Quando, em finais da década de 70, comecei a leccionar Epigrafia (a ciência que estuda as inscrições), procurei incutir nos meus estudantes – para além do entusiasmo por essa pesquisa – duas ideias fundamentais:
1ª) Há inscrições em todos os tempos; cumpre-nos dar-lhes o devido valor como fonte histórica única, pensada precisamente para transmitir uma mensagem aos vindouros.
2ª) Há inscrições romanas por toda a parte, normalmente em reaproveitamento de paredes, metidas a esmo em muros, tanto em ambiente urbano como rural, porque, perdida a noção de qual fora a sua função inicial, facilmente se agarrava material ali à mão de semear.
E mandei-os por aí, como vira-latas (salvo seja!...) que deveriam dar a volta a tudo quanto era pedra facetada ou de forma inusual, à procura de letras!
Deu resultado a colheita, sobretudo em terras beirãs, onde os Romanos tinham estado e onde a pedra abundara sempre.
Várias foram as inscrições romanas identificadas então no concelho de Mangualde. Refira-se, hoje, uma que particular gozo deu.
‒ Olha lá: aquilo que está ali, a fazer de coluna, não parece um daqueles altares que o professor mostrou nas aulas?
‒ E tem letras!... Já viste?
Era mesmo! Luís Filipe Gomes e António Tavares estavam diante de uma casa em ruínas, na Quinta do Casal, logo à entrada da povoação de Casais (freguesia de S. João da Fresta).
De granito facilmente esboroável, fora até regravado por quem não percebia muito bem o que estava lá escrito (pudera, era latim!...), mas uma análise mais atenta permitiu a sua interpretação e posterior publicação na revista Ficheiro Epigráfico (inscrição nº 55, de 1985). Ficámos a saber que fora oferta, em jeito de cumprimento de promessa, feita por um tal Malgeino, filho de Leuro, natural de Árbua (localidade até aí desconhecida e cuja localização permanece por identificar), a uma divindade de nomes assaz estranhos – Lar Coutioso Longonaroso?... Há dois mil atrás!
Como um olhar atento derredor nos pode surpreender!
Publicado no quinzenário Renascimento [Mangualde], nº 578, 01-10-2011, p. 13.
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