quinta-feira, 25 de março de 2010

Uma orquestra residente



Raros municípios poderão usufruir do privilégio de terem orquestra de câmara residente. Têm-no Cascais e Oeiras: a Orquestra de Câmara de Cascais e Oeiras.
Dois importantes factores o determinaram: vontade política e a tenacidade de um músico búlgaro, Nikolay Lalov, que nunca olhou a contratempos; ou melhor, olhou, mediu-os e estudou de imediato a forma de os ultrapassar.
Quem diria, há mais de dez anos atrás, que um projecto com essas características iria ter viabilidade? E teve-a, felizmente. Mercê do protocolo firmado com as duas câmaras municipais, deu-se corpo a uma estrutura que, nestes dez anos, muito tem feito pela cultura musical. E a abertura, em 2008, do Conservatório de Música, no edifício reabilitado da Pensão Boaventura, no Monte Estoril, constituiu, sem dúvida, um passo relevante nesse caminhar, pois que, doravante, os membros da OCCO não seriam apenas presenças em concertos mas também professores dos que à música se quisessem dedicar. E o trabalho já desenvolvido é disso mui reconfortante penhor.
Pois houve casa repleta no passado dia 12, à noite, no Centro Cultural de Cascais, no concerto que marcou o início das comemorações deste 10º aniversário. Fizeram questão de estar presentes inúmeras individualidades que à OCCO têm dado o seu apoio e incentivo. E o serão foi deveras agradável.
O maestro Lalov, com a sua habitual simpatia e simplicidade, teve palavras de reconhecimento aos autarcas e apoiantes e foi explicando, antes de cada uma das cinco peças executadas, as circunstâncias em que elas haviam entrado no reportório das mais de mil obras que a Orquestra já detém.
Fartos foram os aplausos – que, em devido tempo, também não foram regateados aos dois virtuosos violinistas Lilia Donkova e Ricardo Mendes. Acrescente-se que, na primeira parte do espectáculo, o próprio maestro tocou violino.
No final, uma visita à exposição que assinala uma década de vida da OCCO e a merecida confraternização.

Publicado no Jornal de Cascais, nº 212, 23-03-2010, p. 4.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Um Dirigente com maiúscula

Salientou Teixeira Marques, na edição de 20 de Fevereiro, p. p., as qualidades de Dirigente de António Rosa, por, ao serviço do grupo desportivo que dirigia, o GDC dos Machados, ter sofrido um acidente fatal:
«Como Dirigente com maiúsculas, não puxou dos galões e foi ele mesmo proceder ao arranjo do balneário».
Enquanto se lamenta a morte, assim inesperada, de António Rosa, não pode, na verdade, deixar de sublinhar-se este pronto ‘arregaçar de mangas’ de quem não tem medo que os parentes lhe caiam na lama, lá por se ir empoleirar num telhado para arranjar uma telha!...
Quando, à nossa volta, os exemplos não são desse jeito, ao contrário do que acontece noutros países mais evoluídos, há que dar relevo ao gesto, à abnegação.
Recordo que, em tempos, o dono de muito famosa rede europeia de estabelecimentos comerciais viera a Portugal visitar a sua loja e para ela se deslocara não num bruto carro topo de gama nem sequer num táxi, mas utilizando os transportes públicos!...
Bem haja, pois, António Rosa, pela última e eloquente lição!
Que descanse em paz!

Publicado no Notícias de S. Braz (S. Brás de Alportel), 20-03-2010, p. 2.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Barbershop, de Júlio Conrado




Num sítio também emblemático para a cultura literária em Cascais, a vetusta Livraria Galileu, o Professor Salvato Telles de Menezes apresentou, no final da tarde de sábado, 6, o mais recente livro de Júlio Conrado, que dá pelo sugestivo nome de «Barbershop».
Sempre a barbearia constituiu, no coração de uma aldeia ou mesmo de uma vila, aquele ponto de encontro onde se sabem as novidades, onde se discute futebol, se dá uma olhadela pelo jornal (local, desportivo ou diário), se geram cumplicidades… Local prenhe de magia, onde tudo pode acontecer na fantasia de quem por lá passa e, repoltreado na cadeira, deixa que o barbeiro lhe corte o cabelo ou lhe ensaboe a cara.
Diz-se logo, em jeito de subtítulo, que se trata de «leitura que não vai querer interromper», tal como se não interrompe «um corte de cabelo».
E, na capa, lá está – em mui sugestivo desenho de Catarina Gaeiras – a barbearia iluminada, indiferente, parece, às janelas e escadas do resto do quarteirão em que se insere. Ilusão, claro! Porque, pela barbearia, ou melhor, pelo romance perpassam, para além do barbeiro, um sonhador, personagens do nosso quotidiano, em fina e mordaz ironia, num retrato pleno de sagacidade: o «poeta taciturno eterno candidato ao Nobel de literatura»; o «pícaro amador de viúvas ricas»…
Enfim, anuncia-se trama com trágicos crimes imperfeitos «no quintal sossegado», vingança, amor, avidez…
Júlio Conrado insere o enredo numa Cascale algo misteriosa, retirando o nome, porém, da mais antiga carta topográfica que se conhece da vila de Cascais pendurada sobre a baía, no século XVI. Claro que, não sendo autobiográfico, o romance deixa transparecer experiências vividas – por este olhanense que também veio para Cascais em tenra idade e por cá se deixou seduzir.


Publicado em Jornal de Cascais, nº 211, 16-03-2010, p. 6.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Rua Fernão Lopes, na Pampilheira




A CUF houve por bem ganhar mais uns dinheirinhos e pôs a cobrar o parque de estacionamento da sua Clínica, na Pampilheira. (Aliás, o novo hospital de Cascais também lhe seguiu as pisadas – até com a desgraça se quer enricar, meu Deus!...).
Consequência: as ruas das proximidades enchem-se de viaturas, nem sempre arrumadas da melhor forma. Amiúde, por exemplo, estacionam à entrada da Rua Fernão Lopes, do lado sul, proibido.
Trata-se de uma zona de passagem de veículos longos, quer para as pequenas indústrias ali existentes (um estaleiro, uma fábrica, o Centro de Inspecção Automóvel, uma garagem, a Vulcanizadora…), quer para o Centro de Distribuição Postal, quer para a própria Clínica. Esse estacionamento inviabiliza, muitas vezes, a passagem de viaturas maiores, nomeadamente a do transporte do correio e a do oxigénio.
Para além disso, foi feito um bonito triângulo calcetado mesmo em frente da saída dos veículos do parque de estacionamento subterrâneo.
Cada qual ganha como pode e como lhe deixam – e nada há a fazer. Contudo, a Câmara poderá ter uma palavra a dizer. Assim, para além de maior fiscalização por parte da Polícia Municipal, poderá, sem dúvida, mandar eliminar o referido triângulo, pintando-o no chão (por exemplo), como sucede com algumas rotundas do concelho, que não impossibilitam a passagem de veículos de grandes dimensões.


Publicado no Jornal de Cascais, nº 210, 09-03-2010, p. 4.

terça-feira, 9 de março de 2010

O retrato de um quotidiano singular


No âmbito da Pós-Graduação em Arqueologia e Património, que frequentou em Silves, no ano de 2003, elaborou a Dra. Idalina Nobre o trabalho de investigação que está na base deste livro.
Saudando a oportunidade de, assim, tal como os seus colegas, ter aprofundado conhecimentos passíveis de serem aplicados na sua prática de técnica camarária no âmbito do Património Cultural, escolheu como tema fulcral o sistema defensivo do território de Albufeira, as fortificações que ali nasceram – e porquê - «da Idade Média ao Antigo Regime». Numa segunda parte, não menos desprovida de interesse, abordou sucintamente, a propósito, aspectos da vida quotidiana, ligados, de modo especial, à agricultura, à pesca, às produções artesanais, ao comércio.
Começa, naturalmente, pelo enquadramento geográfico, bem ciente de que são as condições naturais que determinam o povoamento e a actividade humana.
Aliciante a ideia, já por outros ventilada, de que, em tempo de Romanos, ali teria existido um povoação, Baltum de seu nome,(1) assente, quiçá, por seu turno em aglomerado anterior, proto-histórico, podendo, inclusive, suspeitar-se que o amuralhado do burgo medieval poderá ter assentado no que fora a muralha romana. Não são muito significativos os achados dessa época – algumas moedas, um anel… (2) Decerto, outros vestígios ainda virão a encontrar-se, pois que o sítio era propício à fixação humana e detinha posição estratégica em relação ao litoral.
Assim se justifica cabalmente o período escolhido para este livro, até porque, em resultado dos trabalhos arqueológicos que vão sendo levados a efeito, mais luz se poderá vir a trazer também sobre a época anterior.
Interessava, neste caso, de modo particular, definir bem o que, no perímetro urbano da cidade, ainda se mantém de tempos antigos, mau grado os deletérios efeitos do terramoto de 1755 e da sempre crescente pressão urbanística, nomeadamente a partir da década de 60 do século passado, quando a cidade se tornou privilegiado pólo turístico algarvio.
Assim, ao visitante atento, que por Albufeira antiga se passeie a pé, não poderá passar despercebido o canto noroeste da antiga alcáçova ou a chamada Torre do Relógio, ex-libris da cidade, que correspondia à defesa da porta poente da Medina árabe e onde, mais tarde, viria a funcionar uma cadeia. São vestígios valorizados já pelo Sector de Cultura municipal, no âmbito duma «campanha de valorização e embelezamento do Centro Histórico», em que a iniciativa da Autora deve ser salientada também.
Passeamo-nos, pois, com a autora, por esse centro histórico, de ruas «exíguas, sinuosas, atravancadas e com escadinhas», detendo-nos nos seus aspectos importantes: a igreja matriz e a sua história; a Praça da República (com especial destaque para os resultados das intervenções arqueológicas aí levadas a efeito e que permitiram a descoberta, por exemplo, de uma cisterna e de um silo); a igreja da Misericórdia…
E, ao observarmos inclusive a casa comum, do morador anónimo, bem adaptada à fisionomia do terreno e às funcionalidades requeridas, vamos, sem querer, recuando no tempo e imaginando a vida de outrora: e havia «fornos, lagares, adegas, pardieiros e alguns poços públicos»… – que o «rossio» era já no arrabalde…
E depois de uma circunstanciada visita ao castelo de Paderne – hoje, o primeiro monumento algarvio a dar as boas-vindas a quem, vindo do Norte, entra na Via do Infante… – visita em que se dá conta do que de mais significativo resultou dos trabalhos arqueológicos ali desenvolvidos pela Doutora Helena Catarino, docente de Arqueologia Medieval na Universidade de Coimbra, voltamos ao litoral, para sabermos de três fortificações antigas: a Torre da Medronheira, a Torre Velha, a Bateria da Baleeira… tudo com a documentação correspondente, miudamente investigada em arquivos e ora trazida a lume, escolhidas «por forma a ilustrar três momentos distintos e muito significativos, no âmbito das preocupações defensivas dos nossos monarcas»: os reinados de D. Afonso III, D. João V e D. João III, respectivamente.
Constituem as fortificações antigas, como é bem de ver, um património singular, que hoje se procura valorizar, inclusive adaptando-as a outras funções de índole histórico-cultural. (3) E se a Torre da Medronheira se encontra bem conservada e integra uma propriedade particular; se da Torre Velha só há vestígios documentais e a Bateria da Baleeira está hoje na posse da Marinha, certo é que – para além do significativo Castelo de Paderne, iluminado, estudado e, na medida do possível, preservado – outras fortificações citadas neste volume poderão vir a merecer, decerto, maior atenção.
Conclui-se a obra com a referida panorâmica sobre o termo da cidade, historiando-se o que foi a actividade da Ordem Militar de Avis, senhora do território por largo tempo. Figueiras e vinhedos, as principais fontes de riqueza agrícola; a baleia, o atum, a corvina, o pargo e o ruivo, as espécies que mais vêm referenciadas na documentação, decerto por serem as mais produtivas.
No que concerne às actividades artesanais, Albufeira pouco se terá diferenciado do resto das povoações algarvias dessas eras, ainda que não seja desinteressante focar, a título de exemplo, o facto de, em 1530, el-rei João III ter doado a Pedro Mascarenhas as saboarias da vila, sintoma da sua relevância económica.
De facto, circunstanciada consulta das posturas municipais permitiu à Autora dar-nos conta de toda uma actividade económica peculiar, o retrato de um quotidiano singular. E este livro, adequadamente ilustrado, vem na sequência das monografias a que Idalina Nobre, mui corajosamente, tem lançado mão,(4) fazendo jus às obrigações, assumidas, de uma técnica autárquica no sector do Património, que, para além da actividade funcional, procura investigar e valorizar, assim, o património histórico-cultural das gentes da sua terra.
Que nunca lhe falte essa vontade e que às autarquias envolvidas (Câmara e juntas de freguesia) jamais escasseiem os meios para darem letra de forma aos resultados dessa profícua investigação.

NOTAS
(1) E até por isso uma das unidades hoteleiras locais viria a adoptar esse nome! Contudo, segundo Luís Fraga da Silva, tal topónimo, inteiramente fantasioso e divulgado, pela primeira vez, por Silva Lopes (1841), poderá ter resultado da má interpretação de uma moeda cunhada em Balsa. Cfr. http://imprompto.blogspot.com/2005/10/baltum.html (consultado em 2009-02-21). Essa é, sem dúvida, hipótese assaz verosímil. E, por conseguinte, importaria retirar do portal da Câmara – http://www.cm-albufeira.pt/portal_autarquico/albufeira/v_pt-PT/menu_turista/concelho/historia/ – a frase «A primitiva povoação foi ocupada pelos Romanos que lhe deram o nome de Baltum». E está correcta a informação que aí vem a seguir: «O topónimo Albufeira provém da denominação árabe "Al-buhera", que significa "castelo do mar", razão que poderá estar ligada à proximidade do oceano e/ou da lagoa que se formava na zona baixa da localidade».
(2) Recorde-se, a propósito, o que se escreveu na Carta Arqueológica de Portugal, coordenada por Teresa Marques, do então IPPAR (Lisboa, 1992). Ao concelho de Albufeira são dedicadas as p. 155-183 e assinala-se, na síntese introdutória, que «são 18 o número total de estações e achados referenciados», dos quais «uma percentagem considerável foi já destruída, encontrando-se os restantes em muito mau estado de conservação»; acrescenta-se, porém, que há dois «grande núcleos de interesse arqueológico»: Paderne (de vestígios islâmicos) e Albufeira litoral (com «uma presença romana mais acentuada» (p. 155).
(3) Cf., a mero título de exemplo, o meu texto «Arquitectura militar – espaços com vida! O exemplo dos fortes da orla marítima cascalense», incluído na revista CEAMA (Centro de Estudos de Arquitectura Militar de Almeida), 1, 2008, p. 75-81 (versão inglesa nas p. 82-85). O volume traz as actas das Jornadas da Arquitectura Militar Abaluartada, realizadas em Almeida (Agosto de 2007), onde essa temática foi largamente abordada.
(4) Recordo: Albufeira – Percursos de uma História Secular (Junta de Freguesia de Albufeira, 1995), que também tive a honra de prefaciar; A Freguesia da Guia, Estudo Histórico (Câmara Municipal de Albufeira, 1993); Albufeira – Imagens do Passado (Câmara Municipal de Albufeira, 1993 – de colaboração com Adelaide Amado); e Património Histórico Monumental de Paderne (Câmara Municipal de Albufeira, 1997).


[Prefácio a Idalina Nunes NOBRE, Albufeira da Idade Média ao Antigo Regime, Câmara Municipal de Albufeira, 2009, p. 7-9. ISBN: 978-972-8124-36-6. Edição em português e em inglês.]

Uma ode heróica para não esquecer


Há investigações assim: transportam-nos a outras eras, numa comunhão com os seus heróis, ressuscitados em toda a sua pujança de seres humanos que labutaram, sofreram, viram crescer uma obra, dela se sentiram orgulhosos e, hoje, dela nos dão testemunho…
Essa, a sensação forte que em nós perdura depois de lermos as densas páginas que João Orlindo Marques escreveu, a propósito de um empreendimento hercúleo, eriçado de espinhos e abrolhos… Sobre os carris, os homens empurram pesados vagões com os blocos de granito… Um caminhar difícil. Uma casa, uma casa de luz! Pioneira em muitos dos seus aspectos, aninhada nas quebradas da serra antiga, vivendo das águas que se canalizam e se domam…
Percurso com altos e baixos, mas sempre impregnado de muito sonho e de muito esforço; as vicissitudes; os inesperados contratempos quase insuperáveis e os braços a perderem força anímica… Os objectivos, alfim, atingidos em pleno, na criação de uma comunidade orgânica que se sente bem, irmanada nas tarefas úteis do dia-a-dia… e que, um dia, acabou por fenecer e ali jaz, sentinela, à espera de melhores dias…
E recordações! Pois foi possível falar com quem calcorreou esses caminhos:
«Manuel Abrantes, um dos mais antigos e experientes trabalhadores da empresa reagiu da seguinte forma quando com ele falámos a respeito daquela obra: “Um cemitério de gente”!».
Era o túnel do Covão do Meio, de mui precárias condições de trabalho, «sem sistemas de ventilação e com iluminação a carboneto», «só se conseguiam voluntários graças aos salários muito mais elevados que ganhavam». Muitos aí pereceram, devido «à falta de ventilação da galeria e à iluminação utilizada».
João Orlindo não hesitou em lançar mão a toda a documentação disponível, que meticulosa e pacientemente recolheu e esmiuçou, de forma que a palavra ‘ressurreição’ que atrás deixei tem, aqui, pleno cabimento:
«A 4 de Junho de 1942, foram comprados 16 232$40 de grão e arroz; 4369$40 de feijão e colorau; 2394$80 de banha e toucinho; 1028$10 de açúcar».
«Fundamentamos algumas das nossas afirmações em fotografias da época com anotações feitas por António Marques da Silva. Foi sempre uma preocupação desse homem deixar testemunhos que, um dia, ajudassem a reconstruir o caminho percorrido pela EHESE. Em 1930, foram gastos em fotografias dos trabalhos da Lagoa Comprida 2329$00.»
Conta-se a história da Central e da Empresa. Mostra-se o enorme significado que teve para toda uma região. Explica-se que, sendo assim, é património a reabilitar, memória a deixar bem viva para os de agora e para os vindouros, cuja existência facilitada assenta, afinal, nesses amargos suores antigos a perlar rostos crestados pelo cansaço de muitas noites mal dormidas…
«Entre a vegetação espontânea, num local outrora ajardinado, resistem ao tempo e às mudanças o pilar onde se situava o botão da campainha e a placa indicativa da distância à Lagoa. Marcos a serem preservados pelo simbolismo que encerram.»
Vamos lá?

[Nota de abertura ao livro, de João Orlindo Marques, A Casa da Luz…Património Industrial da Senhora do Desterro, Serra da Estrela, Município de Seia – EDP Produção, Novembro 2009, p. 13.]

A casa comum

Amiúde se considera património edificado apenas os palácios e suas envolventes, os castelos e fortalezas, as igrejas e mosteiros, as casas senhoriais…
S. Brás deu o exemplo de um novo conceito de património, ao reabilitar as fontes como lugares de memória, proporcionando, de novo, o seu delicioso usufruto como áreas de lazer. É que, na verdade, também equipamentos como esses são marcas que o Homem deixou, ao longo dos tempos, e constituem, por outro lado, sinais de uma identidade local.
Assim, a casa comum, a nossa casa, a casa de todos os dias, cuja traça, de um modo geral, até nem teve outro arquitecto que não a experiência secular, de aproveitamento dos materiais mais adequados, da implantação mais propícia atendendo aos ventos e à exposição solar.
Em S. Brás, também esse património está a ser encarado com a maior atenção e a renovação das casas de viver, além da manutenção das fachadas – com as cantarias, obra singular da nossa gente, e as datas da sua construção – respeitam agora os espaços interiores, os pormenores significativos, muito embora adaptando-os às novas necessidades.
O inventário e registo fotográfico exaustivo dessas datas e das siglas identificativas do proprietário deverá, pois, constar da programação cultural camarária, em estreita colaboração, se necessário, com as associações de defesa do património.

Publicado em VilAdentro, de S. Brás de Alportel, nº130, Novembro 2009, p. 10.

Os nossos comeres

Também a gastronomia é património cultural e assim o consigna a Resolução do Conselho de Ministros nº 26/2000, de 26 de Julho, em que se afirma expressamente ser a gastronomia portuguesa considerada «como um bem imaterial integrante do património cultural de Portugal». E por isso ali se determina, entre outras acções, que se faça «um levantamento do receituário tradicional português, em toda a sua diversidade, evidenciando-se os aspectos que o singularizam» e se promovam «concursos locais, regionais e nacionais de gastronomia».
Assim, de 16 de Novembro a 31 de Janeiro, decorreu entre nós a iniciativa «São Brás com tempero», a pôr a par da I Quinzena Gastronómica «Sabores do Caldeirão», realizada de 1 a 15 de Abril do ano passado.
«Sopas com galinha, açordas, migas com entrecosto, javali, ensopado de borrego e de galo, feijão com repolho, carapaus alimados» foram alguns dos petiscos que o são-brasense e os forasteiros visitantes puderam apreciar.
Iniciativa de muito louvar, pois adverte Fialho de Almeida que a independência de um país pode começar a perder-se quando forem desaparecendo os «petiscos raros, sábios, finos, verdadeira sinfonia de sabores sempre sublime» que são como «monumentos locais».
E Boaventura Sousa Santos acentua a importância da gastronomia no contexto cada vez mais absorvente da globalização:
«À medida que se globaliza o hamburguer ou a pizza, localiza-se o bolo de bacalhau português ou a feijoada brasileira, no sentido de que serão cada vez mais vistos como particularismos típicos da sociedade portuguesa ou brasileira».

Publicado em «VilAdentro», de S. Brás de Alportel, nº 134 (Março 2010) p. 10.

sexta-feira, 5 de março de 2010

«Boa tarde, vizinho!»

Estranhei a saudação, por há muito tempo a não ouvir. E fiquei contente por sentir que, afinal, as relações de vizinhança acabam, pouco a pouco, por vir ao de cima, numa época em que, dada a globalização e o estado a que isto chegou, mais necessidade temos de nos sentir próximos uns dos outros.
Uma proximidade que se manifesta pela saudação; pelo conhecimento do nome, da actividade que exerce, do agregado familiar que tem, quiçá do próprio número de telefone para uma emergência. Não é por bisbilhotice nem por obrigatoriedade de amizade ou de visitas de cortesia, mas simplesmente porque… somos vizinhos e estamos no mesmo barco!
Outro dia, uma vizinha deixara os mínimos do carro ligados. O Manuel fez menção de lhe ir bater à porta para avisar; mas logo os vizinhos clamaram: «Não vais! A senhora passa por nós nem nos dá os bons-dias nem as boas-tardes, vira a cara quando nós lhe falamos!…». Assim é, de facto, coitada! Se o alarme da casa dela tocar, ninguém se preocupará com isso!...
São fermento de vizinhança as comissões de moradores, os locais de encontro do bairro ou da aldeia, as rádios locais, a imprensa local…
Compreende-se, pois, que às autarquias caiba também importante papel na manutenção desses laços de vizinhança, absolutamente imprescindíveis em caso de aflições. Era bom que os autarcas percebessem que sem rádios locais e sem uma imprensa local, de proximidade, também a sua acção não é divulgada.


Publicado no Jornal de Cascais, nº 209, 02-03-2010, p. 4.