quinta-feira, 30 de março de 2017

«Teatros de Cascais» - com pompa e circunstância

            Foi pequeno o Teatro Gil Vicente para receber quantos quiseram associar-se à apresentação do livro «Teatros de Cascais», da autoria de Manuel Eugénio F. da Silva e José Ricardo C. Fialho, uma dupla que, de há uns anos a esta parte, nos tem brindado com uma série de livros que constituem precioso auxílio para quem, de futuro, queira reflectir sobre a história de Cascais, pois todos os dados estão ali, nesses volumes. E outros há na forja, garantiram-nos. E ainda bem!
            A cerimónia foi precedida pela apresentação, muito aplaudida, de algumas significativas passagens da revista ora em cena no Gil Vicente pelo Grupo Cénico da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Cascais. Um apontamento gracioso que serviu para mostrar que teatro não é apenas o que se vê em palco mas toda uma estrutura que o sustenta nos bastidores.
            Compuseram a mesa os dois autores, o presidente da Câmara, o presidente da União de Freguesias Cascais – Estoril (editora do volume, que se destina exclusivamente a ofertas) e o presidente da direcção da Associação. Todos teceram rasgados elogios à oportunidade da obra, à excepção, evidentemente, dos dois autores, que tiveram palavras de reconhecimento a quantos os haviam ajudado.
            São, ao todo, 560 páginas, em que, passo a passo, se dá conta do que fizeram as várias companhias de teatro da freguesia: onde, como, quando e com quem. Valem as ilustrações quer de cenas quer, de modo especial, dos cartazes ou folhetos de propaganda, que representam elementos históricos do maior valor. Na verdade – e isso justifica também a enchente desse final de tarde do Dia Mundial do Teatro, 2ª feira, 27 – estamos perante um livro com pessoas dentro. Pessoas em múltiplas fotografias e pessoas mencionadas no elenco de cada peça, que houve o cuidado de referir.
            Não se pense, porém, que apenas se alude ao que aconteceu no Gil Vicente, por onde, aliás, passaram nomes maiores da cena portuguesa: Eunice Muñoz, Lourdes Norberto, Maria do Céu Guerra… Não! Até as revistas encenadas nos centros de dia ou as peças levadas à cena nas colectividades locais. Estou a recordar a Sociedade Musical de Cascais, o União Recreativa da Charneca, o efémero grupo da Chesol, o que chegou a fazer-se na Sociedade Familiar e Recreativa da Torre… Claro, há destaque para o Grupo Cénico, pela sua actividade, e merece relevo a presença constante do Teatro Experimental de Cascais, que tem levado o nome da vila além-fronteiras, sob a proficiente batuta de Carlos Avilez, João Vasco e seus mais directos colaboradores. Mas se o espaço Confluência (hoje Teatro Helena Torrado) teve, por enquanto, vida efémera, quer pelo precoce falecimento de Helena quer porque Ricardo Carriço anda envolvido nas telenovelas, menção à parte merece o novel Palco Treze, onde – mormente no palco do Auditório Fernando Lopes Graça, no Parque Palmela – labutam antigos alunos da Escola Profissional de Teatro de Cascais.
            Isto para dizer que o volume ora dado à estampa, graças à clarividência do Executivo da Junta (o senhor presidente da Câmara reconheceu que o Executivo Municipal, nos últimos tempos, descurara um pouco a política das publicações), esse volume mostra à saciedade que Cascais sempre foi uma vila onde o Teatro reinou em toda a sua exuberância. O velhinho Gil Vicente, nos tempos da Monarquia, quando os reis por aqui veraneavam, tinha constantes atracções teatrais com os melhores artistas da capital…
            Folhear com atenção as 560 páginas de «Teatros de Cascais» é, pois, um regalo para a alma, um hino à tenacidade de quantos, roubando tempo à família (por exemplo), não hesitaram – e não hesitam – em mostrar que, afinal, o que o teatro nos traz é uma permanente reflexão sobre o nosso sentido da vida!
            Um forte aplauso, pois, à exemplar tenacidade dos autores, extensivo, claro, a todos aqueles que «vivem» nas páginas do livro agora apresentado.

                                                                  José d’Encarnação

Fotos gentilmente cedida por Marques Valentim.
Publicado em Cyberjornal, edição de 29-03-2017:

segunda-feira, 27 de março de 2017

A suprema beleza do nu exposta na galeria do Casino Estoril

             Não pode dizer-se que o nu só agora esteja na moda ou que seja novidade a sua representação artística. Já os escultores da Grécia antiga se esmeraram em nos legar imorredoiras estátuas de deuses e de atletas no esplendor da sua nudez. Curiosamente, começam a propagandear-se espectáculos teatrais onde o nu parece ser o chamariz, mas não esquecerei, ao invés, a magnífica exposição que Brian Adams levou a efeito numa das galerias do Centro Cultural de Cascais, em que apresentou, sem vestes, algumas das nossas figuras públicas (Fig. 1). A própria Gisela João optou por dar ao seu mais recente disco o título «Nua» e não temos dúvidas de que é também de artista a foto que ilustra a capa (Fig. 2).
Fig. 1 - Cuca Roseta, por
Brian Adams (Outº 2014)

            O que Luís Viegas Mendonça ora nos mostra na galeria do Casino Estoril é, porém, o culminar de um aperfeiçoamento artístico do melhor que tenho visto.
            Primeiro, porque foi escolhido como tema o corpo feminino, sempre mais gracioso (queiramos ou não) do que a figura masculina; depois, porque se trata de 25 fotografias a preto e branco, onde o jogo da luz e da sombra desempenha relevante papel estético, para além – é claro! – da forma como os modelos se posicionam, a emprestar inigualável beleza ao conjunto, na medida em que – e esse é um aspecto deveras notável – se não tenha cedido um milímetro à fácil tentação de sugerir uma pontinha que fosse de erotismo. Nada disso! É a Mulher (exacto, com letra grande!), é o corpo da Mulher a transmitir-nos uma enorme sensação de serenidade, envolvido em ímpar halo de beleza (Fig. 3).
            Costuma dizer-se que é «exposição a não perder» e o apelo pode, por vezes, soar a corriqueiro ou banal. Aqui, porém, assume pleno significado: é mesmo exposição a não perder e a ser vista, aliás, sem pressas.
Fig. 4 - Luís Mendonça com Nuno Lima
de Carvalho, director da galeria
         O autor, Luís Viegas Mendonça (Fig. 4) – conta-nos a informação distribuída à imprensa –, nasceu em Lisboa, a 7 de Novembro de 1958. Iniciou-se na fotografia em 1974, como amador, tendo mantido essa actividade até hoje. De 1979 a 1983, trabalhou no Instituto de Oftalmologia Dr. Gama Pinto (fotografia médica). Simultaneamente, de 1981 a 1983, foi fotógrafo de moda para as Confecções Pulido e para a cadeia de lojas Chez Elle. Tem trabalhos publicados em livros de várias áreas, em brochuras publicitárias e em revistas da especialidade. É autor do livro “Arte Nua – A Beleza da Forma” e co-autor de “Olhar a Nu”. Foi distinguido, entre outros galardões, com o 1º Prémio, na categoria “Fashion”, dos 2016 Hotshoe Black & White Photography Awards (2016 Fashion Photographer of the Year).
         Uma nota muito positiva também para o catálogo, cuja abertura é da autoria do insigne fotógrafo António Homem Cardoso, que, na sua simplicidade (ia a escrever «nudez»), nos diz muito mais do que elaborados memorandos. O texto «NUS NO. (ponto)» constitui – não apenas na sagaz originalidade do título – um hino à beleza da arte fotográfica: «Os sonhos passam ao largo dos olhos, reflectem-se neles, para logo depois se fundirem nos tons quentes do leito da ternura». Lindo!
         A exposição «Arte Nua A Beleza da Forma» vai estar patente até 18 de Abril.

                                                  José d’Encarnação

Fig. 2 - Capa do CD «Nua», de Gisela João

Fig. 3 - Uma das fotografias da exposição «A Beleza da Forma»

 


 

 

Uma justa homenagem

            Quisera dar título mais sugestivo a esta crónica; mas, afinal, mantive-me no que é, aparentemente, um lugar-comum.
            O voto de louvor proposto e unanimemente aprovado na sessão camarária de 7 de Fevereiro último a Manuel João Faísca, atleta são-brasense de 72 anos, que continua a acumular vitórias, merece, também ele, louvor.
            Não há dúvida que Manuel João Faísca, da equipa de Atletismo da Associação Cultural Sambrasense tem brilhado a nível nacional e internacional, nas mais diversas provas e ainda se mantém jovem, apesar de ancião, contribuindo, assim, como reza a proposta do vereador Acácio Martins, «para uma boa educação desportiva» e constituindo «incentivo a todos os atletas e essencialmente aos jovens do nosso concelho». Justo é reconhecê-lo, alargado que foi – e bem! – esse louvor «aos colegas, familiares, equipa e a todos aqueles que o apoiam incondicionalmente».
            No entanto, o que a mim mais me conforta, para além do facto de Manuel Faísca se juntar assim a uma plêiade de são-brasenses que, nas mais diversas actividades, ultimamente têm dado brado a nível nacional e têm contribuído para colocar S. Brás de Alportel, pelas melhores raspões, no centro dos noticiários nacionais, o que mais me conforta é a atitude camarária. Temos exemplo de muitas câmaras que, apesar de se proclamarem pelos munícipes, pelas pessoas, não têm a sensibilidade suficiente para honrar quem, de uma forma ou doutra, honra o seu município. E em S. Brás de Alportel não é assim!
            Por isso, o meu regozijo é duplo: pela juventude de Manuel Faísca (já não posso dizer «quando for gd quero ser como ele», porque temos exactamente a mesma idade e, por mais que ‘pedalasse’ nunca lhe chegaria aos calcanhares, porque a minha ‘guerra’ é outra) e , de modo muito especial, pela atitude, de muito louvar, do executivo camarário que temos. Um duplo abraço de parabéns!

                                                           José d’Encarnação

Publicado em Noticias de S. Braz [S. Brás de Alportel] nº 244, 20-03-2017, p. 11.

quinta-feira, 23 de março de 2017

Um pedido de auxílio

            Tiago Godinho, residente em Cascais, tem 38 anos e sofre de esclerose múltipla. Os primeiros sintomas, de desequilíbrio, ocorreram em Junho de 2009, e determinaram, naturalmente, a realização de múltiplos exames, de modo que só em Dezembro de 2010 a doença foi claramente diagnosticada.
            Desde aí tem sido uma corrida contra o tempo, a tentar tudo para retardar o inevitável avanço da esclerose. Em 2014, submetido a uma junta médica, foi-lhe determinada 60% de incapacidade, prevendo-se uma reavaliação em 2019; no entanto, o mal progredia a olhos vistos e, por isso, houve nova junta médica, em 2016, e o grau de incapacidade passou de imediato a ser de 75%.
            Tiago tem dois filhos pequenos, mora num andar sem elevador (conseguiu obter meios para instalar uma cadeira de acesso na escada). Em casa, desloca-se com um andarilho ou agarrado às paredes; nos dias em que se sente pior, recorre à cadeira de rodas. Na rua desloca-se numa motinha própria, que pesa 30 kg e, por isso, só a consegue tirar e pôr no carro com ajuda.
            O panorama é, pois, grave e o avanço da degenerescência – ainda que muito a custo travado pela medicação – faz-nos antever que, dentro em pouco, a qualidade de vida do Tiago seja muito seriamente afectada. Pensou-se, por isso, em recorrer à aquisição de um robô, que lhe permitirá suprir a falta de movimentos que dia a dia se torna mais dolorosa.
            Pode ver-se em http://www.matiarobotics.com/ o tipo de robô adequado, cujo preço está orçado em 25 000 euros. Por isso se decidiu abrir esta conta de apoio em nome de Tiago Luís Mira Godinho, na agência do Santander Totta, de Miraflores.

            NIB: 0018 0003 44332534020 88
            IBAN: PT50 0018 0003 44332534020 88
 
            Escusado será dizer que todas as dádivas serão bem-vindas!
            Obrigado pela atenção que dedicou e puder dedicar, a esta dramática situação, inclusive partilhando-a, se lhe parecer bem.
                                                                       José d’Encarnação

quarta-feira, 22 de março de 2017

Carteiros-autómatos? – Não, obrigado!

             «‒ Aí vem o homem, Sr. Pertunhas; aí vem, Graças a Deus que aí vem! ‒ diziam todos à uma.
            O funcionário principiou a impacientar-se.
            ‒ Então! Então! Por onde há-de ele entrar, fazem favor de me dizer? Saiam, saiam. Não ouvem? Então não fazem caso das minhas ordens? Dêem lugar. Não vêem que estão molestando este senhor?».
            É passagem por de mais conhecida d’A Morgadinha dos Canaviais, de Júlio Dinis. A chegada do carteiro por que todos ansiavam. «Hoje então, que chegam as cartas do Brasil, ninguém pára com este povo» ‒ comentara Bento Pertunhas para Henrique, recém-chegado a Alvapenha. «Há, de facto, poucas cenas tão animadas como a da chegada do correio e das distribuição das cartas em uma terra pequena», comenta, mais adiante, Júlio Dinis, que não hesitou em contar a cena da Joana Pedrosa, de Serzedo:
            «‒ Aqui estou; será do meu António, senhor? disse uma velha, pobremente vestida.
            Será do seu António será respondeu o insensível funcionário ; o que lhe posso dizer é que traz obreia preta.
            A mulher, que tremia ao receber a carta, deixou-a cair, ouvindo aquelas sinistras palavras. Apanharam-lha; e ela, tomando-a, saiu da loja, a chorar lastimosamente
            Não sei se ainda assim é; mas lembro-me de que, um dia, ao ir ao Lar das Fisgas, havia um grupo de utentes à porta. Compreendi depois: estava na hora de chegar a carrinha dos Correios. E relembrei também, nessa altura, a cena d’A Morgadinha, que, confesso, lida quando eu ainda era adolescente, jamais esqueci.

E porque me recordei dela, agora?
            Pelo contraste que sinto – embora, como também já dizia Júlio Dinis, «nas grandes cidades dispersam-se estas comoções; passam-se no recato dos gabinetes de cada um». Mas… passam-se! Que alegria temos hoje, ao receber uma carta manuscrita, quando já nos habituámos à pressa atabalhoada do correio electrónico, que por vezes nem «assunto» traz!... Que ternura sentimos por quem disponibilizou um pouco mais do seu tempo a escrever-nos à mão? Até o abraço ou o beijinho aposto no final sabem melhor que a estereotipia do «beijinhos!» que hoje se atira a torto e a direito, amiúde sem se pensar bem no que o beijinho significa!...
            Respondi recentemente, por escrito, a um inquérito dos CTT; e, como sou cliente do balcão da Pampilheira, marquei praticamente tudo com «excelente», porque é verdade – e sou dos que vai aos correios praticamente todos os dias e todos os dias recebo correspondência.
            Aconteceram-me, porém, quatro cenas que não resisto a contar, porque nada de bom – a meu ver – já indiciam.
            Primeira: as queixas de gentes de Janes e Malveira, onde (disseram-me) a correspondência se perde por caixas alheias.
            Segunda: o ter apanhado na minha caixa de correio, não apenas a correspondência para mim mas também a de dois dos meus vizinhos (e não era a primeira vez).
            Terceira: o de ter enviado uma carta para a direcção da revista do Arquivo Municipal de Loulé, que tem o curioso nome de Al’ulyã, e ela me ter sido devolvida por o destinatário ser «desconhecido».
            Quarta: o de ter remetido, a 27 de Fevereiro, um embrulho para o Centro de Documentação 25 de Abril, em Coimbra, que me foi devolvido, a 7 de Março, porque o destinatário… «mudou-se»!
O destinatário... mudou-se! Mas sabe-se para onde se mudou!
            Explico a 1ª e a 2ª por estarem os CTT, agora privatizados, a utilizar jovens do Fundo de Desemprego, sem que lhe seja dada a necessária formação. Explico a 3ª por o carteiro de Loulé – e o respectivo chefe do Centro de Distribuição Postal – não terem ainda a cultura suficiente, para saberem que existe na sua terra uma revista cultural, editada pelo Arquivo Municipal, e que já vai no seu 16º ano de existência. É pena!
            Explico a 4ª, porque o Centro saiu dessas instalações há algum tempo, mas tem papel à porta a dizer onde agora está.
            Portanto, no que se refere à 3ª e à 4ª cenas, das duas uma: ou há uma ordem superior para que se proceda à devolução nessas circunstâncias ou entrámos definitivamente na era do automatismo despersonalizado, muito longe, por conseguinte, da cena d’A Morgadinha, e não existe aquele sentimento de que ali vai uma mensagem pessoal, por que porventura alguém há muito espera e que vale a pena tentar fazer chegar ao destino, evitando até mais despesas, tanto da empresa como dos utentes.
            Por isso eu digo: senhores, carteiros-autómatos não, obrigado!
                                  
                                               José d’Encarnação
 
            Publicado em Costa do Sol Jornal, nº 179, 22-03-2017, p. 6.

 

domingo, 19 de março de 2017

A vergonha que eu passei!...

             Preparei minuciosamente, como convinha, a apresentação daquele monumento epigráfico do Museu Nacional de Arqueologia. Era a «peça do mês» e há, normalmente, pessoas interessadas em saber um pouco mais do valor histórico da «peça», pois decerto não foi escolhida por mero acaso. Além disso, eu tinha de assumir, com competência, o papel de especialista na matéria. De resto, eu próprio sugerira a escolha, dada a singularidade do texto: datado do ano 44, dava conta do preito de menagem anual solenemente prestado pelos habitantes da cidade de Ammaia ao imperador Cláudio.
            Aconchegado era o recanto escolhido do museu, mesmo ao lado da pedra inscrita, cuja imagem, para melhor visibilidade, também se projectou num ecrã.
            Lá lhes fui dizendo que, sendo homenagem ao imperador, o nome do soberano era, na frase, o complemento indirecto e, por isso, estava em dativo, o caso latino correspondente. Depois, assinalava-se a data, como convém a cerimónias relevantes; assim, a menção de que tudo se passara quando o imperador estava no seu 4º poder tribunício constituía o complemento circunstancial de tempo e esse era o motivo para usarmos aí o ablativo.
            Enfim, a meu ver, uma explicação serena, para um grupo simpático de pessoas dotadas de suficiente cultura para compreenderem perfeitamente a mensagem a transmitir. E preparava-me para dar a sessão por terminada, quando um dedinho tímido se levantou e, perante as ajustadíssimas observações feitas, eu… corei de vergonha!
            ‒ É que, professor, já não há complementos circunstanciais, é tudo complemento oblíquo!
            Agradeci, pedi desculpa, reconheci a ignorância.
            De regresso a casa, jurei que iria actualizar-me. Quando, porém, busquei no computador o que poderia elucidar-me (lembrava-me vagamente dum tal TLEBS…), saltou-me o texto da recentemente premiada Teolinda Gersão, que pode encontrar-se pondo no google «Redacção – Declaração de Amor à Língua Portuguesa». Foi publicado no Público a 18/06/2012. Essa nova terminologia está prenhe de conceitos filosóficos, ao que parece – e eu apanhei 10 na prova escrita de Filosofia do 7º ano no Liceu Nacional de Bragança!... Portanto, com a bênção de Teolinda, vou continuar sacrílego: essa do complemento oblíquo não me entra na cabeça! Assim como os exemplos que Teolinda apresenta: «hiperonímia, hiponímia, holonímia, meronímia». «Palavrões por palavrões, eu sei dos bons», conclui Teolinda, pondo a frase na boca de um dos netos. Esses, os bons, «ajudam a cuspir a raiva»; agora, o complemento oblíquo…

                                                                          José d’Encarnação
 
Publicado em Renascimento [Mangualde], nº 704, 15-03-2017, p. 11.

segunda-feira, 13 de março de 2017

Canteiros de S. Brás de Alportel

«Arranca o estatuário uma pedra dessas montanhas, tosca, bruta, dura, informe; e, depois que desbastou o mais grosso, toma o maço e o cinzel na mão…» – assim o Padre António Vieira; assim, os canteiros de S. Brás.
Sentiram, desde cedo, o apelo do seu calcário e deixaram-se seduzir, numa relação amorosa que lhe aguçou o engenho e os tornou peritos na arte de afeiçoar a pedra a seu bel-prazer. Demandaram Marrocos e foram famosos. Demandaram, nas décadas de 40 e 50, Cascais e outras terras da Grande Lisboa, onde imponentes obras os chamaram. E, na sua terra, esmeraram-se nas esculturas, no baixo-relevo, no requinte do pormenor daquele lintel de porta ou na perfeição arquitectónica daquele jazigo.
Mestres numa arte deveras imorredoira, levaram bem longe o nome de S. Brás. Merecem, pois, que os imortalizemos também.
 
                                                                  José d'Encarnação

              Nota: Foi este texto, subordinado ao título «Circular no presente pelas histórias do passado… Rotunda dos canteiros», inserido na agenda cultural São Brás Acontece, Câmara Municipal de S. Brás de Alportel, Março 2017, p. 16. Precedeu-a a seguinte explicação, da autoria da coordenadora da edição, Dra. Marlene Guerreiro:
                «À rotunda da Variante Sul que dá acesso, para norte, ao sítio da Calçada; e, para sul, ao sítio dos Funchais, terra rica em rocha calcária, onde ainda se localizam algumas das pedreiras do concelho, foi atribuída a simbólica designação de Rotunda dos Canteiros num convite a conhecer melhor este ofício que marcou a história de gerações…».

quinta-feira, 9 de março de 2017

O sangue do dragão escorre em Cascais…

            ‒ E olha aquela árvore ali! Só tem ramos lá em cima, parecem longos dedos, não vês? Coisa do outro mundo deve ser! Vou cortar um!...
            Deu, porém, um largo passo atrás e decerto desataria a fugir se o companheiro o não parasse. É que, da ferida, começara a escorrer um líquido leitoso, sangue, como se a árvore fosse um ser humano que duende antigo nele o houvesse transformado!
            ‒ É um dragão, só pode ser! O melhor é voltarmos já para a praia!
            Assim imagino eu o primeiro encontro, no século XV, dos portugueses com a singular árvore do dragoeiro, ao penetrarem um pouco mais na vegetação da ilha da Madeira, tão estranha é, de facto, a sua configuração.
            Pouco a pouco, porém, os colonos que foram povoando a ilha, terão perdido o receio e arriscaram-se a observá-la mais de perto. Deitava um sangue bem vermelho; pelo estranho aspecto, parecia, de facto, poderoso dragão – daí o nome que lhe puseram. Tingia as mãos e as roupas, mas, afinal, não fazia mal nenhum. Antes pelo contrário! Por isso, o sangue do dragão, sanguis draconis, depressa começou, sem grande alarde, a ser usado em tinturaria e, até, em fármacos (ainda será possível, quiçá, encontrar em farmácias muito antigas um frasco com esse rótulo). Considera-se, por tal motivo, uma árvore protegida, por correr risco de extinção.
            Na Madeira, os últimos temporais (mormente os do Outono de 1982 e Fevereiro de 2010), arrancaram os dois exemplares seculares selvagens que haviam resistido à acção devastadora dos homens e das intempéries. Há-os nos Açores e nas Canárias, onde o dragoeiro chegou a constituir a árvore sagrada do povo guanche, assinalando os locais onde deveriam ser realizados, de preferência, os tradicionais rituais religiosos; é, também por isso, aliás, o símbolo da ilha de Tenerife

Uma mata desprotegida
            Pelo seu clima, Cascais assume-se como território propício à propagação do dragoeiro. Que eu saiba, existe um no jardim duma das vivendas do Bairro das Chetainhas, na Charneca; há outro, secular, na cerca do Hospital de Sant’Ana, na Parede; a Associação de Moradores da Quinta da Carreira (S. João do Estoril) adoptou-o como logótipo, por na Quinta existir um, vetusto também.
Dragoeiro da Quinta da Carreira (S.João do Estoril)
            Já aqui tive ocasião de me referir à mata de dragoeiros, que há à entrada do Parque Palmela. É a maior do País e será, porventura, uma das mais desconhecidas, inclusive das autoridades que pela sua preservação deveriam zelar.
            Explico-me.
            Vasco Manuel Almeida da Silva, do Centro de Ecologia Aplicada “Prof. Baeta Neves” (Instituto Superior de Agronomia), escreveu, numa revista especializada espanhola (Borteloua, 21, 2015, p. 123-133), o artigo «A mata de dragoeiros do Parque Palmela em Cascais (Portugal), contributos para a sua valorização. Aliás, já em nota inserida no Jornal de Cascais (28-03-2012, p. 4), eu me congratulara com o facto de ter sido, então, esse conjunto classificado como “de interesse nacional” pela Autoridade Nacional Florestal (Aviso n.º 5/2012).
Recanto da mata de dragoeiros do Parque Palmela
            Ora acontece que, apesar de havermos insistido, ainda se não deu à mata a atenção devida e não se logrou arranjar outra colocação para o painel publicitário que a oculta. Nesse sentido, enviou-me Vasco da Silva mais um alerta, a 19 de Janeiro último:
            «Quando passava no carro pelo Parque ia avistando intervenções na Mata e romanticamente visualizava uma pedra a ser arrumada no trilho, um pinheiro a ser desbastado em favor de um dragoeiro, a amontoa de terra no pé das eufórbias para sustentar o seu porte...
            Na realidade houve um corte (e bem!) de um pinheiro, mas de mais duas eufórbias que passaram a cepos... e os arranjos resumem-se ao cimentar das estruturas em pedra, paisagismo digno da década de 80...
            Tanta ignorância, Cascais! Quem acode ao seu património?».
            Entre os dragoeiros, havia, na verdade, quatro exemplares de Euphorbia piscatoria (Aiton), cuja classificação como ‘de interesse nacional’ também já fora proposta, dada a sua raridade; tem o nome comum de figueira-do-inferno e curiosas flores; agora, são cepos!…
Um painel publicitário que poderia mudar de lugar...
            E assim, por detrás de um painel publicitário que teima em ficar, vai escorrendo, ingloriamente, por Cascais, o precioso sangue do dragão!...

                                                                     José d’Encarnação

Publicado em Costa do Sol Jornal, nº 177, 09-03-2017, p. 6.

 

segunda-feira, 6 de março de 2017

Escarafunchar

            ‒ Ó Ruizinho, deixa o nariz! Sempre a escarafunchar, sempre a escarafunchar!...
            A Rosária tem, além doutros, dois problemas: o neto, o Ruizinho, o môce pequeno que teima em tirar as cocas do nariz, e o pai, já de 80 anos, não é môce pequeno, mas que, vai não vai, se põe a remexer as gavetas.
            ‒ Ó pai, não escarafunche mais aí! O seu relógio está na mesinha-de-cabeceira! Deixe as gavetas! Vossemecê atamanca-me tudo, senhor! Mexe-me num moitão de coisas, que até me causa engulhos! O relógio está ali!
            Escarafunchar.
            Reza um dos dicionários que escarafunchar vem do latim scariphunculare; será, porém, latim popular, decerto, porque, nos dicionários normais, esse termo não aparece. Há é o verbo «scariphare», do grego σκαριφάομαι, «esfolar», e a «scariphatio» é… a esfoladura.
            Claro, nem o Ruizinho se esfola, decerto; nem o ancião fica com escaras por causa de escarafunchar nas gavetas; contudo, é curioso verificar que «escara», a crosta de uma ferida, é da mesma raiz etimológica e existe no latim: «eschara». E que também há um outro termo que lhes é aparentado: furúnculo (do latim, «furunculus»).
            Pronto, já sei: escarafunchar não é palavra só do Algarve e não precisava, amigo, de nos vir com essa história agora! Tem razão: não devia ter escarafunchado; mas quero contar-lhe um segredo: o que eu vejo mais agora é gente a escarafunchar! E sai de lá depois cada novidade, que os tribunais até gostavam que se não escarafunchasse tanto!...
            ‒ Tira o dedo do nariz, Ruizinho! Malvado do môce pequeno!

                                                    José d’Encarnação

Publicado em VilAdentro [S. Brás de Alportel] nº 218, Março de 2017, p. 10.

quinta-feira, 2 de março de 2017

O espremedor de sumos

       Já percebi que me não posso dar ao luxo de ter tudo à mão de semear. É bonito ter os vários dicionários a jeito para só virar a cadeira e pegas num e fica a dúvida resolvida. Ou então, já tens prática de ir ao Google, sabes usá-lo com perícia e são critério e tens tudo à distância de um clique. Podes, por conseguinte, passar a manhãzinha sentado diante do ecrã do computador (já mudaste de óculos, para não cansar a vista…), sem teres de te levantar para ir à prateleira buscar o cartapácio, que, aliás, o Google também já fez o favor de digitalizar para ti e a ele acedes, por isso, num ápice.
      És capaz de, ao levantares-te para o almoço, sentir assim como que um tolher de pernas, a necessidade de te espreguiçar, mas dizes logo que isso passa. Passa hoje, passa amanhã, passa semanas a fio. E, de um momento para o outro, ai que tenho de ir para o ginásio, que já não me aguento bem nas pernas!...

Apesar da sua (relativa) provecta idade, o Baltazar
dá o exemplo: uma boa caminhada diária pelo jardim...
      Temos, na verdade, nós, os escritores, a vida bem simplificada, mormente se soubermos lançar mão a todos os recursos que o dia-a-dia nos oferece, desde que, repita-se, se não descure o físico, o movimento até à estante, o esticar as pernas durante uns dez minutos para ver – nós, os burgueses… – se o jardim está mais florido ou se as lagartas andam por i ou se o sr. Baltazar (o cágado) decidiu já hibernar ou quer comida…
      Deu-me para aqui, hoje, amigo leitor, e peço desculpa, porque necessito de lhe dizer que é bem verdade aquele aforismo que reza assim: «Aprender até morrer!». E eu, esta semana, aprendi duas coisas – e depois chamei-me de estúpido.
      Primeira: esqueci-me da palavra-passe para aceder às mensagens do telefone fixo; não a apontara em sítio nenhum e já estava a dizer para comigo: «Ora, se precisarem de mim, voltam a telefonar e escuso-me de me ralar. Acabaram-se as mensagens!». Levanto-me e olho para o miserável do telefone e leio, escarrapachado a branco sobre o negro, com todas as letras: MENSAGENS. Para as ouvir, bastava carregar na tecla! Tenho o aparelho há anos e lá estava eu sempre a discar o código!
      Segunda: gosto de beber, pela manhã, o meu sumo de laranja natural. Teoricamente, o espremedor tem quatro ventosas na base, que o mantêm quietinho e eu, com mãos ambas, acaricio a metade da laranja até nada lhe restar senão a casca. Aconteceu, porém, que as ventosas entraram em greve e o espremedor deu em dançar e eu a aborrecer-me com a dança. Até que descobri: agarra-me no espremedor com uma das mãos e espreme a meia-laranja com a outra, daáã!... Fácil, não é? Demorei anos a descobrir! Como, só agora que as cruzes começam a dizer que existem, é que lembro do exercício físico e da vantagem de ir vasculhar as estantes de quando em vez!

                                                          José d’Encarnação
 
Publicado em Renascimento [Mangualde], nº 703, 01-03-2017, p. 11.

quarta-feira, 1 de março de 2017

A opinião de um leitor

          Chega-me «às mãos» e recebo-o sempre com muita curiosidade o P&V (Ponto & Vírgula), oportuna produção do GIC da Calazans Duarte. Sinto por detrás dele o dinamismo imparável da Dra. Alice Marques, que, depois de ter completado o curso de História, em que foi brilhante aluna e eu tive o privilégio de ser seu professor, tirou o Curso de Jornalismo, que entretanto lográramos criar na Faculdade de Letras. Fiquei contente por isso, uma vez que também eu sempre me partilhei, desde jovem, por dois «amores»: a História e o Jornalismo.
            Por isso, sempre lutei para que as escolas tivessem os seus jornais como meio de cimentar comunidade e ajudar essa comunidade a crescer.
            P&V cumpre essa função, com a multiplicidade de rubricas que apresenta, numa colaboração activa entre docentes e estudantes. O seu êxito é enorme e com isso me congratulo, pois, criado a 21.9.2014, já tinha 81788 visitas quando eu li, agora, o número de Fevereiro.
            As rubricas estão em coluna à esquerda e as imagens remetem para o texto, se se clicar no «continuar». É pedagógica essa liberdade: vais ler se o assunto te suscita interesse. Claro, as rubricas foram-se mantendo de uns números para outros e é por isso que podes encontrar textos, por exemplo, datados de Outubro e que porventura já leste. Ou seja, ao contrário do que se poderia pensar – e creio não estar errado – P&V é mensal mas é, também, dos meses anteriores a que podes aceder, sobretudo se, na altura, por serem um tudo-nada extensos, não tiveste pachorra para os ler.
            Que rubrica me agrada mais? A do «anos depois», porque mostra um caminho que se seguiu e em que a Calazans teve importância fundamental. E no de Fevereiro, o testemunho eloquente da Mariana, que logrou superar o cancro, que a acometeu tinha dez anos, assim como a imagem de Nujood: «I am Nujood age 10 and divorced»…
            Um jornal de Escola que vai, portanto, muito para além dos muros da Escola, na consciencialização plena de que todos somos pessoas num mundo onde devemos actuar.
            Parabéns!
                                   Cascais, 9-2-2017
                                                               José d'Encarnação
 
P. S.: O atalho para esta deveras significativa e modelar publicação de uma escola - edição deste mês de Março é o seguinte: http://age-mgpoente.pt/gic/ . Vale a pena dar uma espreitadela!