domingo, 28 de junho de 2015

Atribuído o Prémio Giancarlo Susini - Um significativo apoio aos estudos epigráficos

             A casa editora Fratelli Lega (de Faenza, Itália) e a Direcção da revista Epigraphica instituíram um prémio bienal de 2000 euros destinado a galardoar uma publicação de Epigrafia Grega ou Latina, de carácter monográfico, da autoria de um investigador com menos de 40 anos de idade.
            A 1ª edição do prémio teve como vencedora Elena Cimarosti, com a obra Le iscrizioni di età romana sul versante italiano delle Alpes Cottiae (Barcelona, 2012).
            O vencedor da 2ª edição (para obras datadas de 2013 ou 2014) foi anunciado em Bertinoro, no passado dia 6 de Junho, na sessão de encerramento do Colóquio Borghesi: trata-se de Cédric Brélaz, que preparara o livro Corpus des inscriptions grecques et latines de Philippes. Tome II, La colonie romaine. Partie 1, La vie publique de la colonie.
            O júri – constituído, como habitualmente, por uma comissão internacional de cinco membros, entre os quais se conta um delegado da Editora Fratelli Lega e um membro do Comité de Direcção da revista Epigraphica, deliberou ainda atribuir, este ano, uma menção honrosa ao livro, de Federico Frasson, Le epigrafi di Luni romana. I. Revisione delle iscrizioni del Corpus Inscriptionum Latinarum.
            Aproveite-se o ensejo para informar quais foram os outros trabalhos concorrentes:
 
  • Camilla CAMPEDELLI, L’amministrazione municipale delle strade romane in Italia;
  • Dan DANA, ONOMASTICON THRACICUM. Répertoire des noms indigènes de Thrace, Macédoine orientale, Mésies, Dacie et  Bithynie;
  • Patrice FAURE, L’aigle et le cep. Les centurions légionnaires dans l’Empire des Sévères;
  • María LIMÓN BELÉN, La compaginación de las inscripciones latinas en verso. Roma e Hispania.
  • Adrian ROBU, Mégare et les établissements mégariens de Sicile, de la Propontide et du Pont-Euxin. Histoire et institutions.
      Congratulo-me vivamente com a atribuição deste galardão, não apenas por também assim se perpetuar a memória de um insigne e mui saudoso Mestre da Epigrafia Romana, o Professor Giancarlo Susini (1927-2000), mas sobretudo por se apoiar a investigação num âmbito científico que os novos paradigmas vigentes nas escolas universitárias europeias estão, de novo, a delegar para um plano secundário, esquecendo-se (mui naturalmente…) os decisores políticos que, mesmo hoje, quando querem deixar o seu nome perpetuado em obra de vulto é através de uma epígrafe que essa perpetuação se concretiza…

                                                            José d’Encarnação

quinta-feira, 25 de junho de 2015

No 2º aniversário do Costa do Sol

            Cumpre o Costa do Sol o objectivo para que foi criado, na sequência de anteriores opções jornalísticas: informar semanalmente, em formato digital e em papel, as populações de Cascais e de Oeiras dos mais importantes acontecimentos ocorridos e a ocorrer nestes dois concelhos. O facto de se dedicar mais (quinzenalmente) a um dos concelhos – através, sobretudo, da página de opinião dos seus habituais colaboradores – obedece a compreensíveis critérios de gestão económica, mas não tem impedido uma eficaz cobertura noticiosa de ambos.
            Claro que se postularia uma distribuição mais eficaz, em pontos que poderiam vir indicados em cada uma das edições, a fim de poder mais facilmente chegar à população. Como munícipe, sinto também a falta de uma secção necrológica; bem sei que nem todos partilham da minha opinião, mas continuo a pensar que seria uma forma – até económica e jornalisticamente não difícil de se pôr de pé – de mais se contribuir para cimentar comunidade.
            Regozijo-me com a perseverança da equipa e com o facto de os agentes económicos locais compreenderem a importância de se anunciar no jornal, forma única de ele poder continuar a cumprir a sua missão.
 
            Publicado em Costa do Sol – Jornal Regional dos Concelhos de Oeiras e Cascais, nº 98, 24-06-2015, p. 7.
                                                                         José d'Encarnação

quarta-feira, 24 de junho de 2015

In memoriam de João Luís da Inês Vaz

            Os que me conhecem e conheceram o Doutor João Vaz imaginam quanto me custa elaborar esta nota necrológica sobre um amigo do peito e companheiro de tantas andanças pelas lides da Arqueologia, da História Antiga e da Epigrafia, que hoje [23-06-2015] inesperadamente, vítima de colapso cardíaco fulminante, faleceu na quinta de Dalvares (Tarouca), quando, mui tranquilamente, se entregava a trabalhos agrícolas.
            Está em fase de conclusão a edição da actas da VIII Mesa-redonda Internacional sobre a «Lusitânia Romana - Entre Romanos e Bárbaros», que mui gostosamente e com enorme brio, organizara em Maio de 2013, em Mangualde, na sequência da participação noutras mesas-redondas dessa série. E, claro, muito havia a esperar dele, porque, tendo nascido no Soito (Sabugal), a 13 de Novembro de 1951, contava, pois, apenas… 63 anos!
            Tive ocasião de acompanhar muito de perto toda a sua carreira, pois foi meu aluno na Pré-Especialização em Arqueologia, no ano lectivo de 1975-1976, e logo nessa altura nos apercebemos da sua inteligência, dinamismo, vontade de aprender e de… trabalhar, inclusive em Arqueologia, pois participou, ainda como estudante, quer nas campanhas que, nessa altura, o Doutor Jorge Alarcão fez em Collipo e em Conimbriga, quer em Braga, cujo projecto de salvaguarda dos vestígios romanos de Bracara Augusta dava, nessa altura, os primeiros passos!
            E logo no ano lectivo de 1977-1978, fez estágio pedagógico para o Ensino Secundário na Escola Secundária de Alves Martins, em Viseu, estágio que concluiu com a classificação final de 16 valores. Foi docente do Ensino Secundário e leccionou, nomeadamente em regime requisição, no Centro de Viseu da Universidade Católica Portuguesa.
            Foi Governador Civil do Distrito de Viseu desde 18 de Novembro de 1995 a 30 de Abril de 2002, cargo para que foi nomeado atendendo também ao enorme trabalho, mormente de índole cultural que cedo começou a desenvolver na cidade de Viseu, de cuja Câmara Municipal fora, de resto, vereador de Dezembro de 1993 a Novembro de 1995. Organizou, por exemplo, os dois colóquios arqueológicos de Viseu, em 1988 e 1990.
            Membro da Comissão Científica do (actual) Centro de Estudos de Arqueologia, Artes e Ciências do Património, unidade de investigação a que sempre pertenceu, desde que foi criada na Universidade de Coimbra, depois de se ter interessado pela Arqueologia, pela História Local e Regional, foi a História Antiga e a Epigrafia que mais concitaram os seus interesses científicos. A sua tese de doutoramento sobre a civitas de Viseu (defendeu-a, em Pré-História e Arqueologia pela Universidade de Coimbra, a 20.10.1993) constitui, ainda hoje, uma obra de referência incontornável. Integrava a equipa de revista Hispania Epigraphica (da Universidade Complutense de Madrid), sendo, por isso, encarregado de rever todos os textos publicados sobre Epigrafia Romana, sobretudo na zona centro do País.
            Incansável defensor do património cultural; lutador; homem de causas que mui corajosamente abraçava; pai extremoso (como se poderá ver pelas informações acerca dos filhos que amiúde colocava no facebook - sua filha Gisela doutorara-se não há muito tempo, em Dublin, com um trabalho deveras inovador) - João Luís da Inês Vaz deixa-nos uma saudade imensa!
            E só nos resta elevar por ele uma prece: que descanse em paz!
            À sua esposa, Amélia Albuquerque, ao seu filho Edgar e à Gisela – apresento os mais sentidos pêsames, em meu nome pessoal e, creio poder afirmá-lo, em nome da comunidade arqueológica peninsular e, de modo especial, dos membros do centro de investigação a que pertencia e do Instituto de Arqueologia de Coimbra, que muito se honra em o ter como um dos seus primeiros alunos formados na Pré-Especialização.
 
                                                                                     José d’Encarnação
 
João Vaz na mesa-redonda da Lusitânia - Mangualde, 10-05-2013

sábado, 20 de junho de 2015

Venham mais cem!

            Terminaram oficialmente as comemorações do 1º centenário da elevação de S. Brás de Alportel a concelho. E já podemos falar em , porque iniciámos o segundo.
            Aliás, isso mesmo ficou mui judiciosamente perpetuado no monumento, porque nele se deixou deitado o 2 e, sob ele, na «cápsula do tempo», os nossos votos para os cem anos por vir.
            Subimos a escada, degrau a degrau; deixámo-la, porém, encostada ao 100, em jeito de lhe solicitar apoio. Sem dúvida que se criaram bem sólidos alicerces, iniciativas imitáveis se lograram terminar – e serão esses testemunhos de secular experiência adquirida que aos vindouros quisemos legar.
            Cometeram-se erros? – Corrigir-se-ão. Houve sonhos que ficaram por cumprir? – Tempo haverá agora para melhor os concretizar!
            Essa – a lição do monumento – a primeira ideia que, de imediato, me assaltou quando passei em relance (e, confesso, já muitas vezes o tenho feito, com orgulho), o que foram as comemorações e, de modo especial, os três memoráveis dias da sua coroação.
            A segunda lição não é, porém, em nada inferior à primeira: o elevado exemplo que demos de cidadania e de mui calorosa comunidade. Voltou-se a 1914, não num sentimentalismo balofo, mas num dar as mãos a quantos, há um século, são-brasenses como nós, vibraram com a vitória da autonomia. E foi ímpar, foi exemplar, foi único: novos e velhos, são-brasenses de nascimento e de adopção, portugueses e membros da colónia estrangeira aqui radicada, todos vieram para a rua, de rasgado sorriso no rosto, numa celebração – aqui estamos!...
            Terão sido mui raros os que a tal poderão ter ficado indiferentes. E, pessoalmente, agradou-me muito ouvir da boca do presidente da Associação Nacional dos Municípios Portugueses, quanto, surpreendido, o maravilhara o sentimento de comunidade que desta forma se lograra cimentar e que ele bem o sentira presente.
            Venham, pois, mais cem! A calcorrear uma senda em que diariamente todos logremos continuar a dar as mãos em prol do vizinho. E que essa palavra «vizinho», com o seu profundo sentido de proximidade activa, seja companhia permanente no nosso caminhar!

                                                                      José d’Encarnação

Publicado em Noticias de S. Braz [S. Brás de Alportel], nº 223, 20-06-2015, p. 2 [editorial].
                                                                           
Beleza e eficiência no pronto-socorro!...

A senhora vai viajar...
A caixa de música...

Amola-tesouras
 
Casal rico preocupado


Beldades d'outrora e... de sempre!
O monumento!
 

Paródias é que é bom!

             Não, não me refiro aos eventos festivos, muitos, que celebraram os 650 anos da elevação de Cascais a vila. Seria ofensivo, despropositado. Quero referir-me às paródias mesmo, àquelas que, desde 11 de Dezembro passado e até ao próximo 15 de Julho, se mostram na Casa das Histórias Paula Rego.
            Confesso o meu pecado por só tão tardiamente delas me haver apercebido. Sempre é bom, porém, ter um parente que decide passar uns dias cá em casa e nos diz «Olha, mostra-me Cascais, que eu não conheço nada!». E, claro, foi a visita pela baixa cascalense, o Centro Cultural, a Casa de Santa Maria, o Condes de Castro Guimarães, o Museu da Presidência de fugida (com aquela original exposição no baixos, a não perder, acerca dos ‘bastidores’ de célebres peças teatrais), o museu e o farol de Santa Marta, com o privilégio de se observarem lá do cimo, a meio da manhã do dia 11, os golfinhos (seriam dois grupos sociais deles?) que ao longo da costa se dirigiam para os lados do Guincho... E a Casa das Histórias.

A exposição Paródias, na Casa das Histórias
            Como se sabe, é errado pensar-se que ver a Casa das Histórias uma vez está tudo visto e não se fala mais no assunto. Mesmo que haja pinturas que ganharam jus de permanência, há sempre uma diferença a salientar e a justificar a visita.
            Catarina Alfaro, responsável, desde Março de 2010, pela programação da Casa, foi a responsável pela ideia e sua concretização. O resultado da pesquisa levada a cabo para erguer esta exposição está à vista. E agrada-me.
            Gostaria de ter sabido, mediante a leitura do texto que vem no folheto do percurso expositivo, como é que a ideia surgiu e, sobretudo, como é que se chegou lá. Começa-se por explicar – e transcrevo esse início, a título de exemplo – que «a exposição Paródias se delineou no amplo contexto de referências indirectas de Paula Rego e estruturou-se, desde logo, a partir de um diálogo, não ilustrativo, entre as obras dos dois artistas, distanciadas por mais de um século, que transmitem uma visão crítica de vida e dos costumes portugueses da sua época».
            Os parágrafos seguintes vêm na mesma linha pensamento, a esclarecer como Rafael Bordalo Pinheiro (1846-1905: é mesmo do criador do Zé Povinho que se trata!) parodiou o seu tempo, designadamente os políticos do seu tempo, e como também Paula Rego, nomeadamente em tempo de ditadura, se não privou de ridicularizar o que ia acontecendo. É um texto erudito, denso, que certamente não terá muitos leitores (e será pena!), mas onde se realça – e transcrevo outra passagem – que «esse processo de denúncia social e política é elaborado pelos dois artistas a partir de uma observação atenta do quotidiano, que reflecte, apesar da distância cronológica que os separa, o modo como o contexto ideológico, filosófico, político e mesmo moral do realismo foi determinante na definição do percurso artístico de ambos».
            Catarino Alfaro foi à obra de um e de outra e colheu imagens que colocou lado a lado. E o visitante admira-se do extraordinário paralelismo, inclusive formal, no gesto e na estrutura. Foi mesmo Paula Rego colher inspiração a esse desenho específico de Bordalo Pinheiro? Provavelmente, não. E se assim não foi, muito é de realçar o intenso labor comparativo que Catarina Alfaro levou a cabo, pois tal implica um conhecimento profundo da obra dos dois artistas.
            Que o resultado que está à vista surpreende, isso não há dúvida nenhuma!
            Que é de aplaudir a ideia e que a exposição tem de ser vista por muita gente e analisada com olhos de ver, tanto no que se refere ao Bordalo Pinheiro como à Paula Rego – também dúvidas não poderá haver.
            Têm os artistas este condão de serem intemporais. Ou seja: a sua obra nasceu de impulsos de um contexto histórico-geográfico determinado; contudo, queira-se ou não, esse contexto repete-se, de tempos a tempos, e mais nuns tempos do que noutros. Tem a exposição termo marcado para 15 de Julho. Irá o Povo de férias, ainda que continue, então, a pender no ar um contexto eleitoral. E também nesse aspecto – eu ia a escrever, ‘sobretudo’ nesse aspecto – a exposição é de ver-se. Não foi decerto sem intenção que Catarina Alfaro incluiu na quarta página do folheto a bem conhecida imagem que mostra «A Política: a Grande Porca». Esse «mundo ambíguo e complexo de interacção entre humanos, animais, vegetais e híbridos que funciona igualmente como um complemento humorístico», essa «dúplice condição» atribuída aos animais, que Catarina aponta ser apanágio de ambos os artistas. Aliás, não se recorre amiúde às fábulas, ao «tempo em que os animais falavam» para sarcasticamente se verberarem atitudes repreensíveis?

                                                                                  José d’Encarnação
 
               Publicado em Costa do Sol – Jornal Regional dos Concelhos de Oeiras e Cascais, nº 97, 17-06-2015, p. 6.

terça-feira, 16 de junho de 2015

As palavras… mágicas!

             Isto de nos esquecermos de viver o momento presente, o único que, afinal, nos é dado viver, como foi tema da nossa conversa há dias, torna-se deveras interessante. Um jogo de cabra-cega, diria.
            Os professores universitários, por exemplo, que dantes também eram investigadores, porque se lhes dava tempo para isso, passam seus dias a fazer relatórios e projectos. Ah! E a estudar as palavras milagrosas para que os taumaturgos que os leiam mais facilmente façam o milagre de lhes dar a sua bênção. Soube, outro dia, que palavra mágica, agora, é «interdisciplinaridade». Podes fazer os arrazoados que quiseres, tudo muito certinho de cabo a rabo; mas, se não houver lá, mais do que uma vez (de preferência), a palavra interdisciplinaridade, esquece: teu projecto ou teu relatório nem vai merecer atenção!
            Outra ideia-chave é «equipa». Sim, trabalho que se preze nunca é individual: é sempre em equipa! Eu cá admirava-me de uma comunicação de vinte minutos em reunião científica vir «assinada» por cinco ou mesmo por dez pessoas. E perguntava-me como. Cada uma escreveu três linhas? Lá me explicaram: é «equipa», menino! Mesmo que o texto só tenha sido redigido por um, como o trabalho resultou, necessariamente, de contribuições várias, tem de ser: toda a gente assina! E assim é que é válido para o currículo!
            Como – ficas também a saber – só conta para o currículo se escreveres em inglês; mesmo que seja assim mais ou menos atabalhoado, mas que se compreenda que a intenção é ser em inglês. E, depois, toma atenção, não dá jeito nenhum publicar em revistas nacionais, mesmo que seja na língua de Sua Majestade. Interessa-te é que seja em revista doutro país. Vamos lá ver se a gente se entende: tu tens a revista da tua instituição, mas não deves escrever nela; a tua revista é para os senhores da estranja, que assim vêem reabilitados os seus textos, porque publicados numa revista que não é do país deles. Tu não: tu tens mesmo de publicar lá fora!
            Assim, o clima eleitoral: o futuro, senhores, é que vai ser bom, porque nós vamos salvar o mundo! «Vamos»: o futuro. E… cadê o presente? Li numa tasca: «Tomorrow the beer is free!». Excelente ideia: amanhã, venho cá tomar um copo! Esqueci-me, porém, da outra frase (desculpe-me o leitor, mas isto do inglês é mesmo doença que se pega…): «Tomorrow never comes» – o amanhã… não existe!
                                                                    José d’Encarnação

Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 664, 15-06-2015, p. 14.

segunda-feira, 8 de junho de 2015

Eles são… pessoas?

           1
        Quando, sob o actual logótipo do município de Cascais, se apôs a bonita frase programática «Elevada às Pessoas», regozijei. Até que enfim, uma instituição proclamava querer estar ao serviço das pessoas e não de credos económicos, políticos ou religiosos. As pessoas acima de tudo! Intenção boa, exemplar.
2
        Quando se legislou a obrigar ao inventário pormenorizado do que levava dentro a carrinha da instituição particular de solidariedade social, teve-se também em atenção a pessoa. Importava que, mesmo dedicando-se, sem auferir um cêntimo, a essa nobre causa de ir levar comidinha ao velhote entrevado e sem família, o voluntário tivesse os pés bem assentes no chão e soubesse o que andava a fazer. Quantas malgas de sopa, quantos pãezinhos, quantas peras… Num mundo organizado, tem de ser assim. Há que contar com o tempo necessário para esse minucioso inventário. Tem que ser!
        Ou, se fores fazer assistência domiciliária, quantos sabonetes, quantas toalhinhas, quanto champô gastaste… Pessoa que se preza tem de andar na linha, pois claro!

3
        Quando, por via de uma emenda legislativa, se proibiu os aposentados de – mesmo gratuitamente – partilharem em aulas ou em cursos e conferências o saber por décadas adquirido, estava-se, claro, a pensar na Pessoa! Estava aposentada, não estava? Pronto, já deu o que tinha a dar! Fique-se aí num canto, a olhar pró infinito, que é serenidade a sorver!...

4
        Quando se pede ao investigador que declare que livro vai escrever daqui a cinco anos, é exigência de planeamento! A Pessoa não pode andar aí ao Deus dará, sem ter planeado o que vai fazer daqui a cinco anos! Não pode!

5
        Quando, para completar a informação acerca de uma estrutura arqueológica, passível de obter-se em dois dias de sondagem, te exigem projecto a desenvolver em quatro anos, tens de compreender: sem projecto de a longo prazo e sem uma equipa pluridisciplinar, não és nada, não és Pessoa com letra maiúscula.

6
        Quando, para dares à Santa Casa da Misericórdia miúda parcela de terreno de que pagas 0,50 euros ao ano de contribuição, te exigem insuspeitados documentos, a provar que a terra é mesmo tua, não a roubaste, foi legitimamente herdada… claro que tudo se passa no legítimo interesse da Pessoa, a Pessoa acima de tudo. A Pessoa desiste e não faz a doação, que lhe custaria, em papelada, mais do que cem anos de dízima e tantos já ela não conseguirá viver! Mas não devia desistir!
Conclusão
        Daí, no final deste mui sucinto rol, nos vir à cabeça a pergunta: eles são pessoas? Eles, os que assim legislam e a quem, com o nosso voto, demos tal poder.

                                                               José d’Encarnação

Publicado em Costa do Sol – Jornal Regional dos Concelhos de Oeiras e Cascais, nº 95, 03-06-2015, p. 6.

terça-feira, 2 de junho de 2015

Saborear o momento

             Não é a primeira vez que sinto a necessidade de abordar este tema; contudo, ao procurar na pasta o que aguarda ‘tratamento’, saltaram-me duas singelas pastinhas a reclamar atenção.
            Ando ‘preocupado’, confesso, ao ver que também eu, com frequência, não acabo as frases que inicio, numa ânsia (parece!) de tudo querer abarcar num ápice, como que sobrevoando os momentos sem deles realmente me aperceber.
            Vinha na primeira pastinha a carta de um amigo, de que há meses nada sabia. Morrera-nos, de repente, um dinâmico colega das lides da nossa ciência epigráfica; eu supusera, desde logo, que parte do trabalho dele recaíra agora sobre o Joaquim, mas… a carta dele foi inesperado murro no estômago:
            «[…] Lo que pasa es que era Pepo quien se encargaba de gestionar el día a día de Hispania Epigraphica on line y, desde que murió, eso revirtió sobre mí, no precisamente en el mejor momento, porque han añadido a mis visitas quincenales al Hospital las pruebas para realizar un trasplante de médula ósea, que es lo que me ha tenido ocupado desde mediados de Enero».
            A mensagem é de 15 de Fevereiro de 2014. Felizmente, o transplante decorreu com a normalidade possível e Joaquim, paulatinamente, está a voltar à actividade.
            A segunda pastinha traz a conhecida história de ‘Joshua Bell e o metro’ (assim mesmo, de imediato acessível na Internet). Por iniciativa do jornal Washington Post, com o objectivo de introduzir um debate sobre «valor, contexto e arte», o célebre violinista Joshua Bell tocou, ao começo da manhã de 8 de Abril de 2007, numa estação de metro de Nova Iorque, no seu stradivarius de 1713, avaliado em mais de três milhões de dólares. Aliás, exibira-se, dias antes, no Symphony Hall de Boston, uma das melhores salas de concertos do mundo, num espectáculo onde os melhores lugares custavam… mil dólares! Ali, na manhã apressada da estação do metro, a gente nem lhe deu atenção e, ao fim de 45 minutos, apenas arrecadara… 32 dólares e 17 centavos! «Bell, no metro», comenta-se no final da história, «era uma obra de arte sem moldura».
            Há, pois, que emoldurar os nossos momentos. Todos!

                              José d’Encarnação

Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 663, 01-06-2015, p. 16.