segunda-feira, 11 de julho de 2011
Alindar a pedra, enfim!...
Não sai da mão do canteiro o peitoril ou a ombreira ou mesmo o cunhal, sem o derradeiro remate.
Não, não vai ser polido a esmeril, que isso é tarefa reservada às peças que saem das serrações – e esse é outro mundo, em que não entrámos, porque aí é a mecânica que impera, as serras num vaivém e a água sempre a correr sobre o fio de corte, ou o disco de diamante para as peças mais mimosas. Há, porém, percalços pelo caminho: aquele fóssil de Cerastoderma edule (berbigão) ou de Mytilus edulis (mexilhão) que saltou; aquela linda (mas incómoda) concavidade reluzente de cristais… Urge betumar!
Fazia-se o betume na hora: pez louro, pó de pedra e cera de abelha! Aplicava-se no buraco e brunia-se. Ficava como se nada tivesse acontecido.
Por vezes, porém, outro azar podia bater à porta e, por exemplo no transporte, partia-se um canto e não havia hipótese de deitar fora trabalho feito! Entravam em campo as manivelas, com que – à maneira dos antigos funileiros que nos remendavam alguidares partidos… – ali se faziam os buracos para os gatos de aço! Tudo se procurava disfarçar muito bem – e até o gato dava à obra um outro ar, mais humano, mais de humildemente proclamarmos que, por vezes, também adregamos errar e… queremos corrigir os erros!
Alindou-se a pedra! O final de um percurso que, de há uns meses a esta parte, nos foi dado percorrer, na homenagem aos que, mormente na zona ocidental do nosso concelho (lá está o geoponto dos Funchais!...), séculos afora deram lições nesta arte – aqui, em Marrocos, em Lisboa!... São-brasenses de pele crestada, mãos calosas e muito saber acumulado!
Publicado em VilAdentro [S. Brás de Alportel], nº 150 (Julho 2011), p. 10.
Ilustrações
No Dia de S. Martinho de 2006, a Associação Cultural de Cascais, com a colaboração da Junta de Freguesia e da Câmara Municipal locais, erigiu este monumento em honra do canteiro, na rotunda à entrada de Birre, um dos locais de maior actividade de exploração de pedra na freguesia de Cascais, nas décadas de 50 e 60 do século passado. Quisemos que fosse um memorial desses tempos em que as tabernas eram o local de convívio, ao fim da jornada de trabalho e nas noites de sábado e tardes de domingo. Para aqui, escreveu-se na legenda, convergiram canteiros vindos do Algarve (nomeadamente de S. Brás de Alportel), de Alcains e da região de Coimbra. O barril foi, pois, esculpido em lioz das pedreiras dos Funchais (S. Brás de Alportel); o bloco é do azulino cascalense; a placa, já em mármore de Estremoz-Vila Viçosa, que se trabalhava nas serrações. Em baixo-relevo, alguns dos instrumentos usados: a maceta, a bujarda, o escopro, o escacilhador, o ponteiro, e, em baixo, o esquadro.
Na ilustração inferior, David Correia Encarnação, o 'arquitecto' do monumento, grava uma das inscrições que o monumento ostenta. Natural de S. Brás de Alportel, foi um dos canteiros que trabalhou em Birre nessa altura, emigrando depois para o Canadá.
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