sexta-feira, 29 de abril de 2016

Indignação e regozijo

Indignação
            Pergunto-me, amiúde, se vale a pena uma pessoa indignar-se. É assim a modos de, em termos pessoais, fazermos um tratamento psicológico. Uma pessoa deixa extravasar a momentânea raiva que lhe vai na alma e depois sente-se melhor. Daniel Oliveira, no seu excelente programa «Alta definição», que passa na SIC no começo dos sábados, entrevistou, a 23, o nosso melhor tenista, João Sousa, e perguntou-lhe, a dado passo, se já lhe dera para partir a raquete. Sim, claro, já partira! «Para aliviar a raiva!».
            Não vou partir nenhuma raquete nem um prato sequer. Lavro mui singelamente aqui a minha indignação, até porque acredito cada vez menos nas instituições tal como elas hoje são geridas.
            ‒ E podes, de uma vez por todas, explicar porque estás indignado?
            ‒ Sim. É muito simples: a minha Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, alfobre de tantos luminares que, séculos afora, terçaram armas pela defesa da Língua Portuguesa, decidiu veicular as suas informações através de uma… newsletter!
            Barafustei, claro, e dei conta das mil e uma hipóteses de designar veículo idêntico. Debalde. É moda, menino, é moda! E também já não há cartazes, mas posters; não temos desdobráveis, mas flyers (é com i ou com y?...). E corre voz que as reuniões do Conselho Científico deverão passar a chamar-se… brainstormings, cujos membros serão, pois, convocados através de uma mailing list…

Regozijo
Placa toponímica em Miranda do Douro
            Por isso tudo me regozijo, ao verificar que o Povo autêntico está, cada vez mais, a prezar a sua identidade, não apenas nos comeres e nas festanças, mas também no modo de falar como era antigamente. Não é consolador chegar a Miranda e ver que as placas toponímicas são bilingues e que é o mirandês que está em primeiro?
            E começámos a descobrir os provérbios, as lengalengas, os ditos dos nossos avós. Na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (Universidade Nova de Lisboa), pelo entusiasmo de vários docentes, entre os quais cumpre destacar a Doutora Ana Paula Guimarães, munícipe de Cascais, há o Instituto de Estudos de Literatura Tradicional, que, sem newsletter, vem publicando obra de mérito. Na Academia das Ciências de Lisboa, sob orientação de outra Ana – Ana Castro Salgado – há o Instituto de Lexicologia e Lexicografia da Língua Portuguesa, que vai promover no próximo dia 25 de Maio «uma reflexão conjunta sobre a língua portuguesa como idioma do futuro». De aplaudir!
Capa do livro «Passatempo Proverbial»
            Perdoe-se-me, porém, se o meu aplauso de hoje vai para além-fronteiras. Ou seja, enquanto os indígenas se deixam vislumbrar pelos anglicismos reinantes, há em Hamburgo – a cidade mais portuguesa da Alemanha – quem se tenha deixado seduzir pelo idioma luso e, depois de ter publicado «Português, Meu Amor», a dar conta da beleza de muitas das nossas frases únicas, lançou no passado dia 7, com pompa e circunstância, a obra «Passatempo Proverbial» (em alemão, «Spaß mit portugiesischen Sprichwörten»), onde, de uma forma divertidíssima, se compraz em explicar aos Alemães o que reza a sabedoria popular portuguesa. Tudo é esmiuçado na sua razão de ser e magnificamente ilustrado, com a fina ironia de que Marlies Schaper é capaz. Novo lançamento está previsto, também em Hamburgo, a 31 de Maio, no Kulturhaus Eppendorf, «onde haverá», reza a publicidade, «a oportunidade de adquirir os originais e regar a compra com um copo de bom vinho do Douro». Não é uma maravilha? Ou melhor: não é… uma valente bofetada?
            Peter Koj, o autor, residiu em Cascais largos anos, enquanto durou a sua comissão de serviço como professor na Escola Alemã. Dedicou-se afincadamente à aprendizagem da língua portuguesa; mantém assíduo contacto com escritores portugueses que a Hamburgo se deslocam. E foi agraciado, a 30 de Maio de 1996, com o Prémio da Fundação Casa da Cultura de Língua Portuguesa (Universidade do Porto), entregue pelo Chefe do Estado, mercê da ampla difusão que faz de Portugal, da sua língua e dos seus costumes.
            Um regozijo que quase neutraliza, pois, a indignação – na esperança que tenho de que se recorde ser a língua um património a defender, até porque foi com essa intenção que, solenemente, a 17 de Julho de 1996, se constituiu a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – CPLP. Ou terá sido também essa criação mera formalidade com fogo-de-artifício?                                                  
                                            
                                                José d’Encarnação

             Publicado em Costa do Sol Jornal, nº 137, 27-04-2016, p. 6.

«Nem tudo o que vem à rede é peixe!»

quinta-feira, 21 de abril de 2016

A cerimónia do chá

            Teve dois aspectos bem sugestivos e relevantes a exposição intitulada «A cerimónia do chá», levada a efeito no pátio da Santa Casa da Misericórdia de Cascais nas tardes do passado fim-de-semana, 16 e 17 de Abril.
            O primeiro foi dar a conhecer, mais uma vez, quão acolhedor é aquele espaço, sito em pleno coração da vila e que a Santa Casa nem sempre tem oportunidade de aproveitar mas que de bom grado disponibiliza para iniciativas com ele condizentes. Só visto é que se dá conta das bem agradáveis condições que oferece.
            O segundo foi a exposição em si, seguramente, neste caso, o aspecto mais importante, por dar a conhecer os objectos de barro que utentes dos Centros de Convívio da Galiza e Vinhais e do Centro de Dia de S. Miguel, ligados à Santa Casa, se deram ao trabalho de fazer, no âmbito do projecto “Caminhos do barro”. Mas não havia que admirar apenas as chávenas, os bules e os pires, de mui apurado bom gosto, mas também as próprias toalhas de mesa bordadas.
            Um regalo para a vista, sim; mas também – e eu ia a escrever fundamentalmente – um regalo para o espírito, por assim se revelar como a chamada «terceira idade» tem ainda muito para dar, com entusiasmo e vontade de plenamente viver o seu dia-a-dia, plena de positiva motivação. E isso muito me apraz salientar, pelo que revela do espírito que se logra manter nestes centros de dia, onde, mercê das circunstâncias, cada vez há menos utentes que tenham possibilidade de encarar a vida em radiosa perspectiva.
            São iniciativas destas – a repetir sempre que possível – que mostram a longa e nem sempre desprovida de dificuldades tarefa, cada vez mais premente, de acompanhamento dos idosos, numa época em que as famílias não dispõem de tempo para os acarinhar.
            Acrescentar-se-á que, na primeira tarde, o espaço foi pequeno para albergar tanta gente que não quis perder pitada do bom gosto ali apresentado. E terá eventualmente chamado a atenção um móvel de ressonâncias chinesas que ocupava um dos cantos… Pois. Estava assim, abandonado e sem préstimo, numa das instalações públicas do concelho; responsáveis da Santa Casa perguntaram, comprometeram-se a dar-lhe uso e… ficou muito bem na ‘cerimonia do chá’. À chinesa!
            E assim se fazem as coisas!

                                                                                  José d´Encarnação

Publicado em Cyberjornal, 20-04-2016:
http://www.cyberjornal.net/index.php?option=com_content&view=article&id=2108:a-cerimonia-do-cha&catid=31:sociedade&Itemid=28
Não se distinguem; mostram, porém, o orgulho de quem participou.

Coração feminino que transborda...

Requinte de apresentação
Vai um chàzinho, Amiga?

terça-feira, 19 de abril de 2016

Sobre o novo musical de Filipe La Féria no Casino Estoril

             Para convidados, que por completo encheram o Salão Preto e Prata do Casino Estoril, estreou no sábado, 16, a partir das 22 h., «O Musical da Minha Vida», de Filipe La Féria.
            O título pode prestar-se a duas interpretações: este musical retrata a minha vida; ou: este musical é o que mais me enche as medidas. Não há dúvida que ambas as acepções se completam, embora acredite que não terá sido este o musical que lhe encheu as medidas, dado o seu reconhecido pendor para o perfeccionismo. É mais uma autobiografia assumida, pretexto para apontamentos musicais, a sublinhar as fases por que passou a sua existência, desde a infância em Vila Nova de S. Bento, aldeia do concelho de Serpa.

Lisboa e o resto
            São, pois, daí, desse Alentejo profundo as primeiras imagens evocativas e que me seja permitida, desde já, uma reflexão.
            Pensa-se, amiúde, que a vida cultural portuguesa está na capital e dela sempre brotou. Quiçá importe consciencializar mais uma vez que, na verdade, muitos dos seus chamados ‘agentes culturais’ têm raízes na província e foi nela que hauriram boa parte das ideias que depois em Lisboa vieram pôr em prática. E não será, pois, despropositada a tendência generalizada que ora se faz sentir no interior do País de ‘reclamar’ a memória ou recordar a actividade dos que foram (ou são) seus filhos. Viu-se, por exemplo, como Borba acarinhou Nicolau Breyner e talvez isso tenha acusado admiração a muita gente, habituada a considerá-lo alfacinha de gema.
            Filipe La Féria não desdenhou, por conseguinte, começar por aí, por mostrar as paisagens e as gentes da sua terra natal, Vila Nova de S. Bento do Mato. E fez bem.

As línguas
            E apraz-me também referir que – como é hábito nos musicais de La Féria – há legendas luminosas ao alto a explicitar as diferentes partes da acção.
            Desta feita, o autor optou por as apresentar em castelhano e em inglês, certamente para titilar o coração dos futuros espectadores, vindos do país vizinho ou, se doutras zonas do mundo, que terão o inglês como sua língua de entendimento.
            Não o critico por ter omitido o português, até porque tal opção pode entender-se também no sentido de que é mais uma prova do que é o público português agora: ele compreende bem o castelhano e adoptou o inglês, por necessidade, como sua segunda língua. Estamos conversados.

Uma autobiografia
            Conta o musical a história pessoal de La Féria, os seus estudos, a sua ida para Londres, as influências que foi tendo – através da rádio, dos filmes, da Broadway, dos Beatles, do Charlot, do prestígio da Callas, do Flower Power, do Elvis, a Revolução de Abril… Pretextos, pois, para apresentação de quadros simbólicos: o flamenco, as «Feras Amansadas», o twist, o tango, o fado (na saudade de Paris…)…
            Poder-se-ia pensar que o autor iria aproveitar excertos de trabalhos seus ou evocar artistas geniais que se notabilizaram ao longo das sete décadas da sua vida. Preferiu, ao invés, textos originais, servidos por coreografias próprias e pelas vozes do seu elenco, elas próprias, potentes, sem imitação de alheias.
O coreógrafo, Marco Mercier
            No final, mas ainda integrada no espectáculo, a mensagem: segue o teu caminho, vai sem medo, não estás sozinho, continua sempre a sonhar, tens de acreditar na vida!
            E, naturalmente, Filipe La Féria veio ao palco: fazer pormenorizados agradecimentos; manifestar apoio aos seus colaboradores, que aplaudiu; tecer considerações sobre a cultura que se faz – ou não se faz – em Portugal, sobre a ausência de incentivos aos espectáculos, incitando todos a não deixarem morrer o teatro, dado o seu imprescindível papel na vida de todos nós e da sociedade.
O talentoso figurinista Mestre José Costa Reis
            Terá funcionado também a estreia como ensaio geral, na medida em que a extraordinária versatilidade de movimentos e de opções cenográficas que o palco do Salão Preto e Prata oferece (havia, de quando em vez, acrobatas a exibirem-se sobre a plateia…), também em termos de som e projecção de imagens e de fantasmagóricos efeitos de luz, permite imaginar em ainda novas surpresas em cada sessão.
            Está, pois, de parabéns, toda a vasta equipa que soube erguer «O Musical da Minha Vida» e assim nos ajudou a sonhar!
                                                           José d’Encarnação

Publicado em Cyberjornal, edição de 18-04-2016:

Uma evocação bem sugestiva

             Escusado será dizer que apreciei deveras a crónica «Armar aos pássaros», de Manuel Brito Guerreiro, publicada na passada edição de Noticias de S. Braz (20-03-2016). Mais uma das crónicas a guardar nos anais da nossa terra!
            Primeiro, porque me fez recordar os tempos de infância, em que também eu muita vez armei aos pássaros no Verão. Depois, porque ali deu conta de uma série de termos próprios dessa actividade – o poiso, o pingalhete, as agúidas ou formigas-d’asa (que nós sempre pronunciávamos aguídas…), os cabeceiros (ou formigueiros) – assim como do instrumental que levávamos: o sacho, a lata com as formigas d’asa, as ratoeiras e, de modo especial, o aro em que, ao final da manhã, preso aos suspensórios, estariam pendurados pelo bico (assim o esperávamos!...) os troféus caçados!... Havia, em seguida, a cena do depenar, do chamuscar, do tirar as entranhas e a cabeça, antes de irem para a frigideira!...
            Pelo tempo dos figos, eram os pardais, as felosas brancas e pretas, os fuinhos… Os piscos vinham mais tarde, pela azeitona. Pintassilgos não gostávamos de apanhar à ratoeira, que os preferíamos vivos, para chilrearem na gaiola; aliás, andavam (e andam) em bandos pequenos (dir-se-ia, familiares) e fazíamos ‘buídas’, que eram uma espécie de pias chatas para eles irem beber e armava-se estrategicamente, ao lado, uma rede, que, com toda a perícia, era necessário fazer-lhes saltar para cima quando estivessem a beber…
            Aponto os muitos aspectos positivos dessa actividade infantil e juvenil de ar livre: a atenção à natureza, as caminhadas, o aprender a observar aves e plantas, o saber esperar e guardar silêncio… E caçava-se para comer, no consolo de assim se ter contribuído para uma, ainda que bem parca, refeição. Na consciência plena de que, para se terem pássaros no Verão, havia necessidade de, na Primavera, se criarem condições para a nidificação e se respeitarem os ninhos!...
            O meu abraço, pois, ao Manuel Brito Guerreiro por mais esta bem sugestiva evocação
                                                                  José d’Encarnação
 
Publicado em Noticias de S. Braz [S. Brás de Alportel] nº 233, 20-04-2016, p. 11.

sexta-feira, 15 de abril de 2016

A tirania da Informática

            E o senhor pediu a palavra, levantou-se e declarou:
            ‒ Não dou parecer favorável, porque este relatório foi apreciado há um ano!
            Estava a brincar, porque se tratava, naturalmente, de inofensiva gralha na data; contudo, era um documento oficial e havia mais adiante outros indícios de que se tivera, para poupar tempo, uma apressada atitude de «cópia e cola».
            Dei comigo a pensar na tirania da Informática, que nos poupa, de facto, longas canseiras, mas nos causa, outras vezes, mui sérias dores de cabeça, mormente quando, perante um erro evidente, nos respondem:
             Foi o computador, não há nada a fazer!
            No talão de multibanco daquela firma, há anos que a rua da sede vem indicada como sendo «de Mente Real» e é «de Monte Real»; mas… não há nada a fazer, «trata-se de um erro informático»!
            Na escritura daquela clínica puseram-na como estando localizada num bairro e está bem no coração de um outro. E não há nada a fazer: «Trata-se de um erro informático»!
            Na etiqueta de um produto sólido vem a informação de que pesa 300 ml. Chamei a atenção: mililitro é medida de capacidade! «Lamentamos, não se consegue corrigir, foi um erro informático!».
            Noutra, vem escarrapachado que ‘contém 6 unidades’, mas… estão lá é 4! Temos pena, amigo, mas não pode ser corrigido: foi um erro informático!
            A minha rua tem o código postal 662; a segunda transversal é a 663; a terceira, a 653; mas à primeira foi dado o código 560 e a do 561 está a… 1,7 km dela!... E a do 559 fica num bairro do outro lado da ribeira! Para lá se chegar, a pé, reza o Google maps que são precisos 25 minutos para percorrer esses 1,9 km! Chamei a atenção dos Correios. Lamentamos, senhor, foi um erro informático, não há nada a fazer!
            Gramava mesmo que um «Senhor Computador» se enganasse – para mais! – no processamento dos nossos ordenados e depois alguém viesse proclamar alto e bom som: «Não há nada a fazer: trata-se de um erro informático!». Porque será que, num caso desses, o estapor do computador permitiria de imediato a correcção?!... Ná! Cá para mim, essa «do erro informático» é, amiúde, mais marosca do que realidade! Oh se é!...

                                                                                  José d’Encarnação

Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 683, 15-04-2016, p. 11.

quarta-feira, 13 de abril de 2016

Na Aldeia de Juso, cumpriu-se a tradição!

            Pode parecer estranho um título assim para dar conta da inauguração de um parque urbano. Cumpre explicar-lhe o porquê.
            É que, nos anos 50 e 60 do século passado, quando havia o hábito de os moradores de uma povoação se reunirem uma vez por ano, no Verão, para “fazer um piquenique”, era no pinhal ora transformado em parque junto ao Bairro da Chesol, na Aldeia de Juso, que a população da aldeia se reunia. E «piquenique» era nome simpático e familiar para esse encontro em que se bailava, se comia e se bebia.
            Recordo que, de semelhante, era a Festa do Pinheiro Manso, ali para a banda das ‘quatro estradas’ no Alto Estoril; no lugar da Torre, chegou-se a fazer no campo de futebol que servia a pequenada da Escola de S. José da Bicuda, no topo sudeste do pinhal da Marinha; e outros piqueniques havia, aqui e além, que ninguém queria ficar sem o seu. Uma forma de cimentar comunidade, normalmente organizada pelos dirigentes das sociedades recreativas locais.
            Pois o piquenique da Aldeia de Juso era ali. Por tal motivo, quando – aqui há quase duas dezenas de anos atrás, já o Bairro da Chesol se considerara completo e os terrenos à volta eram chamariz para a construção de vivendas – se programou na Câmara a urbanização do local, a população ergueu-se, a Comunicação Social protestou e os responsáveis autárquicos tiveram que ceder: para ali não há casa que se construa! Primeiro, porque se tratava de um pinhal manso – e poucos pinhais mansos sobravam na freguesia; depois, porque era já nessa altura uma área de passeio para os moradores, além de exercer belamente a sua benéfica função de purificador do ambiente. A pretensão morreu, ainda que, no pensar dos moradores e dos que se interessam por estas questões ambientais, haveria que estar sempre alerta, não fosse, de um dia para o outro, aparecer por aí plano urbanístico aprovado…

Uma concretização feliz
            Todo esse espaço entre Birre e a Aldeia de Juso tem, afinal, larga história. Chamava-se Mato Romão e, nos anos 50 e 60, foi zona de exploração de pedra e, aquando  dos exercícios de fogos reais das várias unidades de Artilharia de Costa, era essa área que se bombardeava a sério. O primeiro aproveitamento urbanístico foi feito na orla sul, no termo de Birre, por Arnaldo Peixoto, que aí edificou o que hoje se chamaria um «condomínio», o primeiro, servido, inclusive – como se lê na pág. 7 da edição de 9 de Julho de 1960 do jornal A Nossa Terra – por «uma magnífica e limpa piscina para, nestes dias calmosos, se refrescar ou praticar desporto». «O Mato Romão», escreve-se ainda, «aguarda, apenas, que os amantes do sossego, da vida sã e pura do campo, dos locais paradisíacos, ali se instalem para gozarem de todas estas maravilhas».
            Manteve-se o pinhal a sul («O proprietário preservou-o propositadamente», lê-se no jornal); manteve-se o pinhal a norte; e, entre um e outro, surgiu, com inauguração solene a 28 de Junho de 1968, o primeiro grande estabelecimento fabril da freguesia, a Standard Eléctrica, de enorme importância económica e social para a zona – que deu lugar a uma unidade de cuidados continuados da Misericórdia de Lisboa, inaugurada a 10 de Julho de 2012. Criou-se a Chesol – cooperativa de habitação económica dos trabalhadores da Estoril-Sol – e é para os moradores desta cooperativa e das outras casas que, entretanto, se ergueram derredor que o novo parque vai servir, com toda esta história por detrás. Foi, por conseguinte, com o maior júbilo que assisti à inauguração desse espaço por completo adaptado ao convívio intergeracional e dos vizinhos.
            Mantiveram-se as árvores; criaram-se hortas comunitárias; há bancos por todo o lado; privilegiaram-se as espécies vegetais autóctones; chilreia a passarada na gaiola; propiciou-se o exercício físico de crianças e de velhos… E, sobretudo, respira-se o ar puro e oloroso filtrado pelos pinheiros!
            O nosso voto? Apenas um: que o parque viva, que nunca o deixem morrer! Agonizante está, não muito longe, em Murches, o desgraçado Parque Urbano das Penhas do Marmeleiro ou até mesmo um outro, também ele no coração de bairro nobre, o do Bairro do Rosário, defronte à Escola João Lúcio de Azevedo. Estou convicto, porém, que seria agravado crime de leso património – e não haverá quem o queira cometer!
                                                           José d’Encarnação

Publicado em Costa do Sol Jornal, nº 135, 13-04-2016, p. 6.
A vista para a entrada do lado sul, com um trecho do pomar em primeiro plano

A panorâmica para o pinhal de sul para norte e a amplidão do espaço

As hortas comunitárias

A gaiola que se enche de chilreios...

 
 
Post-scriptum (a 04-05-2016):
As Penhas do Marmeleiro, em Murches, foram alindadas!
               Queixara-me, no final do texto acima, sobre o Parque da Aldeia de Juso, que mereceria maior atenção o parque das Penhas do Marmeleiro, onde, há anos, energúmenos haviam queimado o «forte apache» e, mais recentemente, o incêndio queimara parte dos passadiços e haviam sido vandalizados os painéis explicativos. Fui hoje mesmo informado pela Cascais Ambiente de que a situação mudara, dando-me inclusive a informação do Serviço de Espaços Verdes da Câmara de que «este espaço encontra-se em condições razoáveis de manutenção, muito distante do alegado "abandono"». Congratulo-me e junto duas das fotografias que tiveram a gentileza de me enviar, onde se vê que inclusive outro 'forte' foi construído para gozo da pequenada. Parabéns!
 

O cozidinho de grão

            ‒ Engraçou comigo a Ti Marquinhas! Ó tempo que eu não comia cozidinho de grão assim! Ó tempo! De estalo, amiga, de estalo! E com um toicinhinho entremeado que só visto!...
            Calhei a ouvir a conversa. Cresceu-me logo água na boca e dei comigo a anotar de imediato a frase.
            Primeiro, por mor do «ó tempo que...». Porque se diz assim «ó tempo» e a gente nem se apercebe que deveria ser qualquer coisa como «há quanto tempo!...». Mas isso obrigava a dobrar a língua e «há quanto» virou só «há tempo» e, aqui para nós, «ó tempo» dá muito mais jeito!...
            Depois, o cozidinho. Quanto se admirava o Peter, alemão de gema, com esta nossa queda para o diminutivo envolto em gentilíssimo halo de carinho!… E até começou a imitar-nos e a exclamar «Obrigadinho!». Para mim, o que é o máximo é «beijinhos grandes!». Deve fazer uma confusão danada a estrangeiro que se preze: como é que um beijinho pode ser… grande?!
            Em período pós-pascal, o diminutivo agrada-me, qual bálsamo a temperar de ternura uma época em que a violência – física e verbal – parece querer ensombrar visceralmente os nossos… diazinhos
                                                               José d’Encarnação
 
Publicado em VilAdentro [S. Brás de Alportel] nº 207, Abril de 2016, p. 10.

sexta-feira, 1 de abril de 2016

As lições dos animais

             Não há quem possua animais de companhia ou tenha por mui saudável hábito disponibilizar um pouco do seu tempo a observar a Natureza que não traga no alforge mil e uma histórias edificantes a contar. E a palavra «edificante» tem, aqui, esse significado moral que lhe deve ser atribuído: o de contribuir para tornar melhor o edifício das nossas vidas e da sociedade.
            Para além do que é mais comum, aperceberem-se das mudanças do tempo, organizados como estão para seguirem o ciclo anual, há «atitudes» dos animais que nos deixam a pensar seriamente: como tudo seria melhor se lhes seguíssemos o exemplo!...
            A observação das aves constitui hoje, também por isso, uma das inovadoras e mui aliciantes metas das iniciativas turísticas e permita-se-me que recorde que foi devido ao facto de uma linda ave ter inopinadamente entrado numa recôndita gruta da ilha Great Ábaco, nas Baamas, que eu lá fui para ajuizar da autenticidade do desenho de pretensa caravela portuguesa com a data de 1460, pois o observador foi atrás dela e deparou com esse grafito. Mas, se observarmos com mais atenção o dia-a-dia dos que mais estão connosco – o cão, o gato… – é bem possível que a serenidade se instale mais em nossa casa.
            Qual a razão desta crónica assim quase piegas?
            É que, ainda não havia os inolvidáveis filmes sobre costumes dos animais a que hoje temos acesso à distância de um clique, nem canais televisivos específicos com essa temática (que deveríamos, aliás, sugerir às nossas crianças) e já eu me deliciava com livros como Our animal neighbors, de Alan Devoe (McGraw-Hill, Nova Iorque, 1953), autor também de This fascinant animal world, de 1951, obras hoje clássicas, que, nos anos 60, eu só conseguia na Biblioteca Americana, em Lisboa.
            Essa, a razão longínqua que me levou a esta partilha de emoções há muito sentidas. A próxima prende-se com um vídeo, certamente recebido também pelos nossos leitores, disponível no youtube: https://www.youtube.com/watch?v=HZO9E4ZPT-U
            A forma inteligente como aquele macaco consegue reanimar o companheiro que fora electrocutado pela descarga numa estação de caminho-de-ferro da Índia, perante o olhar estupefacto dos passageiros especados na plataforma; os seus gestos a reproduzirem, às mil maravilhas, os procedimentos que os nossos técnicos do INEM ora aprendem – deixam-nos, na verdade, surpreendidos e surge um comentário natural: nós, os humanos, ainda temos muito que aprender!

                                                                José d’Encarnação
Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 682, 01-04-2016, p. 12.