No momento em que, ao pensar no novo ano, meditamos no que, doravante, deveremos modificar para vivermos mais em plenitude, a vontade de visitar quem já se encontra no Outono da vida pode ser forte. Este ano foi, para mim. E senti que importa, amiúde, voltar a essas visitas, para darmos à vida a relatividade enorme que ela tem, os altos e baixos, as glórias e os esquecimentos – para, afinal, verificarmos que somos grãos de areia num infindável deserto.
Falei com Isolina Alves Santos, a poetisa que tivemos oportunidade de dar a conhecer. 89 anos. No Lar de S. Vicente, em Alcabideche. Já com alguma dificuldade de locomoção, mas ainda a fazer versos e a contar como foi a sua ida à Escola Ibne Mucana e a ternura que os meninos tiveram por ela. Fez versos para este Natal e disse-os na festa do Lar. Um exemplo.
Falei com uma tia adoptiva que tenho no Lar da Misericórdia, nas Fisgas. Também a rondar os 90. Já baralha um pouco os tempos, alterna a lucidez com o sonho, reconheceu-me, estava na sala da televisão e… foi bom receber dela um beijinho, na recordação de tanta caminhada desde os longínquos anos 40…
Falei com Cruzeiro Seixas, o nosso último pintor surrealista vivo. Completou 90 anos no passado dia 3. Vive num lar no Estoril, com alguns dos seus quadros, livros, esculturas indígenas d’África… Recordámos os tempos heróicos (!) em que esteve à frente da Galeria da Junta de Turismo. Heróicos porque, mesmo após o 25 de Abril, se prosseguiu na política de Serra e Moura de apoiar os artistas, reconhecendo-se que a oferta turística não passa exclusivamente pela hotelaria e pelas «praias de areia fina»; heróicos, porque se fez frente à galeria do Casino e se mostrou que poderiam coexistir; heróicos, porque, com pouco dinheiro e duas ou três pessoas, se montava uma exposição digna e dela se fazia catálogo para a posteridade; heróicos porque se ousou, por exemplo, propor uma exposição de pintura erótica – e caiu o Carmo e a Trindade!... Recordámos. Ora a perder paulatinamente a visão, «só vejo vultos», Cruzeiro Seixas vai recebendo os amigos, no conforto de ter procurado deixar rasto na pintura portuguesa – arauto de uma geração que agitou as águas e que perdurará.
Falei com os velhos. E continuei a aprender muito com eles. Mormente esta reflexão sobre a nossa caminhada – que tem começo, meio e fim. Altos e baixos, glória e… esquecimento! Bem hajam, Amigos!
Publicado no Jornal de Cascais, nº 249, 12-01-2011, p. 6.
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