património do falar’ sobre que me debrucei da última vez, vamos recolher essa terminologia, vamos preparar nova exposição com estes utensílios de ancestral uso quotidiano? Será uma forma de, fazendo um percurso, história fazermos também!
Publicado em VilAdentro [S. Brás de Alportel], nº 141 (Out 2010) p. 10.
Padre Edgar
Faleceu na Casa Salesiana de Manique, a 6 de Agosto, com 77 anos, o padre Edgar Damásio. Do seu passamento só agora tive conhecimento através do Boletim Salesiano.
Permita-se-me que evoque aqui a sua memória, para que fique registada a sua passagem entre nós, não só porque foi professor de muitos dos jovens que, nas décadas de 60 e 70, passaram pela Escola Salesiana do Estoril, mas também – e sobretudo – porque foi «ministro da Palavra» em várias das capelas a que os Salesianos foram dando apoio ao longo destes anos, nomeadamente quando a comunidade do Estoril ainda contava com bastantes sacerdotes disponíveis para celebrarem as missas dominicais pelas circunvizinhas paróquias de Estoril, Cascais e Alcabideche.
Recordo que esteve ligado, durante muitos anos, à capela de S. José da Bicuda, aí granjeando a simpatia dos fiéis. Uma das últimas capelas a que prestou assistência foi a de Santa Iria, em Murches; mas, na verdade, quando aí o vi – talvez há uns quatro anos atrás – já se encontrava bastante debilitado, quer por grandes dificuldades de visão quer por sofrer da doença de Parkinson.
Não era pessoa que procurasse sobressair. Dava serenamente as suas aulas; exerceu, por diversas vezes e com extremo rigor, as funções de administrador da escola; preparava com cuidado as homilias, deixando transparecer, de modo particular, a imagem de quem procura, no dia-a-dia, cumprir a missão que escolheu.
No «In memoriam» que o Padre David Bernardo sobre ele redigiu no citado boletim, transcreve-se da pequena autobiografia que deixou («Uma vida terrena focada sobre a Eternidade») esta passagem elucidativa:
«Aos 28 anos fui ordenado sacerdote, no Estoril, com um fito […] os pobres, sobretudo jovens, com uma meta… anunciar a esperança. Adoptei, como símbolo vivencial, uma vela verde que me tem sempre acompanhado».
Foi sua prioridade «aliviar a dor física e a fome». A dor física teve-a ele próprio nos últimos tempos da sua vida; zelar pelos mais necessitados dentro do espírito do fundador dos Salesianos, S. João Bosco, norteou-o sempre também.
Dele nos fica, pois, para além da saudade, o exemplo. Que descanse em paz!
Publicado no Jornal de Cascais, nº 237, 05-10-2010, p. 4.
Permita-se-me que evoque aqui a sua memória, para que fique registada a sua passagem entre nós, não só porque foi professor de muitos dos jovens que, nas décadas de 60 e 70, passaram pela Escola Salesiana do Estoril, mas também – e sobretudo – porque foi «ministro da Palavra» em várias das capelas a que os Salesianos foram dando apoio ao longo destes anos, nomeadamente quando a comunidade do Estoril ainda contava com bastantes sacerdotes disponíveis para celebrarem as missas dominicais pelas circunvizinhas paróquias de Estoril, Cascais e Alcabideche.
Recordo que esteve ligado, durante muitos anos, à capela de S. José da Bicuda, aí granjeando a simpatia dos fiéis. Uma das últimas capelas a que prestou assistência foi a de Santa Iria, em Murches; mas, na verdade, quando aí o vi – talvez há uns quatro anos atrás – já se encontrava bastante debilitado, quer por grandes dificuldades de visão quer por sofrer da doença de Parkinson.
Não era pessoa que procurasse sobressair. Dava serenamente as suas aulas; exerceu, por diversas vezes e com extremo rigor, as funções de administrador da escola; preparava com cuidado as homilias, deixando transparecer, de modo particular, a imagem de quem procura, no dia-a-dia, cumprir a missão que escolheu.
No «In memoriam» que o Padre David Bernardo sobre ele redigiu no citado boletim, transcreve-se da pequena autobiografia que deixou («Uma vida terrena focada sobre a Eternidade») esta passagem elucidativa:
«Aos 28 anos fui ordenado sacerdote, no Estoril, com um fito […] os pobres, sobretudo jovens, com uma meta… anunciar a esperança. Adoptei, como símbolo vivencial, uma vela verde que me tem sempre acompanhado».
Foi sua prioridade «aliviar a dor física e a fome». A dor física teve-a ele próprio nos últimos tempos da sua vida; zelar pelos mais necessitados dentro do espírito do fundador dos Salesianos, S. João Bosco, norteou-o sempre também.
Dele nos fica, pois, para além da saudade, o exemplo. Que descanse em paz!
Publicado no Jornal de Cascais, nº 237, 05-10-2010, p. 4.