quarta-feira, 29 de setembro de 2010

As ruas do Estoril


Nunca será de mais salientar a importância da toponímia, ou seja, dos nomes atribuídos a um lugar, a um arruamento.
De um modo geral, é o povo o gerador desse baptismo, baseado na tradição: ou porque ali se deu um facto que ficou na memória de todos; ou porque ali existia algo de fora do comum e que, por isso, se tornava ponto de referência; ou ali viveu personagem famoso…
Sou visceralmente partidário da manutenção dos nomes que o povo atribuiu; preconizo que, para além do papel (importantíssimo!) das juntas de freguesia, porque são os seus eleitos que mais perto estão da população, deverá existir em cada concelho uma Comissão de Toponímia, porque as propostas hão-de ser analisadas também numa perspectiva geral, para evitar duplicações que geram confusão, nomeadamente a nível da distribuição postal.
E assim quando, mormente na década de 60, novos arruamentos surgiram em Cascais, a Comissão de Toponímia optou – e muito bem! - por agrupar nomenclaturas: este bairro tem nomes de aves, aquele de pintores, aqueloutro de escritores…
Contudo, a homenagem que importa fazer aos que entre nós se distinguiram e cuja memória se quer preservar ‘obriga’ as juntas e a Câmara a um exercício em que se procura não prejudicar muito os moradores, tendo em conta, por exemplo, os registos de propriedade. Desta forma, as rotundas têm sido, nos últimos tempos, os alvos predilectos da nova toponímia, por, de um modo geral, não implicarem outras mudanças.
Manuel Eugénio F. Silva e José Ricardo C. Fialho – na sequência do que já haviam feito para Cascais – acabam de preparar para a Junta de Freguesia do Estoril o livro Toponímia na Freguesia de Estoril – Os Nossos Arruamentos. Uma iniciativa de muito louvar, porque assim cada vizinho acaba por melhor se identificar com o local em que vive: quem foi este personagem, quando se deliberou dar este nome… Bem ilustrado, constitui um repositório do maior interesse – que porventura suscitará, mais tarde, uma outra curiosidade: porque é que, em determinada sessão camarária, se deliberou aceitar a proposta da Junta e dar este nome a esta rua? Terá nesse aspecto papel primordial a consulta dos arquivos camarários e, também, a da imprensa local.

Publicado em Jornal de Cascais, nº 236, 28-09-2010, p. 6.

Rimas pensadas no longo caminho…


Contando mais de oito dezenas de primaveras – não, não podemos dizer que noutra estação da vida se encontre… – João Baptista Coelho perfaz apenas as bodas de prata da sua actividade literária como poeta, pois que por essas veredas lhe apeteceu singrar em 1984, quando se aposentou de secos números e mui fastidiosas contas.
E fala-se de bodas porque de feliz casamento se trata: paixão, enlevo, êxtase, namoro prolongado com a serena Beleza das letras, dos ritmos, do embalar remansoso das rimas pensadas…
Presença obrigatória em tudo quanto é jogo floral, de norte a sul do País, numa investigação aturada que lhe doira os versos e lhes confere o adequado sentido, João Baptista Coelho constitui, pelas centenas de prémios já conquistados, um dos casos sérios do panorama poético português. Não paira, todavia, no mundo dos que, de nome feito, aparecem nos jornais e nas canções televisivas – que nesse mundo, aliás, muita feira de deslumbrantes vaidades também se descobre… Mais recatado, outros horizontes o rodeiam, próximos das gentes, das vidas, da… Vida!
«Havia na terra de Hus um homem chamado Job, íntegro e recto, que temia a Deus e fugia do mal» (Job, 1, 1). Incitado por Satanás, Deus não hesitou em o pôr à prova: dum pedestal de riqueza, criadagem muita, prestígio social relevante, fê-lo descer ao charco enlameado da ignomínia, do pão que se tem de esmolar, da lepra maligna até: «E Job raspava o pus com um caco de telha e assentava-se sobre a cinza» (Job, 2, 8). Exemplar foi num estádio e noutro, provações muitas, palavras insidiosas de amigos e de familiares chegados – e Deus o premiou:
«Depois disto, Job viveu ainda cento e quarenta anos e viu os seus filhos e os filhos dos seus filhos até à quarta geração. Depois morreu velho e cheio de dias» (Job, 42, 16-17).
Muitos jobs se cruzam hoje no nosso caminho, nem sempre, porém, com esse brado de gratidão: «Sei que podes tudo e nada Te é impossível» (Job, 42, 2). Amiúde nós próprios jobs nos sentimos – e difícil nos é imitá-lo.
Job se sentiu João Baptista Coelho e, por isso, em 30+1 sonetos (uma das formas poéticas que mais aprecia e que bem sabe burilar), contou-nos de si, dos seus vagueares, altos e baixos, sonhos, quimeras, oiros, cálices de inebriante medronho, tragos de fel bem amargo… «Uma história igual à de mil outros cidadãos», «de grandes, de pequenos, de meãos». Grão que se torna gente; que teve hora de brincar; que plantou «a velha árvore do pecado»; vagabundo; a dureza do pão-trabalho e a incandescência do pão-amor; a Poesia, «bálsamo na vida tão cinzenta», «oração que me atavia»…
E, decididamente, João Baptista Coelho, viagem feita, jaz escravo ganhador:

… neste cais da fantasia,
atado, mãos e pés, à Poesia,
tão pobre, mas tão rico, como Job.


Nisto se distinguem os Poetas: no olhar perspicaz para a realidade envolvente. Em décimas se passeiam os (ditos) poetas populares (alentejanos e algarvios, sobretudo) pelas terras do nosso País, pela história de reis e de rainhas que aprenderam de cor nos bancos da Instrução Primária – e é um encanto segui-los. João Baptista Coelho optou, aqui, por uma outra viagem, a do seu tempo de Homem, a do nosso tempo de Homens. E, como ele, afinal, todos bem nos sentimos na nossa pele de jobs. Milénios decorridos, o Homem permaneceu igual a si mesmo, em hino magnífico ao privilégio de… estar vivo!
«Depois disto, Job viveu ainda cento e quarenta anos…».

Cascais, 13 de Março de 2010

Prefácio do livro Um Outro Livro de Job (30 Retratos de uma Peregrinação), de João Baptista Coelho, Câmara Municipal de Cascais, 2010, p. 3-5. [ISBN: 978-972-637-236-3].

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Para a história do turismo no Estoril

O lançamento da colecção Patrimónios de Cascais no passado sábado, 25, num emblemático espaço – a Sala de Música do Museu dos Condes de Castro Guimarães – foi pretexto para, de novo, se olhar para a apetência que, ao longo dos milénios, o Homem teve por estas paragens entre a serra e o mar.
Falou-se de património geológico e natural, de património arqueológico, das fortificações marítimas, da arquitectura de veraneio na vila de Cascais e da arquitectura modernista (mormente no Estoril). Exemplos de um passado-memória que importa salvaguardar e divulgar pela investigação e através de iniciativas como esta – que é de muito louvar.
A propósito, permita-se-me que recorde que ocorreram, em 1986, as comemorações dos 75 anos do turismo em Portugal. Entre as diversas iniciativas que proporcionaram registe-se a celebração, na Póvoa do Varzim, de 3 a 7 de Dezembro dessa ano, do III Congresso Nacional de Turismo. Dir-se-á que das suas conclusões consta a primeira grande chamada de atenção para o turismo cultural, que assenta precisamente na valorização do património nas suas mais diversas vertentes. E nessa altura se procurou fazer a história do turismo em cada uma das zonas do País onde essa actividade fora marcante. O Estoril – então ainda Costa do Sol – não podia, pois, deixar de marcar presença, até porque era Secretário de Estado o Doutor Licínio Cunha, que fora presidente da Junta de Turismo local.
Convido-o, pois, leitor amigo, a – se o tema for do seu agrado e interesse – juntar-se a mim na evocação dessa história (que outros, mais tarde, viriam a evocar também). A minha comunicação, «Para uma história do turismo no Estoril», publicada que foi nas actas [III Congresso Nacional de Turismo – Documentos, Porto, 1986, p. 64-73], está disponível no endereço
http://hdl.handle.net/10316/13803

J. d’E.

O tempo e as pressas

Riqueza única, o tempo!
Procura-se aproveitá-lo o melhor possível, não o deixar exaurir-se por entre os dedos; importará, porém, não ter uma preocupação excessiva, uma ansiedade que te leva a não se aproveitarem as oportunidades.
Estás com uma pessoa amiga do peito que já não vês há muito tempo; passas pela estação e vês que o teu comboio parte daqui a sete minutos; mas não sabes a que horas parte o barco do teu amigo. Porquê tanta pressa em o largares, só para não perderes esse comboio? E se o levares calmamente ao barco e só depois vieres para o comboio, o que for? Deixando o teu amigo só por causa de um quarto de hora, perdeste uma oportunidade de… estar com ele mais um bocadinho. E quando é essa oportunidade surgirá de novo?
Pediu-me a Joaquina que a acompanhasse na visita aos museus locais, numa altura, das raríssimas que tem, de ‘descer’ das Beiras até Cascais. Acedi com todo o gosto, porque há séculos que estamos para nos encontrar e é só, de quando em vez, uma troca de mensagens por correio electrónico ou um telefonema apressado. Havia para essa tarde apenas um compromisso: o de ir buscar a neta à escola a determinada hora. Fui buscar a neta e…deixei a minha amiga, que acabou sozinha as visitas!… À noite, dei comigo, no exame de consciência diário antes de adormecer, a perguntar-me: «Porquê?». É que, na verdade, a Joaquina poderia ter ido buscar a neta comigo e, compromisso satisfeito, voltava-se às visitas! Nada mais natural – que um dia não são dias!... E quando voltará a Joaquina a ter a oportunidade de estar comigo?
Recordo amiúde – e creio que já o escrevi outra vez – aquele anúncio de um uísque, em página inteira de revista de uma companhia aérea. Rezava mais ou menos assim.
«Todos os dias, milhões de pessoas se levantam dos seus lugares antes de os motores do avião pararem. Para quê tanta pressa? Uísque W… para saborear sem pressas!»
Publicidade certeira; magnífica, a mensagem que encerra!

Publicado em Jornal de Cascais, nº 235, 21-09-2010, p. 6.

Comunicação de proximidade

Nos tempos que correm, cinco anos de vida dum jornal local correspondem quase a ter atingido a maioridade.
Louve-se, pois, a equipa que, semanalmente, tem produzido Jornal de Cascais, formulando-se votos para que prossiga e, se possível, estude a possibilidade de chegar mais facilmente aos residentes em Cascais.
Aplauda-se simultaneamente quem compreendeu – em relação a este semanário – o valor da comunicação de proximidade e o real interesse cívico, social, cultural e, até, político, de haver elos de ligação a cimentar comunidade. Entidades públicas (como a Câmara, as juntas de freguesia e o organismo que veio substituir a Junta de Turismo…) e privadas (como as colectividades, as empresas e até as pessoas singulares) precisam de ver na Comunicação Social local o veículo privilegiado que se faz eco das suas actividades, da sua existência. E deve merecer-lhes, por isso, o que poderíamos apelidar de “carinho”, manifestado, por exemplo, na concessão de publicidade.
No ano em que o nosso prezado colega local Jornal da Costa do Sol, de 46 anos de ininterrupta existência, teve de suspender a publicação, por manifesta e deliberada falta de apoios; numa altura em que a comunicação social falada (explicite-se: Rádio Clube de Cascais), também por manifesta e deliberada falta de apoios, já não é a referência de proximidade que foi durante quase duas décadas; num período em que a Câmara, as empresas municipais, as próprias juntas de freguesia acabam por despender verbas significativas em variadíssimas publicações que bem poderiam ser veiculadas pelos órgãos de comunicação locais, neles integradas de forma equitativa e sem obediências partidárias… estas reflexões assumem, a meu ver, queira-se ou não, inteira pertinência.
Uma Comunicação Social independente – do ponto de vista religioso e político – constitui, sem dúvida, um dos mais eficazes garantes da Democracia como eu a entendo, ou seja, a expressão livre de opiniões, sugestões, críticas…
Não interessa apenas ter iniciativas, por mais válidas que elas sejam: importante é que se saiba que elas vão realizar-se e, depois, como é que tudo aconteceu. O êxito depende da informação – e essa consciência, parece, só em tempos eleitorais se manifesta. Tristes e bem graves sinais!

Publicado em Jornal de Cascais, nº 234, 14-09-2010, p. 6.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Gestões... indigestas

No discurso que proferiu, em Setembro de 2004, no Colóquio “Reforma e Regulação da Saúde”, organizado pelo Centro de Estudos de Direito Público e Regulação, o Reitor da Universidade de Coimbra censurou o Governo por, solícito nos constantes cortes orçamentais às universidades, fazer vista grossa aos empreendimentos públicos como a Ponte Rainha Santa (então em grande derrapagem financeira), onde muitos milhões se consumiram a mais do que o orçamento cabimentado, sem que nada acontecesse aos prevaricadores:
«Se o valor da adjudicação inicial da Ponte Europa (agora Rainha Santa), em Coimbra, não tivesse sido ultrapassado, ter-se-iam libertado recursos que permitiriam cabimentar, de uma só vez, todas as intervenções ainda não iniciadas em edifícios escolares nos Pólos I, II e III de Desenvolvimento da Universidade de Coimbra que, ao ritmo actual de investimento, se prevê apenas ser possível concretizar em cerca de 10 a 15 anos.»
A mesma pergunta assola necessariamente centenas de cascalenses que passam todos os dias junto ao Amarelão:
– Como é possível estar esta obra parada, a degradar-se, há tantos anos, quando a esquadra do centro da vila já não tem dignidade alguma nem condições? Será Cascais um sítio amaldiçoado pelo Governo? Não haverá meio de chamar à pedra os responsáveis, não para que sejam presentes a tribunal (já se sabe que não vale a pena) mas para serem expostos à pública ignomínia? Sim: reerguia-se o pelourinho e atavam-se lá, de tanga e olhos vendados, e o pessoal passava e lançava-lhes adequados impropérios!... Abençoada Idade Média, que, nesse aspecto, tanta falta ora nos fazes!...
Não haverá aí quem faça contas, a demonstrar por a+b que o sempre adiado acabamento da super-esquadra no Alto da Pampilheira, é… uma vergonha? E, claro, o exemplo super-evidente da má gestão que fazem aqueles que só aprenderam contas de subtrair (aos cidadãos, por meio de impostos…)?
E gostava de ver divulgado o protesto geral, de todas as forças partidárias do concelho! Repetidamente. Repetidamente! Até os envergonhar mesmo a sério (se é que essa possibilidade ainda existe…).

Publicado em Jornal de Cascais, nº 233, 07-09-2010, p. 4.

Aldrabices...

Elas vêm donde menos se espera e sob os mais variados pretextos.
– O senhor do Porto que necessita urgente, há mais de cinco anos, de sangue do tipo B negativo;
– A menina desaparecida, sempre a mesma, Maria Cecília, que vai sendo apresentada como conhecida deste e daquela (conforme a proveniência da mensagem) e o número de telefone de contacto – (21)7826-9408 – é… donde?
No mês de Julho, pasmei: «Fulano vai ser jogador do… por quatro anos!»; «Cicrano treinará a equipa nas próximas três épocas». Que quatro anos? Que três épocas? A afirmação é categórica, sem dúvida, mas toda a gente sabe que, na primeira oportunidade, ao primeiro isco apetecível… o peixe morde, o dono do peixe tem enorme ataque de amnésia e… quais quatro anos nem meios quatro anos!...
Recebera, há já algum tempo, esta mensagem:
«Gabriel García Márquez se ha retirado de la vida publica por razones de salud: cáncer linfático. Ahora, parece, que es cada vez más grave. Ha enviado una carta de despedida a sus amigos, y gracias a Internet está siendo difundida».
E a mensagem começa assim:
“Si por un instante Dios se olvidara de que soy una marioneta de trapo y me regalara un trozo de vida, aprovecharía ese tiempo lo más que pudiera”.
E continua com frases bem bonitas, sábias lições de vida.
Ocorreu-me esse ‘testamento’ por ocasião do passamento de António Feio; também ele nos deixara um «testamento» e, como não encontrei de imediato o de García Márquez no computador, recorri a um motor de busca e… qual não foi o meu espanto quando deparo com esta informação: -:
«Desde 1999, circula pela Internet um poema atribuído ao escritor colombiano Gabriel García Márquez ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1982. O poema é intitulado La Marioneta ou "A despedida de Gabriel García Márquez" e é apócrifo». http://www.quatrocantos.com/LENDAS/31_marioneta.htm
O próprio escritor (assevera-se) o garantiu e, na Internet, há muitos depoimentos já a esse respeito, o que não impede de esse «testamento» continuar a circular como verdadeiro.
«E así se hacen las cosas», sói, pois, dizer-se, desde os tempos do Sr. Gil Vicente, há quinhentos anos atrás!

Publicado em Jornal de Cascais, nº 232, 31-06-2010, p. 4.