Deixou-nos o Fernando da boa disposição permanente
Recordo como se fora ontem. Nos bailes da Sociedade de Instrução Familiar da Torre, nos anos 50, o seu trombone de varas valia por uma orquestra inteira, porque o seu tocador a todos contagiava. Para mim, adolescente a ensaiar, então, os primeiros passos na arte do saboroso convívio entre companhias de ambos os sexos, essas noites constituíam, na verdade, a «instrução familiar» para que a colectividade fora criada, tal como preconizavam os ditames do Estado Novo.
Fernando «Lampião» (uma alcunha de que não gostava, mas pela qual todos o conheciam) era a alma da festa. Incansável! Ali, nos piqueniques, nas excursões, em tudo o que era festa a pedir pezinho de dança, pois então! E a mim causava-me espécie como é que, doseando o comprimento da vara, num constante e, por vezes, frenético vaivém, havia perfeitamente o sítio exacto de cada nota. E isso foi ensinando, vida afora, a quantos tivessem vontade de com ele aprender.
Admirava-o na altura, na sua contagiante alegria, como o admirava nos últimos tempos, no ginásio, onde seguia as sessões de hidroginástica, ficando por lá muito tempo depois, sentado a uma mesa do café, a fazer passatempos, a fim de adestrar a mente.
Faleceu Fernando Fernandes Bernardes, cascalense de gema, no passado dia 16, pouco dias depois de ter completado (a 1 de Janeiro) 85 anos de idade. Uma vida de trabalho, sim, nas oficinas da Câmara, mas sempre bem doseada pela boa disposição, pela alegria de viver, por um espírito livre de peias!
À viúva, Idalina, a seu irmão (também ele músico muito popular), a toda a família e, sobretudo, à sua filha Luísa (que foi professora residente na Escola de Birre) – o meu abraço de mui sentidas condolências. Com Fernando Bernardes desaparece mais um ícone da minha infância e juventude!
Incompetências e impunidade
– Desculpe, mas aqui o sistema diz que o seu seguro não cobre a consulta de Medicina Dentária.
– Como não cobre? Foi uma das especialidades que fiz questão em ter!
– Acredito, mas a informação que está aqui…
– Desculpe! E só agora, depois da consulta feita, é que me diz? Não o deveria ter visto antes?
– Tem razão. Devia ter visto. Parti, porém, do princípio de que estava tudo certo.
– E está! Isso lhe garanto eu! Diga-me para onde devo ligar.
E o senhor ligou, pelo seu telemóvel. Falou, barafustou, declinou identificação e números… Bem quinze minutos esteve nisto. E quatro doentes mais aguardavam o desfecho para poderem ser atendidos, porque o «sistema» estava aberto e não podia admitir outros dados... Espera-se, espera-se… O senhor explicava. Do lado de lá (supúnhamos) retorquiam-lhe. Finalmente, o caso teve solução: haviam-se enganado num dígito!... Mera distracção, portanto. De quem, se calhar, no momento da inserção estivera a pensar que, daí a dois meses, iria engrossar o rol de desempregados, inexoravelmente... Que culpa tinha ele de estar assim tenso e distraído? E seis pessoas viram, assim, nervosas, desperdiçados quinze minutos das suas vidas!... Distraíra-se o cidadão, pronto!...
Incompetências e impunidade - 2
Aproximava-se o dia do pagamento do imposto de circulação e o Vítor, que reside em Cascais e é muito certinho nas contas, foi à página das Finanças para recolher o código de pagamento. Qual não é, porém, o seu espanto quando verifica não constar lá a sua viatura! Que faz, que não faz, espera dois dias, nada!... Dirige-se à Repartição de Finanças mais próxima. Realmente, é estranho, dizem-lhe, tanto mais que foi feita a inspecção há pouco, não é verdade? O melhor é ir à Loja do Cidadão, nas Laranjeiras, onde é capaz de haver menor afluência e possa resolver isso mais rápido. Foi. Umas 60 pessoas à frente. Duas horas de espera, um dia de trabalho já perdido. Nada feito aí, nada constava. Tinha de ir ao Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres, em Lisboa. Mais umas dezenas de pessoas à frente. Pelas16 horas, veio a saber que o seu carro fora abatido em Faro; precisava, pois, de esclarecer o assunto na Direcção Regional de Mobilidade e Transportes do Algarve.
Depois de inúmeras tentativas telefónicas, lá conseguiu ser atendido por uma solícita funcionária da Direcção Regional. Que foi, que não foi… Cá está: trocaram uma letra da matrícula! O carro abatido tinha os mesmos dígitos, apenas as letras na ordem inversa. Ficou o caso resolvido!
Resolvido, à custa de enorme tensão psicológica, de uma despesa de que ninguém é responsável, a não ser a incompetência! Quem é que dela nos vai livrar doravante, dado que estão a sair às catadupas das repartições públicas aqueles que sabiam a missa toda e não apenas o intróito? Deus nos livre!
[Publicado no Jornal de Cascais, nº 298, 25-01-2012, p. 4].
domingo, 29 de janeiro de 2012
Cascais – Paisagem com Pessoas dentro, novo livro de José d'Encarnação
Foi apresentado, no passado dia 20 de Dezembro, no Centro Cultural de Cascais, o livro Cascais – Paisagem com Pessoas dentro, da autoria do nosso conterrâneo e colaborador José d’Encarnação, editado pela Associação Cultural de Cascais com o apoio da Câmara Municipal local e das juntas de freguesia de Alcabideche, Cascais e Estoril.
Procura-se relacionar aí a paisagem com as pessoas, numa evocação de recantos, monumentos, instituições e vultos da história cascalense que se distinguiram como sacerdotes, autarcas, arqueólogos… «uma história amealhada ao longo de muitas conversas e de muito tempo, que existe apenas nas vidas de uma geração que não esquece; uma geração que assistiu, ano após ano, ao transformar do território e à diluição de testemunhos singulares, numa miríade de coisas novas, cuja relevância ainda tem que ser ganha», como escreve, no prefácio, Ana Clara Justino, vereadora da Cultura, que também fez a apresentação.
José d’Encarnação foi para Cascais com seus pais, em 1948, quando para essa freguesia se deslocaram muitos dos canteiros e trabalhadores das pedreiras oriundos, na sua maior parte, do Corotelo. É, no fundo, a sua visão de historiador e de jornalista que perpassa por essas páginas, com o objectivo confessado de ajudar, assim, a fomentar comunidade e salientar identidades.
O livro vem na sequência de Cascais e os seus Cantinhos (2002), Recantos de Cascais (2007) e Dos Segredos de Cascais (2009), obras que obedecem à mesma trajectória de história local.
[Publicado em Notícias de S. Braz (S. Brás de Alportel), nº 182, 20 de Janeiro de 2012, p. 4].
Procura-se relacionar aí a paisagem com as pessoas, numa evocação de recantos, monumentos, instituições e vultos da história cascalense que se distinguiram como sacerdotes, autarcas, arqueólogos… «uma história amealhada ao longo de muitas conversas e de muito tempo, que existe apenas nas vidas de uma geração que não esquece; uma geração que assistiu, ano após ano, ao transformar do território e à diluição de testemunhos singulares, numa miríade de coisas novas, cuja relevância ainda tem que ser ganha», como escreve, no prefácio, Ana Clara Justino, vereadora da Cultura, que também fez a apresentação.
José d’Encarnação foi para Cascais com seus pais, em 1948, quando para essa freguesia se deslocaram muitos dos canteiros e trabalhadores das pedreiras oriundos, na sua maior parte, do Corotelo. É, no fundo, a sua visão de historiador e de jornalista que perpassa por essas páginas, com o objectivo confessado de ajudar, assim, a fomentar comunidade e salientar identidades.
O livro vem na sequência de Cascais e os seus Cantinhos (2002), Recantos de Cascais (2007) e Dos Segredos de Cascais (2009), obras que obedecem à mesma trajectória de história local.
[Publicado em Notícias de S. Braz (S. Brás de Alportel), nº 182, 20 de Janeiro de 2012, p. 4].
Um concelho com pessoas
Aproxima-se, a passos largos, a data em que S. Brás de Alportel vai comemorar 100 anos como concelho, independente de Faro.
Para além da vontade de um punhado de cidadãos, importa sublinhar, desde já, que foi o sentimento de uma identidade própria, de ser diferente que determinou esse querer.
Detém uma paisagem ímpar; cada vez mais se acentua que S. Brás de Alportel foi – e é! – berço de personalidades de muito relevo a nível nacional e internacional; e promove iniciativas pioneiras, como o é o caso da recolha de rolhas de cortiças para reciclagem (foi o primeiro município a concretizá-la, muito antes de a Quercus ter pensado nisso!...), da adesão ao slowfood («Coma devagar, Amigo!») ou da pertença à rede das slowcities (queremos saborear a paisagem, devagar!…). A facilidade com que recebeu e integrou no seu seio a comunidade estrangeira é também de muito louvar.
Noticias de S. Braz fez-se eco, na passada edição, do Troféu de Melhor Empresária da Europa 2011 outorgado pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho Europeu das Mulheres Empresárias à são-brasense Sandra Correia, de 40 anos, criadora da marca Pelcor e presidente executiva desta empresa algarvia de cortiça. Sandra Correia junta-se, assim, mui justamente, ao rol dessas personalidades de que atrás se falava e que, pelo mundo fora, elevam bem alto o nome do nosso cada vez mais prestigiado concelho. Parabéns!
[Publicado em Notícias de S. Braz (S. Brás de Alportel), nº 182, 20 de Janeiro de 2012, p. 15].
Para além da vontade de um punhado de cidadãos, importa sublinhar, desde já, que foi o sentimento de uma identidade própria, de ser diferente que determinou esse querer.
Detém uma paisagem ímpar; cada vez mais se acentua que S. Brás de Alportel foi – e é! – berço de personalidades de muito relevo a nível nacional e internacional; e promove iniciativas pioneiras, como o é o caso da recolha de rolhas de cortiças para reciclagem (foi o primeiro município a concretizá-la, muito antes de a Quercus ter pensado nisso!...), da adesão ao slowfood («Coma devagar, Amigo!») ou da pertença à rede das slowcities (queremos saborear a paisagem, devagar!…). A facilidade com que recebeu e integrou no seu seio a comunidade estrangeira é também de muito louvar.
Noticias de S. Braz fez-se eco, na passada edição, do Troféu de Melhor Empresária da Europa 2011 outorgado pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho Europeu das Mulheres Empresárias à são-brasense Sandra Correia, de 40 anos, criadora da marca Pelcor e presidente executiva desta empresa algarvia de cortiça. Sandra Correia junta-se, assim, mui justamente, ao rol dessas personalidades de que atrás se falava e que, pelo mundo fora, elevam bem alto o nome do nosso cada vez mais prestigiado concelho. Parabéns!
[Publicado em Notícias de S. Braz (S. Brás de Alportel), nº 182, 20 de Janeiro de 2012, p. 15].
Andarilhanças 31
Orelhas moucas…
Fazem-se orelhas moucas quando se parte do princípio de que as palavras são loucas. Mas também pode ser porque se está lá muito em cima, aonde as vozes do Povo não chegam…
Fecharam em Cascais dois restaurantes de referência há décadas (sem desprimor para os demais): na Malveira da Serra, O Camponês; no recinto da Feira do Artesanato, o Costa do Estoril. Foi O Camponês pioneiro no cozido à portuguesa confeccionado em fogo de lenha e à discrição; vinha gente de fora do concelho para o saborear, nomeadamente os da célebre ‘voltinha dos tristes’. Estava o Costa do Estoril aberto madrugada afora, sendo, por isso, um dos poucos lugares onde, a essas horas perdidas, se serviam petiscos em noite de convívio mais prolongado.
Causa? A impossibilidade de prosseguir devido às novas exigências fiscais, designadamente o aumento do IVA para 23%, que o governo, de orelhas moucas, teimou em decretar. Gente esperta, essa, que nos governa! Nestes casos – que são, como se sabe, multiplicados às centenas por todo o País – esse mesmo governo: a) fica privado do IVA; b) fica privado dos contributos dos trabalhadores para a Segurança Social; c) fica onerado com o pagamento do Subsídio de Desemprego… Bolas! Não há aí quem saiba fazer contas?
Claro: e há uma conta enorme que nunca ninguém conseguirá fazer e que vai ter consequências económicas (sim, económicas!) ainda mais desastrosas: o declínio da auto-estima, as perturbações psicológicas, o desespero – que se repercutirá na família chegada, nos netos e no porvir!... Quem incriminará disso os actuais governantes europeus?
Real Fábrica de Lanifícios de Cascais
Por resolução da Junta de Comércio de 4 de Janeiro de 1774, foi criada, onde é hoje a Biblioteca Municipal, a Real Fábrica de Lanifícios de Cascais, quando o Marquês de Pombal, partidário acérrimo das doutrinas mercantilistas (exportar o máximo e importar o mínimo), encorajou de alma e coração a produção nacional. Encerrou definitivamente as suas portas em 1816, após peripécias várias a que estiveram ligados o aumento do preço da matéria-prima, os impostos implacáveis e a invasão do mercado português pelos panos vindos da estranja a preços mais em conta.
Onde é que eu já vi isto?
Mesa-redonda de sucesso
Gostei de assistir, num dos canais televisivos, à mesa-redonda que juntou quatro empresários de sucesso. Bonita mensagem de optimismo nos transmitiram, mormente porque ficou bem claro ter o sucesso saído do suor dos seus rostos e do sábio aproveitamento de oportunidades.
Adorei, então, quando um deles exibiu documento oficial em que se declarava a impossibilidade de financiamento a determinado investimento por, no conjunto de milhões, a despesa de meio euro ali incluída não ser… elegível! Não dá vontade de chorar?
Moda & Moda – nº 105
Mau grado todas as adversidades, a revista (ora) semestral Moda & Moda, criação de Marionela Gusmão, mantém o seu estilo de, através da moda e da beleza, nos fazer calcorrear os caminhos do património e da história!
Destaque, no número deste Inverno, para cinco temas: os marajás e as suas riquezas esplendorosas nas cortes reais da Índia; no coleccionismo, os estojos de costura dos séculos XVIII a XX; a bem ilustrada evocação da imperatriz Josefina, «bisavó das famílias reais europeias»; magnificamente documentada reportagem sobre a majólica, «rainha italiana no tempo dos Humanistas»; joalharia e relojoaria contemporâneas.
Os habituais apontamentos de moda (as peles, por exemplo) e alta-costura, onde nunca sabemos que beleza mais admirar, se a dos modelos vivos se a das roupagens que envergam; os perfumes, «aventuras olfactivas»…
Termina o editorial com um voto natalício: «Que toda esta festa encaminhe a vinda ao mundo de um Homem Novo, que faça nascer alguém maior, muito maior, dentro de cada um de nós». Ámem! – apetece responder!
Egoísta nº 47 (Dezembro 2011)
O tema, a viagem. Por isso, nada melhor para formato que… o de mala de mão! Sempre a surpreender-nos a equipa redactorial desta publicação da Estoril-Sol, dirigida por Mário Assis Ferreira!
Pelos textos e pelas imagens de consagrados autores, somos levados a apreciar Beleza e a extasiar-nos, aqui e além, diante do inesperado.
Neste dealbar de 2012, «é uma viagem estranha, essa que nos aguarda: pela incerteza do ainda desconhecido, pela certeza do já conhecido, pela incógnita do desfecho que, à chegada, nos aguarda», escreve Assis Ferreira. E um voto se formula, no final: vamos «aprender que a felicidade reside na capacidade de saber desejar cada vez menos e na fé de acreditar cada vez mais»!
É um bom voto!
[Publicado no Jornal de Cascais, nº 297, 18-01-2012, p. 4].
Fazem-se orelhas moucas quando se parte do princípio de que as palavras são loucas. Mas também pode ser porque se está lá muito em cima, aonde as vozes do Povo não chegam…
Fecharam em Cascais dois restaurantes de referência há décadas (sem desprimor para os demais): na Malveira da Serra, O Camponês; no recinto da Feira do Artesanato, o Costa do Estoril. Foi O Camponês pioneiro no cozido à portuguesa confeccionado em fogo de lenha e à discrição; vinha gente de fora do concelho para o saborear, nomeadamente os da célebre ‘voltinha dos tristes’. Estava o Costa do Estoril aberto madrugada afora, sendo, por isso, um dos poucos lugares onde, a essas horas perdidas, se serviam petiscos em noite de convívio mais prolongado.
Causa? A impossibilidade de prosseguir devido às novas exigências fiscais, designadamente o aumento do IVA para 23%, que o governo, de orelhas moucas, teimou em decretar. Gente esperta, essa, que nos governa! Nestes casos – que são, como se sabe, multiplicados às centenas por todo o País – esse mesmo governo: a) fica privado do IVA; b) fica privado dos contributos dos trabalhadores para a Segurança Social; c) fica onerado com o pagamento do Subsídio de Desemprego… Bolas! Não há aí quem saiba fazer contas?
Claro: e há uma conta enorme que nunca ninguém conseguirá fazer e que vai ter consequências económicas (sim, económicas!) ainda mais desastrosas: o declínio da auto-estima, as perturbações psicológicas, o desespero – que se repercutirá na família chegada, nos netos e no porvir!... Quem incriminará disso os actuais governantes europeus?
Real Fábrica de Lanifícios de Cascais
Por resolução da Junta de Comércio de 4 de Janeiro de 1774, foi criada, onde é hoje a Biblioteca Municipal, a Real Fábrica de Lanifícios de Cascais, quando o Marquês de Pombal, partidário acérrimo das doutrinas mercantilistas (exportar o máximo e importar o mínimo), encorajou de alma e coração a produção nacional. Encerrou definitivamente as suas portas em 1816, após peripécias várias a que estiveram ligados o aumento do preço da matéria-prima, os impostos implacáveis e a invasão do mercado português pelos panos vindos da estranja a preços mais em conta.
Onde é que eu já vi isto?
Mesa-redonda de sucesso
Gostei de assistir, num dos canais televisivos, à mesa-redonda que juntou quatro empresários de sucesso. Bonita mensagem de optimismo nos transmitiram, mormente porque ficou bem claro ter o sucesso saído do suor dos seus rostos e do sábio aproveitamento de oportunidades.
Adorei, então, quando um deles exibiu documento oficial em que se declarava a impossibilidade de financiamento a determinado investimento por, no conjunto de milhões, a despesa de meio euro ali incluída não ser… elegível! Não dá vontade de chorar?
Moda & Moda – nº 105
Mau grado todas as adversidades, a revista (ora) semestral Moda & Moda, criação de Marionela Gusmão, mantém o seu estilo de, através da moda e da beleza, nos fazer calcorrear os caminhos do património e da história!
Destaque, no número deste Inverno, para cinco temas: os marajás e as suas riquezas esplendorosas nas cortes reais da Índia; no coleccionismo, os estojos de costura dos séculos XVIII a XX; a bem ilustrada evocação da imperatriz Josefina, «bisavó das famílias reais europeias»; magnificamente documentada reportagem sobre a majólica, «rainha italiana no tempo dos Humanistas»; joalharia e relojoaria contemporâneas.
Os habituais apontamentos de moda (as peles, por exemplo) e alta-costura, onde nunca sabemos que beleza mais admirar, se a dos modelos vivos se a das roupagens que envergam; os perfumes, «aventuras olfactivas»…
Termina o editorial com um voto natalício: «Que toda esta festa encaminhe a vinda ao mundo de um Homem Novo, que faça nascer alguém maior, muito maior, dentro de cada um de nós». Ámem! – apetece responder!
Egoísta nº 47 (Dezembro 2011)
O tema, a viagem. Por isso, nada melhor para formato que… o de mala de mão! Sempre a surpreender-nos a equipa redactorial desta publicação da Estoril-Sol, dirigida por Mário Assis Ferreira!
Pelos textos e pelas imagens de consagrados autores, somos levados a apreciar Beleza e a extasiar-nos, aqui e além, diante do inesperado.
Neste dealbar de 2012, «é uma viagem estranha, essa que nos aguarda: pela incerteza do ainda desconhecido, pela certeza do já conhecido, pela incógnita do desfecho que, à chegada, nos aguarda», escreve Assis Ferreira. E um voto se formula, no final: vamos «aprender que a felicidade reside na capacidade de saber desejar cada vez menos e na fé de acreditar cada vez mais»!
É um bom voto!
[Publicado no Jornal de Cascais, nº 297, 18-01-2012, p. 4].
domingo, 15 de janeiro de 2012
«Etnografismos – II», de Alberto Correia
Assim é, de facto: precisa-se, urgentemente, de passar a escrito as memórias que entretecem a nossa identidade. As histórias que nossos avós nos contaram; os costumes ancestrais desde o Dia de Reis até ser Natal outra vez, no périplo sucessivo das estações – quando as havia bem claras, quando o ciclo anual também se pautava pelos frutos de cada uma e não como agora, que, na «grande superfície», temos frutos de todo o ano, vindos sabe-se lá donde quantas vezes!...
Bem andou, pois, Alberto Correia em ir escrevendo no nosso prezado colega Jornal do Centro, de Viseu, em penadas leves mas exactas, essas notas (são 60), que ora (2011) a Confraria da Castanha Soutos da Lapa houve por bem editar, com o apoio de entidades locais. Referem-se, de modo especial, ao concelho de Sernancelhe, pois que o autor é natural de Sarzeda.
Memórias de infância, sem dúvida, mas interpretadas e integradas no contexto geral que só os muitos conhecimentos da Etnografia e das ciências suas afins logram alcançar. Memórias apresentadas numa linguagem acessível, sim, eivada, porém, de forte pendor poético, porque, sobre estes temas, o rigor da descrição tem necessariamente de vir envolto na frase de encantamento, sobretudo porque muito se fala de pessoas, num sadio desfilar imenso que torna imortais os resineiros, as aguadeiras, os farrapeiros, o carteiro, as doceiras do Távora…
Um texto me prendeu especialmente a atenção: «In memoriam dos muros de pedra seca». Nele se escreve a dado passo:
«Já vi essas pedras armadas em ‘palettes’, à beira da estrada e uma tabuleta plantada ao jeito de pregão – “Vende-se” – como se algum preço houvesse certo para comprar as medidas de suor. Já os vi […] seguir para erguer estranhos muros de vivenda nas margens estrangeiras de Paris. Muros de pedra seca da identidade das aldeias!» (p. 81).
Lancinante grito de alerta – que importa ouvir! – contra essa perda de identidade, do que é nosso e assim impunemente demanda terras estranhas…
Publicado no quinzenário Renascimento [Mangualde], nº 585, 15-01-2012, p. 13.
Bem andou, pois, Alberto Correia em ir escrevendo no nosso prezado colega Jornal do Centro, de Viseu, em penadas leves mas exactas, essas notas (são 60), que ora (2011) a Confraria da Castanha Soutos da Lapa houve por bem editar, com o apoio de entidades locais. Referem-se, de modo especial, ao concelho de Sernancelhe, pois que o autor é natural de Sarzeda.
Memórias de infância, sem dúvida, mas interpretadas e integradas no contexto geral que só os muitos conhecimentos da Etnografia e das ciências suas afins logram alcançar. Memórias apresentadas numa linguagem acessível, sim, eivada, porém, de forte pendor poético, porque, sobre estes temas, o rigor da descrição tem necessariamente de vir envolto na frase de encantamento, sobretudo porque muito se fala de pessoas, num sadio desfilar imenso que torna imortais os resineiros, as aguadeiras, os farrapeiros, o carteiro, as doceiras do Távora…
Um texto me prendeu especialmente a atenção: «In memoriam dos muros de pedra seca». Nele se escreve a dado passo:
«Já vi essas pedras armadas em ‘palettes’, à beira da estrada e uma tabuleta plantada ao jeito de pregão – “Vende-se” – como se algum preço houvesse certo para comprar as medidas de suor. Já os vi […] seguir para erguer estranhos muros de vivenda nas margens estrangeiras de Paris. Muros de pedra seca da identidade das aldeias!» (p. 81).
Lancinante grito de alerta – que importa ouvir! – contra essa perda de identidade, do que é nosso e assim impunemente demanda terras estranhas…
Publicado no quinzenário Renascimento [Mangualde], nº 585, 15-01-2012, p. 13.
sábado, 14 de janeiro de 2012
Andarilhanças 30
Jacinta Bugalhão
Em artigo publicado na Agenda Cultural de Cascais nº 54 (Janeiro/Fevereiro 2012), p. 87, manifesta-se regozijo pelo facto de estar organizada a «Reserva Arqueológica Municipal».
Trata-se, na verdade, de um importante passo em frente no que concerne à salvaguarda e arrumação do «espólio representativo da ocupação humana desta área desde a Pré-histórica até à actualidade». Justo é, pois, o regozijo, que inteiramente partilho, até porque, à medida que o tempo passa, mais longínqua vejo a hipótese de o concelho de Cascais vir a ter, um dia, um núcleo museológico (já desisti de pedir um museu, cansei-me de promessas…) dedicado aos singulares vestígios arqueológicos nele encontrados.
Permita-se-me, porém, salientar o relevante papel desempenhado nessa ‘arrumação’ pela Dra. Jacinta Bugalhão que, vinda do IGESPAR para a CMC em regime de comissão de serviço, regressou agora ao seu lugar de origem, também devido à reestruturação dos serviços camarários.
Não pode negar-se que tal regresso constitui significativa perda para a Câmara, uma vez que a Dra. Jacinta Bugalhão, no espaço de tempo (três anos e pouco) em que exerceu funções de Chefe de Divisão do Departamento de Património reimprimiu a essa Divisão invulgar dinamismo e maior capacidade de intervenção, nomeadamente pugnando pela intransigente defesa não apenas do património cultural em geral, mas do património edificado e arqueológico em particular, contra o facilitismo de uma política a que vulgarmente se dá, em Cascais, o nome de “patobravismo”, a que uma autarquia nunca pode estar vergada. Sabemos que não é nada fácil para um político estar do lado do Património Cultural; essa a principal razão para ser tão difícil o trabalho dos arqueólogos: estamos sempre no caminho dos poderosos; e, neste caso como noutros, não bastam as palavras de circunstância e os discursos proferidos publicamente…
Agradecemos, pois, a Jacinta Bugalhão o intenso e exemplar trabalho aqui desenvolvido e desejamos-lhe o maior êxito no desempenho das funções no IGESPAR, onde (também sabemos) nem sempre se navega em mar de rosas…
As boas-festas da Propaganda
É bem agradável hábito a Sociedade Propaganda de Cascais brindar-nos, pelas festas, com um postal ilustrado a reproduzir antigo recanto cascalense. Este ano, foi o Passeio D. Maria Pia (em 1940, «Esplanada Infante Luís Filipe») que serviu de pretexto para uma evocação acerca do nascimento do Club Naval de Cascais, resultante do que foi a Secção Náutica Afonso Sanches, criada a 2 de Fevereiro de 1938 no seio da Propaganda. Em Outubro de 1939, a Secção passou a ter a designação de Club Náutico Afonso Sanches e, em Setembro de 1940, Club Naval de Cascais.
Curioso verificar como, nas décadas subsequentes, nunca mais o Club se lembrou do seu berço, dando até a impressão de ter sempre ficado de costas voltadas para a entidade que o ajudou a dar os primeiros passos, ainda que ambas as instituições prossigam o mesmo objectivo, cada uma no seu campo de actividade: «contribuir para a projecção de Cascais no país e no mundo».
«Cai Água» nº 26 – Dezembro 2011
Este boletim do dinâmico Núcleo de Amigos de S. Pedro do Estoril chama a atenção, no editorial, assinado pela sua presidente, Manuela Duarte, para a quantidade de flores que, nas varandas da povoação, dão cor à nossa vida. A multiplicidade de tons das buganvílias, por exemplo! Verbera-se a presença de muito lixo; lamenta-se a não-conclusão da obra do jardim-de-infância, adormecida por mais uma insolvência, a da firma a que fora adjudicada (triste sina dos nossos dias!..). Dão-se notícias e acalenta-se o projecto das «Hortas de S. Pedro».
São gente, pessoas não!
Passada mais uma quadra natalícia, prenhe sempre de boas intenções e de enormes vontades de se tornar o mundo melhor, de ‘boas festas’ que se desejam ou não, de braços que se estendem ou, ao invés, não se mexem, de olhares que nem sequer poisam na vida… e não resisti a pensar:
«Gente, porque pertencem ao género humano; pessoas não são, porque não têm capacidade de exprimir sentimentos. Não conhecem os colaboradores; não têm noção do que sói dizer-se em dia de aniversário ou de festa; não sabem o significado da palavra “reconhecimento”. Autómatos em que o fabricante se esqueceu de instalar um cérebro. Também por isso não devem saber o que é felicidade – que pena!».
Daí que a mim mesmo tenha jurado: a minha paisagem há-de ter sempre pessoas dentro!
[Publicado no Jornal de Cascais, nº 296, 11-01-2012, p. 4].
Em artigo publicado na Agenda Cultural de Cascais nº 54 (Janeiro/Fevereiro 2012), p. 87, manifesta-se regozijo pelo facto de estar organizada a «Reserva Arqueológica Municipal».
Trata-se, na verdade, de um importante passo em frente no que concerne à salvaguarda e arrumação do «espólio representativo da ocupação humana desta área desde a Pré-histórica até à actualidade». Justo é, pois, o regozijo, que inteiramente partilho, até porque, à medida que o tempo passa, mais longínqua vejo a hipótese de o concelho de Cascais vir a ter, um dia, um núcleo museológico (já desisti de pedir um museu, cansei-me de promessas…) dedicado aos singulares vestígios arqueológicos nele encontrados.
Permita-se-me, porém, salientar o relevante papel desempenhado nessa ‘arrumação’ pela Dra. Jacinta Bugalhão que, vinda do IGESPAR para a CMC em regime de comissão de serviço, regressou agora ao seu lugar de origem, também devido à reestruturação dos serviços camarários.
Não pode negar-se que tal regresso constitui significativa perda para a Câmara, uma vez que a Dra. Jacinta Bugalhão, no espaço de tempo (três anos e pouco) em que exerceu funções de Chefe de Divisão do Departamento de Património reimprimiu a essa Divisão invulgar dinamismo e maior capacidade de intervenção, nomeadamente pugnando pela intransigente defesa não apenas do património cultural em geral, mas do património edificado e arqueológico em particular, contra o facilitismo de uma política a que vulgarmente se dá, em Cascais, o nome de “patobravismo”, a que uma autarquia nunca pode estar vergada. Sabemos que não é nada fácil para um político estar do lado do Património Cultural; essa a principal razão para ser tão difícil o trabalho dos arqueólogos: estamos sempre no caminho dos poderosos; e, neste caso como noutros, não bastam as palavras de circunstância e os discursos proferidos publicamente…
Agradecemos, pois, a Jacinta Bugalhão o intenso e exemplar trabalho aqui desenvolvido e desejamos-lhe o maior êxito no desempenho das funções no IGESPAR, onde (também sabemos) nem sempre se navega em mar de rosas…
As boas-festas da Propaganda
É bem agradável hábito a Sociedade Propaganda de Cascais brindar-nos, pelas festas, com um postal ilustrado a reproduzir antigo recanto cascalense. Este ano, foi o Passeio D. Maria Pia (em 1940, «Esplanada Infante Luís Filipe») que serviu de pretexto para uma evocação acerca do nascimento do Club Naval de Cascais, resultante do que foi a Secção Náutica Afonso Sanches, criada a 2 de Fevereiro de 1938 no seio da Propaganda. Em Outubro de 1939, a Secção passou a ter a designação de Club Náutico Afonso Sanches e, em Setembro de 1940, Club Naval de Cascais.
Curioso verificar como, nas décadas subsequentes, nunca mais o Club se lembrou do seu berço, dando até a impressão de ter sempre ficado de costas voltadas para a entidade que o ajudou a dar os primeiros passos, ainda que ambas as instituições prossigam o mesmo objectivo, cada uma no seu campo de actividade: «contribuir para a projecção de Cascais no país e no mundo».
«Cai Água» nº 26 – Dezembro 2011
Este boletim do dinâmico Núcleo de Amigos de S. Pedro do Estoril chama a atenção, no editorial, assinado pela sua presidente, Manuela Duarte, para a quantidade de flores que, nas varandas da povoação, dão cor à nossa vida. A multiplicidade de tons das buganvílias, por exemplo! Verbera-se a presença de muito lixo; lamenta-se a não-conclusão da obra do jardim-de-infância, adormecida por mais uma insolvência, a da firma a que fora adjudicada (triste sina dos nossos dias!..). Dão-se notícias e acalenta-se o projecto das «Hortas de S. Pedro».
São gente, pessoas não!
Passada mais uma quadra natalícia, prenhe sempre de boas intenções e de enormes vontades de se tornar o mundo melhor, de ‘boas festas’ que se desejam ou não, de braços que se estendem ou, ao invés, não se mexem, de olhares que nem sequer poisam na vida… e não resisti a pensar:
«Gente, porque pertencem ao género humano; pessoas não são, porque não têm capacidade de exprimir sentimentos. Não conhecem os colaboradores; não têm noção do que sói dizer-se em dia de aniversário ou de festa; não sabem o significado da palavra “reconhecimento”. Autómatos em que o fabricante se esqueceu de instalar um cérebro. Também por isso não devem saber o que é felicidade – que pena!».
Daí que a mim mesmo tenha jurado: a minha paisagem há-de ter sempre pessoas dentro!
[Publicado no Jornal de Cascais, nº 296, 11-01-2012, p. 4].
O isqueiro
Se se consultar o dicionário, ler-se-á que isqueiro é a «caixa onde os fumadores guardam a isca». Definição, à primeira vista, bem estranha, para quem isqueiro é objecto comezinho, de todos os dias; contudo, a palavra isqueiro transporta-me a meados do século passado, na nossa terra…
Meu avô paterno fumava cachimbo e não posso imaginá-lo sem ser de cachimbo na boca – sempre! Um fumo diferente, bem cheiroso… Mas o que eu mais admirava era o ritual: o cachimbo acendia-se friccionando o fuzil na pederneira (o sílex pirómaco): a faísca produzida queimava a isca, fruto seco da isqueira, uma planta parecida com o funcho, da família das apiáceas (ou umbelíferas), que ainda hoje cresce espontânea nas nossas terras e cujo nome científico é Cachrys Laevigata. Assoprava-se para ficar em brasa e, rapidamente, o lume ia pegando no tabaco até cobrir a superfície toda, atiçado pelo sorvo a espaços… De seguida, era aspirar de quando em vez, saboreando – que a ciência residia em não deixar apagar! E sempre a carícia quente na mão, do fornilho arredondadamente suave, lustroso, bom…
Mais tarde, nem sempre todas as noutes, ou pela manhã, a operação da limpeza, em ritual também: sopra pela boquilha, raspa bem o fundilho, seca tudo muito bem…
As iscas guardavam-se no isqueiro e havia uma bolsinha de pano a servir de estojo…
Publicado no mensário VilAdentro [S. Brás de Alportel], nº 156 (Janeiro 2012) p. 10.
Meu avô paterno fumava cachimbo e não posso imaginá-lo sem ser de cachimbo na boca – sempre! Um fumo diferente, bem cheiroso… Mas o que eu mais admirava era o ritual: o cachimbo acendia-se friccionando o fuzil na pederneira (o sílex pirómaco): a faísca produzida queimava a isca, fruto seco da isqueira, uma planta parecida com o funcho, da família das apiáceas (ou umbelíferas), que ainda hoje cresce espontânea nas nossas terras e cujo nome científico é Cachrys Laevigata. Assoprava-se para ficar em brasa e, rapidamente, o lume ia pegando no tabaco até cobrir a superfície toda, atiçado pelo sorvo a espaços… De seguida, era aspirar de quando em vez, saboreando – que a ciência residia em não deixar apagar! E sempre a carícia quente na mão, do fornilho arredondadamente suave, lustroso, bom…
Mais tarde, nem sempre todas as noutes, ou pela manhã, a operação da limpeza, em ritual também: sopra pela boquilha, raspa bem o fundilho, seca tudo muito bem…
As iscas guardavam-se no isqueiro e havia uma bolsinha de pano a servir de estojo…
Publicado no mensário VilAdentro [S. Brás de Alportel], nº 156 (Janeiro 2012) p. 10.
terça-feira, 3 de janeiro de 2012
Um tiro no pé ou a vergonha de não saber psicologia
O puto coleccionava notas negativas umas atrás das outras, mês após mês. Um dia, porém, tirou um 10. Quando o professor lhe entregou o trabalho, fez-lhe uma carícia nos cabelos e disse-lhe bem alto, para que toda a turma ouvisse:
– Vês? Tu consegues!
Desse dia em diante, o puto nunca mais teve negativa. Nessa e noutras disciplinas. E o professor só soube da benéfica influência do seu gesto anos depois, quando os pais o encontraram e lho revelaram. Nessa altura, já o filhote era arquitecto credenciado.
Calou-me fundo o testemunho.
É por isso que eu sustento: essa ideia peregrina de tirar a quem nunca falta os três dias de férias compensatórias constitui tremendo tiro no pé, uma decisão só passível de ser imaginada por quem manifesta a mais crassa, pueril e inconcebível ignorância acerca da psicologia humana.
Considerar que retirar essa recompensa a quem, com entusiasmo, se dedica às tarefas que lhe são confiadas é – não tenhamos dúvidas!... – fazer-lhe esmorecer por completo esse entusiasmo, retirar motivação. E esses senhores que dizem perceber de números, esquecem-se de que, por detrás dos números, têm de estar pessoas, tem de estar entusiasmo, tem de estar motivação – elementos imprescindíveis para que os números engrossem, como eles querem! Que se lhes há-de fazer, coitados?!...
O que mais me entristece é verificar serem, nesse aspecto, eles próprios uns falhados, uns desmemoriados, porque depressa se esqueceram que foi com o entusiasmo que ascenderam à posição que ora ocupam. Já se esqueceram? É pena! Nunca lhes ensinaram o que é motivação? É pena!
Como professor, que tudo devo aos meus mestres entusiastas, àqueles que me ensinaram a gostar do que faço, sinto, pois, uma tristeza profunda, porque – como estudei História – sei que, assim, o desfecho é um rotundo fracasso, a maior desilusão e revolta! Não, poderá não ser – o que duvido, porém – uma revolta no sentido real da palavra; será, sim, um deixar cair os braços, o desânimo, porque, afinal, para quê esforçar-se, se até três míseros dias nos querem roubar?!...
Muito gostaria de crer que o bom senso ainda houvesse de imperar!
Publicado no quinzenário Renascimento [Mangualde], nº 584, 01-01-2012, p. 13.
– Vês? Tu consegues!
Desse dia em diante, o puto nunca mais teve negativa. Nessa e noutras disciplinas. E o professor só soube da benéfica influência do seu gesto anos depois, quando os pais o encontraram e lho revelaram. Nessa altura, já o filhote era arquitecto credenciado.
Calou-me fundo o testemunho.
É por isso que eu sustento: essa ideia peregrina de tirar a quem nunca falta os três dias de férias compensatórias constitui tremendo tiro no pé, uma decisão só passível de ser imaginada por quem manifesta a mais crassa, pueril e inconcebível ignorância acerca da psicologia humana.
Considerar que retirar essa recompensa a quem, com entusiasmo, se dedica às tarefas que lhe são confiadas é – não tenhamos dúvidas!... – fazer-lhe esmorecer por completo esse entusiasmo, retirar motivação. E esses senhores que dizem perceber de números, esquecem-se de que, por detrás dos números, têm de estar pessoas, tem de estar entusiasmo, tem de estar motivação – elementos imprescindíveis para que os números engrossem, como eles querem! Que se lhes há-de fazer, coitados?!...
O que mais me entristece é verificar serem, nesse aspecto, eles próprios uns falhados, uns desmemoriados, porque depressa se esqueceram que foi com o entusiasmo que ascenderam à posição que ora ocupam. Já se esqueceram? É pena! Nunca lhes ensinaram o que é motivação? É pena!
Como professor, que tudo devo aos meus mestres entusiastas, àqueles que me ensinaram a gostar do que faço, sinto, pois, uma tristeza profunda, porque – como estudei História – sei que, assim, o desfecho é um rotundo fracasso, a maior desilusão e revolta! Não, poderá não ser – o que duvido, porém – uma revolta no sentido real da palavra; será, sim, um deixar cair os braços, o desânimo, porque, afinal, para quê esforçar-se, se até três míseros dias nos querem roubar?!...
Muito gostaria de crer que o bom senso ainda houvesse de imperar!
Publicado no quinzenário Renascimento [Mangualde], nº 584, 01-01-2012, p. 13.